terça-feira, 17 de fevereiro de 2015

Um e o mesmo

Xaime Quessada - O piano (1957)

Não, não, a música não é um lenitivo ou um analgésico para as agruras da viagem. A música é um sinal que indica ao viandante que o mistério faz parte da sua viagem. Não é, porém, apenas um sinal do mistério, ela é ainda um símbolo. Na música, a voz que chama e aquele que escuta tornam-se um e o mesmo, como se, na viagem, o viandante, o caminho e o sempre adiado destino fossem um e o mesmo.

segunda-feira, 16 de fevereiro de 2015

Poemas do Viandante (497)

Paul Klee - Fire and Death (1940)

497. o incêndio que se abre

o incêndio que se abre
na noite invernosa

traz em si um fogo frio
a palavra hostil

com que a vida se desenha
no limiar da morte

sábado, 14 de fevereiro de 2015

Do mediador

Vincent Van Gogh - Roots and Tree Trunks (1890)

Quantas vezes o homem se julga uma folha a levitar, como se o seu domínio fosso o do alto? O império do homem, porém, é o do meio, aquele que fica entre o céu e a terra. Por isso, ele precisa do tronco e das raízes. Não apenas porque a sua natureza assim o exige, mas porque o céu e a terra precisam de um mediador, daquele que, na sua viagem, os une, estabelecendo a ponte que une aquilo que está afastado.

sexta-feira, 13 de fevereiro de 2015

Tempos de catástrofe

Malcolm Morley - A Era da Catástrofe (1976)

Os tempos de catástrofe são tempos de revelação. A catástrofe torna, com brutalidade, mais clara a natureza perecível do mundo e das nossas esperanças na ordem do mundo. No momento em que tudo desaba, a verdade eleva-se e rapta o espírito, como se uma ilusão contumaz se desfizesse e tudo pudesse agora ser visto segundo um novo olhar. 

quinta-feira, 12 de fevereiro de 2015

Planaltos e cumes

Felix Vallotton - Le plateau de Bolante (1917)

Nos planaltos a vida é suave e o horizonte amplo. Um planalto convida o viandante à vida sedentária, aos prazeres do trabalho recompensado pela generosidade da terra. O espírito, porém, é como o vento e sopra onde quer. O cume da montanha chama por ele e, movido pela voz que escuta, deixa o conforto e segue o seu caminho. Na terra, não há lugar que seja a sua casa.

quarta-feira, 11 de fevereiro de 2015

Haikai do Viandante (221)

Caspar David Friedrich - Winter Landscape with Church (1811)

a neve caiu
sombra sobre a floresta
um segredo canta

terça-feira, 10 de fevereiro de 2015

Viver os contrastes

Sonia Delaunay - Contrastes simultâneos (1913)

No século XIV Nicolau de Cusa pensou a coincidência dos opostos. Para o viandante, porém, o problema tem uma dimensão prática. Não se trata de pensar a possibilidade do pequeno coincidir com o grande, por exemplo. Trata-se de viver simultaneamente os contrastes que a vida que lhe coloca. Encontrar o silêncio no cento do ruído, descobrir a tranquilidade no meio da agitação, ver a luz dentro das trevas.

segunda-feira, 9 de fevereiro de 2015

De negro em negro

Wassily Kandinsky - Mancha Negra I (1912)

Por vezes o negro é sintoma de que o espírito se perdeu no caminho, se entregou à errância e que já não consegue descortinar a estreita senda que o levaria a bom porto. Outras vezes, porém, o negro - a noite escura - é apenas a antecâmara da chegada da luz. O mais importante não é distinguir uma negridão da outra, mas aprender a transformar a primeira na segunda.

domingo, 8 de fevereiro de 2015

Poemas do Viandante (496)

Max Klinger - Noite

496. este céu anoitecido

este céu anoitecido
sombra sobre sombra

este rasto de penumbra
no fim da jornada

este véu da madrugada
quase esquecido

sábado, 7 de fevereiro de 2015

Continuar no caminho

Gustavo Torner - Amarillento, con rotura sobre negro que descubre circunferencia (1965)

A viagem é um jogo - um verdadeiro jogo de crianças - de rupturas e revelações. Chegar a algum lado não significa que se cortou a meta. Significa que algo se rompeu na via e com isso algo se revelou. Aquilo que se revela em cada ruptura não é outra coisa senão a injunção para continuar no caminho.