quarta-feira, 7 de janeiro de 2015

Poemas do Viandante (491)

Remedios Varo - Frío (1948)

491. os frios de janeiro erguem-se

os frios de janeiro erguem-se
sobre a terra

traçam ruas de gelo nos campos
abandonados

e semeiam a morte nos corações
baldios

terça-feira, 6 de janeiro de 2015

A música

Henri Matisse - La Musique (1939)

De todas as artes, a música será aquela cuja natureza espiritual é mais decisiva. Na música já se abandonou a forma e a figura presentes nas artes plásticas, já se deixou para trás o discurso composto por unidades discretas, as palavras, que segmentam a realidade. Na música há o mais puro fluir, como ela fosse o primeiro eco da voz de Deus, o primeiro revestimento que o Logos divino toma para se revelar aos homens. A música é o cume da montanha ao qual todo o viandante aspira a chegar para, de lá, lançar a vista para o além.

segunda-feira, 5 de janeiro de 2015

A estrela da tarde

William Turner - A estrela vespertina (c. 1830)

No regime existencial que pertence ao homem não há luz que não contenha em si um traço de escuridão, não há trevas que não sejam pontuadas pela luz. Não está dentro das condições de possibilidade do homem suportar o absoluto, seja o da luz ou o das trevas. Quando o sol se põe e as trevas ameaçam tomar conta do mundo, o brilho da estrela da tarde recorda-nos que, para nós, as trevas não são absolutas nem eternas. A luz é ainda um princípio de esperança que, nos momentos mais negros, guia a viagem espiritual do homem.

domingo, 4 de janeiro de 2015

Haikai do Viandante (217)

George Iness - Winter, Close of Day (1866)

dia de inverno
o sol resplandece na água
e tudo se cala

sexta-feira, 2 de janeiro de 2015

O frio invernoso

George Wesley Bellows - A Morning Snow - Hudson River (1910)

Nos ciclos da vida espiritual não é importante apenas a sua natureza cíclica, o facto de uma estação antecipar já a próxima, como se a vida fosse uma deriva em espiral. Em cada estação - como nas estações da via crucis - há que permanecer na natureza que a constitui e abrir-se à experiência a que ela convoca. Também o frio invernoso faz parte do caminho do viandante, nessa aproximação infinita à voz que o chama.

quinta-feira, 1 de janeiro de 2015

Dentro da cidade

Egon Schiele - Cidade amarela (1914)

O deserto inóspito, a floresta húmida e secreta ou a montanha agreste foram, desde há muito, lugares onde viandantes de todas as épocas procuraram o caminho para a sua viagem espiritual. Entendeu-se isso, muitas vezes, como fuga mundi, como uma forma de fuga aos negócios mundanos e à vida na cidade. Mas para o viandante dos dias de hoje o deserto, a floresta e a montanha encontra-se também dentro da própria cidade e é lá que a aventura espiritual, para a qual foi convocado, terá de realizar-se.

quarta-feira, 31 de dezembro de 2014

Paraíso terrestre

Pierre Bonnard - Le paradis terrestre (1916-20)

Os séculos XIX e XX alimentaram o equívoco sonho de construir o paraíso na terra. Decepcionados com os resultados infernais obtidos, os homens abandonaram o projecto e declararam-no uma utopia. Esqueceram-se, todavia, de questionar se tinham escolhido os meios mais adequados para tão desmedido desiderato. E se o problema fosse não do projecto mas dos meios escolhidos para o realizar? E se o equívoco residisse na escolha do caminho e não na meta a alcançar?

terça-feira, 30 de dezembro de 2014

Inspirar e expirar

Antonio Tápies - Inspiração - Expiração (1997)

Os ciclos vitais não são apenas estratégias biológicas para manutenção no homem da vida animal. São também a base da vida social e da sua aventura espiritual. Ao momento da inspiração, da aquisição e da vinda do novo, corresponderá o momento da expiração, da purificação e do abandono daquilo que é já matéria morta. Inspirar e expirar são a autêntica regula da vida espiritual.

segunda-feira, 29 de dezembro de 2014

Haikai do Viandante (216)

JCM - Speculum (2008)

espelho de água
no verão lembra a viagem
luz sombra imagem

domingo, 28 de dezembro de 2014

Em cada amanhecer

Paul Delvaux - O amanhecer (1943)

Há para o espírito do homem uma clara vantagem na concepção cíclica do tempo. A concepção linear da duração arrasta com ela um contínuo sentimento de perda, de perda irremediável. O futuro não é uma conquista, mas a perda definitiva do passado e do presente. Mas, se pensarmos o tempo de forma cíclica, descobrimos no contínuo retorno do mesmo um crescimento e um aumento do vigor espiritual. Sabemos que após cada noite - por fria e escura que seja - virá a irrupção súbita da luz ao amanhecer. E se esse amanhecer está já tingido pela luz que diminui até que venha de novo a noite, o viandante sabe que depois virá uma nova manhã, mais rica, mais densa e mais plena de sentido que a anterior.