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quarta-feira, 23 de julho de 2014

Um traço de luz

JCM - Origem da Vida (2014)

Um traço de luz irrompe nas trevas e, lentamente, dissemina-se na planície da noite. Onde tudo parece ausência, lentos grãos de vida brotam da escuridão. Sementes carregadas de esperança anunciam a via, a verdade e a vida.

terça-feira, 20 de maio de 2014

A incerta viagem

Ho Fan - Journey to Uncertainty (1956)

Na inauguração dos tempos modernos, a certeza foi definida como o alvo a atingir pelo pensamento humano. A vida riu-se de tamanha pretensão e tornou tudo mais incerto, como se o caminho que cabe a cada um devesse ser feito na escura noite, onde apenas a fé e a graça podem iluminar o homem na incerta viagem que lhe cabe.

domingo, 20 de abril de 2014

Domingo de Páscoa

Agnes Marttin - Sem título n.º 11 (1977)

Na genealogia da palavra Páscoa encontramos duas raízes que merecem meditação. Em primeiro lugar, a pesakh hebraica, que significa literalmente passagem. Em segundo lugar, a pascua, vinda do latim vulgar e com a significação de pastagem. A Páscoa, na tradição católica, não é, então, apenas um tempo de transição ou uma experiência do trânsito da morte para vida, de ressurreição. Sendo isso, ela é também alimento, aquilo que permite manter a vida viva.

segunda-feira, 24 de março de 2014

Sombra da morte

Roger Fenton - Valley of the Shadow of Death (1855)

A sombra da morte não acompanha o viandante apenas em alguns trechos da viagem, lugares mais sombrios ou com história lúgubre. Ela é a companheira inseparável daquele que se faz ao caminho. Por vezes, conselheira previdente; outras, o inimigo a derrotar. Retorna sempre, certa da vitória, mas no coração do viandante brilha, uma e outra vez, a esperança de que a vida acabará por triunfar.

segunda-feira, 24 de fevereiro de 2014

Elemento fogo

Gustavo Torner - Átomos - Os Quatro Elementos - Fogo (1986)

Ao atingir a perfeição, tudo incandesce, a terra, a água, o ar. No princípio e no fim está o fogo. Crepita nas lareiras, braveia na floresta, sopra no fundo das galáxias. No escuro da noite, quando o coração se exalta e o espírito se ilumina, é o fogo que desce e se torna vida.

terça-feira, 18 de fevereiro de 2014

Na orla do bosque

Camille Pissarro - Lisière d'un bois (1879)

Estar na orla do bosque é permanecer na fronteira, nessa linha imaginária que separa dois mundos. Ali o viandante hesita, talvez tomado pelo pânico, talvez forçado pela tradição do cálculo. O que ganha e o que perde? O medo ou a interrogação retêm-no nesse lugar ensombrado. Terão mais força os velhos hábitos ou a voz que o chama conduzirá o seu desejo? É na fronteira, nesse espaço irreal, que os homens, indecisos, acabam por dissipar o tempo. Fugir ou adentrar-se no obscuro território que está para além da raia, eis o dilema onde a vida se dissolve.

domingo, 12 de janeiro de 2014

Uma flor esquiva

Agnes Martin - Flor al viento (1963)

Há quem pense que um tratado sobre a vida ensinará a viver. Socorridos pela razão teórica, amparados na geometria dos argumentos, os homens tornar-se-iam sábios e prudentes. A vida, porém, é uma flor esquiva que ama a incerteza e que medra no caos e no desconcerto. Pega na razão e rasga cada um dos seus tratados. Senta-se e espera que o vento sopre.

sábado, 28 de dezembro de 2013

A onda e a vida

Frantisek Kupka - The Wave (1902)

Pensar a vida a partir da metáfora da onda. Como deve o viandante lidar com a onda? Enfrentá-la a pé firme? Cavalgá-la como um surfista? Atravessá-la como um exímio mergulhador? Não, o caminho do viandante não é o do poder nem o da dominação, tão pouco é o da destreza. A força para nada lhe serve e a habilidade não o salva. Ao viandante resta-lhe ser onda na onda, vida na vida. 

sexta-feira, 27 de dezembro de 2013

Sobre a memória

Sendo - Da memória (1995)

É possível que possamos simbolizar a memória pela ruína. O que resta da vida vivida é essa ruína a que damos o nome de memória. É com Platão que surge a referência a uma outra memória, aquela que a alma teria da contemplação das Ideias, essas realidades que estão para além da vida vivida, seja no plano biológico, seja no plano social. É a memória de algo que a experiência existencial não poderia nunca pôr à nossa disposição, de algo que a própria vida representa já uma ruína e uma degradação. A partir desta concepção, pode-se pensar a memória já não como uma faculdade passiva e impotente perante a vida, mera produtora de imagens da ruína do real, mas como uma faculdade activa que, entre as ruínas da vida, nos abre para o essencial, para o que é efectivamente real.

domingo, 8 de dezembro de 2013

Assunto de antiquários

Jaume Queralt - Antiquário (1987)

Há quem pense que coleccionar antiguidades é o essencial da vida do espírito. A leitura de velhas obras espirituais, por exemplo, toma, muitas vezes, o lugar da verdadeira vida, da experiência essencial que é sempre única e irrepetível. Não se percebe que esses registos têm um duplo significado. Por um lado, são o traço de uma vida vivida. Por outro, são sinais que, através da leitura, apelam a que outros vivam outras vidas fazendo não aquele caminho, mas o seu próprio e único caminho. O resto é assunto de antiquários.

sábado, 7 de dezembro de 2013

A floresta e a verdade

Gustav Klimt - Beech forest (1902)

Há dias em que, na viagem, nos afastamos dos caminhos abertos na paisagem. Abandonamos a tranquilidade das rotas conhecidas e entramos na floresta. Esses são os momentos onde a verdade se abre para nós. O que significa isso? Onde estará a verdade? A verdade revela-se na via que, em plena floresta, traçamos. É nestes momentos, afastados do mundo conhecido, que a vida se revela inteiramente nos caminhos que traçamos. A floresta é o lugar onde habita a verdade.

segunda-feira, 11 de novembro de 2013

A falta e o excesso

Tamara de Lempicka - The Blue Virgin (1934)

Em Blue Virgin, o estranho quadro de Tamara de Lempicka, encontramos uma meditação sobre a essência da virgindade, daquilo a que se poderia chamar uma vida consagrada. Não é a recusa de uma experiência sexual nem de abertura ao mundo o que está em causa. É antes a afirmação de uma plenitude que existe em si mesma. O recolhimento que vemos não é negação do exterior, mas afirmação pletórica da vida interior, de uma experiência superabundante que, por não necessitar da exterioridade, ganha uma luz própria capaz de iluminar essa mesma exterioridade. O que observamos no quadro não é a falta, mas o excesso.

sábado, 9 de novembro de 2013

Diálogos sobre a morte

Karl Schmidt-Rottluff - Conversation on Death (1920)

Poder-se-á falar num diálogo sobre a morte? Platão, no Fédon, colocou a discussão sobre a imortalidade no dia em que Sócrates é executado. Não se tratou de um efeito cénico ou de uma estratégia retórica. Foi, antes, a constatação de que mesmo que se queira falar da morte, só é possível falar da vida, pois, em si mesma, a morte é destituída de sentido . Só a vida lhe dá um sentido e um horizonte.

quinta-feira, 17 de outubro de 2013

Um lugar de epifania

Rita Rutkowski - Campo da Verdade (1961)

Nunca se deverá confundir a verdade como adequação das nossas palavras aos factos e a verdade como revelação. O campo da verdade não é o sítio onde alguém profere a verdade. O campo da verdade é o lugar onde a verdade se revela. Onde tem o ser humano o seu campo da verdade? A vida é o campo onde a verdade se manifesta e se manifesta não por palavras mas naquilo que revelamos ao viver. A vida de cada um é sempre, saiba-o ele ou não, um lugar contínuo de epifania. A manifestação daquilo que ele é e do destino que o chama.

segunda-feira, 7 de outubro de 2013

A música das esferas celestes

Francisco Iturrino - Romaria (1905-1909)

A tradição religiosa ocidental, cujo núcleo é o cristianismo, é atravessada por uma ambiguidade que nos pode deixar perplexos sobre o significado da vida neste mundo. Por um lado, ela é um vale de lágrimas onde os homens suspiram, gemem e choram. Por outro, é uma romaria, onde a peregrinação e a festividade se combinam num arraial em perpétua deslocação. Facilmente se percebe como estas duas concepções reflectem a visão do inferno e a do paraíso celeste. Mas isso é secundário. O essencial é compreender que as visões não devem ser opostas mas vistas como complementares. Sim, a vida pode ser um vale de lágrimas - para muitos, pelo sofrimento recebido, uma antevisão mesmo do inferno - mas aquele que peregrina, que vai na romaria, atravessa esse vale de lágrimas dançando e cantando, pois aquilo que chama por ele e o guia soa-lhe no coração como a mais pura e envolvente música. Provavelmente, a música que o velho Pitágoras dizia provir da revolução das esferas celestes e para a qual o hábito nos tornou surdos.

segunda-feira, 24 de junho de 2013

A vida e a morte

Ramón Pérez Carrió - Descida às entranhas da luz

Nele estava a vida, e a vida era a luz dos homens. E a luz resplandece nas trevas, e as trevas não a compreenderam. (João 1: 4-5)

Somos fascinados pela oposição entre luz e trevas. Um hábito ancestral leva-nos a ordenar o mundo em pares de opostos. Esse hábito é muito anterior ao texto de João. Este vai explorá-lo, estabelecendo duas relações entre luz e trevas. Em primeiro lugar, as trevas são o lugar onde a luz brilha intensamente (resplandece). Quanto maior a escuridão mais intenso é o brilho da luz. As trevas são o lugar da manifestação da luz. Em segundo lugar, as trevas não compreenderam a luz. Esta não compreensão deve ser lida, cumulativamente, como não entendimento (as trevas não entenderam a luz) e como não inclusão ou não abrangência (as trevas não incluíram a luz ou excluíram-na). A luz manifesta-se não apenas naquilo que não a entende como também no que a exclui, incapaz de a abranger.

Este jogo dialéctico é, em si mesmo, incompreensível. Contudo ele é antecedido por uma frase metafórica: a vida era luz dos homens. O que está em questão é muito mais que a tensão entre dois fenómenos ópticos (luz e trevas), ainda que tomados como metáforas da sabedoria e da insensatez. Se a luz surge como metáfora da vida, o leitor é levado a compreender, por analogia, as trevas como metáfora da morte. É na morte que a vida resplandece, mas é também a morte que não compreende a vida e a exclui. Este parece ser o núcleo central do mistério dos cristianismo, a afirmação de uma vida através da morte, de uma morte que a não compreende, que a exclui. Tudo está assente num paradoxo: a vida que se manifesta naquilo que a nega, que a exclui, mas que é, ao mesmo tempo o outro da vida, como se esta tivesse de descer ao coração da morte para de lá resgatar as entranhas da vida.

domingo, 2 de junho de 2013

Compor mundos

Wassily Kandinsky - Composição n.º 5 (1911)

Estamos, desde que nascemos, demasiado treinados para vermos em nós e naquilo que nos rodeia um mundo ordenado. Isso é de tal maneira assim que não suspeitamos que apenas acedemos a uma composição de elementos heteróclitos, acidentais e, muitas vezes, fantasmagóricos. A educação que os neonatos recebem desde o ventre materno visa treinar o olhar e o modo de estar na vida para essa organização, de tal maneira que, com o decorrer do tempo, acreditamos que as coisas são tal e qual nos aparecem e que a realidade é aquilo que aprendemos a ver e que o único caminho de vida é o que nos foi ensinado (com uma ou outra alteração de percurso, claro).

O primeiro passo do viandante talvez seja descobrir que a forma como compreende o mundo é uma composição que lhe foi transmitida pela educação, mas uma composição entre outras possíveis, uma composição útil mas que em si não tem outra verdade que não a utilidade quotidiana. A via, a partir dessa compreensão, torna-se, então, um caminho de descomposição e de recomposição, de um desfazer de mundos para os refazer, nessa experiência que nos afasta deste mundo que não é o nosso e nos conduz, se não nos perdermos na errância, à pátria perdida.

terça-feira, 14 de maio de 2013

Orfismo e cristianismo

Alexandre Séon - Lamento de Orfeu (1896)

Os limites espirituais do politeísmo grego expressam-se plenamente no mito de Orfeu. Diz a lenda que tendo perdido Eurídice, a amada levada pela morte, Orfeu desce aos infernos para a resgatar para a vida. Consegue convencer os deuses infernais a libertarem a amada. Estes, porém, impõe-lhe uma condição. Que nunca olhe para ela enquanto durar a travessia do reino dos mortos. Orfeu, todavia, não consegue resistir à necessidade de certificação ou ao desejo e acaba por perder Eurídice. 

O orfismo reflecte a impotência perante a morte, a incapacidade do homem resgatar a alma (Eurídice) do túmulo (o corpo ou o reino dos mortos). De certa forma é a isto, ao mistério que aqui se representa, que o cristianismo veio responder. Também Cristo desce ao reino dos mortos, não como corpo que procura no fundo de si a sua alma, mas como aquele que morreu e que na morte, na morte do homem velho, encontrou uma nova vida, melhor: encontrou a vida. Orfismo e cristianismo respondem ao mesmo problema, mas a vitória do cristianismo está toda ela contida no destino diferente que tiverem Orfeu e Cristo na sua descida ao reino dos mortos.

quarta-feira, 17 de abril de 2013

Folhas mortas

Ernest Biéler - La Ramasseuse de feuilles mortes (1909)

Colher as folhas mortas para as transformar em fertilizante que, ao ser devolvido à terra, alimentará a vida. Quando Platão diz que uma vida não examinada não merece ser vivida, é de folhas mortas que ele está a falar. Examinar a vida vivida é recolher as folhas mortas e, através de severo e meditativo exame, dar-lhe um sentido que alimentará a vida a viver. Nada do que se fez, pensou ou omitiu é sem préstimo. Pelo contrário, reside nessas estranhas folhas que o tempo arrancou de nós a matéria viva que a vida exige para entrar nesse reino inquietante a que damos o nome de futuro.

domingo, 17 de março de 2013

A mulher que encontrou o caminho

Max Beckmann - Christ and the Woman Taken in Adultery (1917)

Naquele tempo, Jesus foi para o Monte das Oliveiras. De madrugada, voltou outra vez para o templo e todo o povo vinha ter com Ele. Jesus sentou-se e pôs-se a ensinar. Então, os doutores da Lei e os fariseus trouxeram-lhe certa mulher apanhada em adultério, colocaram-na no meio e disseram-lhe: «Mestre, esta mulher foi apanhada a pecar em flagrante adultério. Moisés, na Lei, mandou-nos matar à pedrada tais mulheres. E Tu que dizes?» Faziam-lhe esta pergunta para o fazerem cair numa armadilha e terem de que o acusar. Mas Jesus, inclinando-se para o chão, pôs-se a escrever com o dedo na terra. Como insistissem em interrogá-lo, ergueu-se e disse-lhes: «Quem de vós estiver sem pecado atire-lhe a primeira pedra!» E, inclinando-se novamente para o chão, continuou a escrever na terra. Ao ouvirem isto, foram saindo um a um, a começar pelos mais velhos, e ficou só Jesus e a mulher que estava no meio deles. Então, Jesus ergueu-se e perguntou-lhe: «Mulher, onde estão eles? Ninguém te condenou?» Ela respondeu: «Ninguém, Senhor.» Disse-lhe Jesus: «Também Eu não te condeno. Vai e de agora em diante não tornes a pecar.» (João 8,1-11) [Comentário de João Paulo II aqui]

Este é um dos textos mais conhecidos de João e um dos marcos civilizacionais mais profundos trazidos pelo cristianismo. A partir deste momento, não há legitimidade para apedrejar alguém, seja por que razão for. Se a carga simbólica do texto tem uma dimensão cultural e civilizacional, estas, apesar de muito importantes, não serão as únicas nem as fundamentais. O que está em jogo no texto de João é, mais uma vez, o conflito entre a Lei – a Lei mosaica – e a Vida, entre o formalismo e a existência.

A Lei é utilizada, por parte dos doutores da Lei e dos fariseus, como estratégia contra a Vida, como armadilha. E é esta possibilidade da Lei servir de armadilha aquilo que mostra o que a Lei tem de frágil e de exterior, e por isso ela precisa de ser superada (no sentido hegeliano do termo). A resposta que é dada altera o ponto de vista em que fariseus e doutores da Lei tinham colocado a questão. Esta é colocada do ponto de vista jurídico e a resposta é dada com uma confrontação com a vida e a consciência. Desloca-se assim a questão da infidelidade do âmbito do direito para o da ética. Esta, contudo, não deve ser entendida como moral (conjunto de costumes que regulam a vida social) mas como forma de habitar o mundo orientada para uma vida boa. O que fica claro é que, eticamente, os acusadores não têm qualquer legitimidade para julgar e condenar.

O texto contém, assim, dois modos de não condenação. Um modo fundado no confronto ético com a sua consciência, que mostra a não legitimidade dos acusadores, pois a sua natureza é também ela corrupta. O outro modo de não condenação, radicalmente diferente, é o de Cristo. Este funda-se numa outra natureza que é essencialmente misericordiosa, pois não radica numa consciência culpada. Esta consciência não culpada e misericordiosa é o fundamento das consciências culpada, aquilo que, em alguns momentos, as levam a recuar no formalismo jurídico e a conter-se no mal que preparam, sob a capa da pena de um delito, para fazer

Nas palavras de Cristo, porém, há mais do que uma manifestação de misiricóridoa. Há uma exortação na expressão Vai e de agora em diante não tornes a pecar. O “vai” não pode ser interpretado como um mero afasta-te, vai-te embora. Significa fundamentalmente toma o teu caminho. Quando se toma o caminho, aquele que nos pertence, abandona-se o estado de errância, a ausência de norte. O “não tornes a pecar” deve ser entendido neste sentido. Porque ela toma o seu caminho – agora que o descobriu – não retornará à errância. Como é que o caminho, para esta mulher, se revela? Pela tensão gerada entre a acusação e a revelação de Cristo. No momento de maior perigo, o caminho manifesta-se e abre para uma outra dimensão que está muito para além daquilo que é meramente regulado pela Lei. Ela encontra agora o sentido da vida, o horizonte de uma vida boa.