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segunda-feira, 15 de março de 2021

Impressões 76. No claustro

Charles Clifford, Cloisters of the Church of Saint John of the Kings, Toledo, Spain, 1858
Sentado no claustro, um homem contempla a estatuária presa nas paredes, mas não são as figuras de pedra aquilo que vê, nem o domínio artístico dos autores, nem a passagem do tempo, que também lá se encontra. Procura ali a desmedida que há entre o seu olhar e o infinito que se esconde nessa prisão que todo o claustro é.

segunda-feira, 8 de março de 2021

Impressões 75. Na floresta

Brett Weston, Beech Forest, Holland, 1971

Entra-se na floresta e escuta-se o canto das folhas secas ao ranger sob o peso do corpo. Depois, ao parar, ouve-se o silêncio chegar. Ele vem lentamente, arrastado por um vento suave, e poisa sobre os ramos das faias. É um silêncio leve. Por vezes, pássaros cantam, mas o silêncio permanece. O corpo desliza e encontra nas folhas amontoadas a melhor das camas. Adormece sob o som do silêncio.

terça-feira, 23 de fevereiro de 2021

Impressões 74. A vida plena

Alfred Eisenstaedt, Row of trulli homes, Alberobello, Italy, 1947
Que secretas palavras se trocam nas ruas e ajudam o tempo a passar? Da brancura das casas, eleva-se um telhado em forma de cúpula, como se um desejo arcaico de se elevar aos céus ali ganhasse sentido e esperança. A vida passa devagar, iluminada por sol persistente. Em certas horas, as pedras das ruas escaldam, a realidade é fruste, mas nunca lhe falta um indício de verdade e os sintomas de uma vida plena.

sábado, 13 de fevereiro de 2021

Impressões 73. Areias do silêncio

Ernst Haas, White Sands, New Mexico, 1952

A areia enrola-se no silêncio e expande-se como uma onda de brancura na majestade do espaço aberto. Se tocada pela luz, reverbera. São cintilações vindas do passado com mensagens secretas para aqueles olhos que nas coisas ocultas encontram a sabedoria das manifestas.

sábado, 6 de fevereiro de 2021

Impressões 72. Exercícios de habituação

René Bertholo, Pintura, 1959

As paisagens antes de serem paisagens são um amontoada heteróclito de cores. Os olhos chocam com elas e estremecem. Tudo parece indefinido, um estado do mundo antes de ser mundo. Com o tempo, o olhar aprende o seu caminho e descobre fronteiras e figuras, lagos e florestas, a rocha dura e a casa a que alguém chamou lar. As paisagens são exercício de habituação. Instituídos os hábitos do olhar, descobre-se o mundo onde antes só havia o acaso das cores. 

domingo, 24 de janeiro de 2021

Impressões 71. A longa espera

Alfred Stieglitz, The Street, Fifth Avenue, 1900-1901

A longa espera é um exercício destinado à provação da paciência. O dia gélido, a neve pelo chão, o céu de chumbo. A cidade parece entregue à dura dolência do sono. Nas ruas, apenas sonâmbulos caminham sem destino, sem saber onde estão, sem um desejo que lhes anime as vontades. Em fila, homens e animais esperam e essa espera é todo o seu ser e todo o seu mundo.

segunda-feira, 18 de janeiro de 2021

Impressões 70. Canção da Terra

Rafael Estrany, Cursa de cavalls
O troar dos cascos pelo chão, o galope desenfreado em busca do destino, os gritos de incitamento dos jóqueis, o ulular dos espectadores, tudo isso se abre como um movimento ondulante de uma melodia arcaica e poderosa, uma canção da Terra erguendo-se para o mistério do céu.

sexta-feira, 8 de janeiro de 2021

Impressões 69. Ataque de lanceiros

Eugène Atget, Le Château, fin Octobre, le soir, effet d'orage,  1903

De súbito, a tempestade aproxima-se com o seu exército de lanceiros. Ouve-se o galope dos cavalos e o troar dos gritos que incitam ao combate. Grande bátegas de água, raios e coriscos iluminados pela rapidez do relâmpago são lanças ferinas que se abatem sobre a esquadria silenciosa e pura da razão humana. 

terça-feira, 29 de dezembro de 2020

Impressões 68. Xadrez sob azul

Noronha da Costa, Composição Azul, 1970
Sobre o tabuleiro de xadrez da existência paira uma névoa de azul. Debaixo do véu, personagens compõem um drama feito de reis e rainhas, cavalos à desfilada e torres por conquistar. Os bispos abençoam os pequenos peões que nunca chegarão aos estribos do cavalo para, com a sua lança de água, matarem de sede o rei ou, numa súbita metamorfose, se tornarem diligentes rainhas.

terça-feira, 15 de dezembro de 2020

Impressões 67. Luzes do Norte

Sydney Mortimer Laurence, Northern Lights

A luz é um animal preso à metamorfose, muda de lugar para lugar, construindo mundos que nunca deixam de surpreender quem os observa. Aos amarelos do Sul, contrapõe os azuis do Norte. Ali os homens sonham, entre planícies gélidas tocadas de anil, pequenas cabanas, abrigos onde arde e ruge o laranja avermelhado do fogo que os salvará.

sábado, 5 de dezembro de 2020

Impressões 66. De si para si

Francesca Woodman, Rome, 1978
Caído, o corpo desliza de metamorfose em metamorfose, aprendendo pela dor o caminho que leva de si para si. O silêncio zune e o espírito, a princípio confuso, encontra a porta por onde deve entrar para a casa que, por instantes, será a sua.

sexta-feira, 30 de outubro de 2020

Impressões 65. O nascimento da água

Fernando Lemos, Pintura, 1951
Após a florescência do fogo e antes de as constelações encontrarem moradia na vastidão dos céus, chegaram indiferenciadas as cores. O grande incêndio a tudo avermelhara, mas com o passar dos tempos os materiais, sequiosos, foram arrefecendo, para que surgissem os castanhos, os laranjas, os amarelos, depois os verdes, até que fosse o tempo dos azuis e deles houvesse água pura que a tudo matasse a sede.

sexta-feira, 23 de outubro de 2020

Impressões 64. Cosmogonia

Mário de Oliveira, Paisagem, 1961
Primeiro era o nada, pura ausência, nem quietude nem perturbação. Depois, veio o caos em alvoroço, movido a desassossego, pleno de transtorno. Por fim, chegou a paisagem, quase um nada, quase um tumulto, uma ponte entre uma e outra margem.

segunda-feira, 19 de outubro de 2020

Impressões 63. Um rasto de verde

Johann Barthold Jongkind, Colline à la Côte-Saint-André, 1880

Um rasto de verde passa rente à terra. Chega com o vento e caminha de estação em estação, até que o Verão, privado do fulgor das águas, o leva para a caverna onde dormem, como mortas, as ervas que o Outono fará renascer da poeira sombria gerada no vente das folhas mortas.

terça-feira, 6 de outubro de 2020

Impressões 62. Híbridos

Jaime Silva, sem título, 1978
Os híbridos produzidos pela imaginação são apenas reminiscências longínquas de épocas em que a vida ainda não atingira graus de diferenciação como os conhecidos hoje. Esses seres imaginários escondem-se nos nossos genes e, encontrando um espírito sensível, logo se manifestam, trazendo à luz a verdade que o passar do tempo ocultou.

quarta-feira, 23 de setembro de 2020

Impressões 61. Invocação

Francisco dos Santos, Invocação, 1916
Não a voz que clama no deserto, mas aquela que rompe o silêncio da noite e chama sem parar, aquela que fende o cerco dos lábios e deixa as sílabas perderem-se no vendaval, aquela que pela aurora grita sobre a terra e ninguém a escuta. Essa é a voz de onde nasce, palavra a palavra, toda a invocação. 

quinta-feira, 10 de setembro de 2020

Impressões 60. O rio

Dordio Gomes, O rio Douro , 1935

Descido dos céus, um silêncio azul toca a superfície das águas. Então, o rio não é um rio, mas uma sombra divina a deslizar na Terra, o reflexo fugidio do paraíso perdido, o murmúrio de um coração preso ao terrível mistério de tudo o que é.

sexta-feira, 4 de setembro de 2020

Impressões 59. O tocador

Nejar Salim, Rababa Player,1962
Preso no mistério da música que o atormenta, o tocador fia um cordão de aço que, com vagar, prende o corpo e o espírito de quem se deixou tocar pelo som saído do silêncio de suas mãos.

quinta-feira, 27 de agosto de 2020

Impressões 58. Homens

Luis Dourdil, Pintura II, 1974
Talvez os homens sejam apenas sombras sonhadas por outras sombras. O melhor é caminhar em silêncio, evitar ruídos, fechar portas e janelas, manter as luzes apagadas. Nada seria pior do que acordar os sonhadores e destruir o seu sonho.

quarta-feira, 12 de agosto de 2020

Impressões 57. A mulher que dança

Gjon Mili, Study of nude female dancer. 1942
Ao dançar, a mulher deixa de ser mulher, perde a alma que a liga ao mundo humano e torna-se ave e anjo, cujas asas lhe nascerão na hora em que a gravidade queira fazê-la cair no imenso lodaçal da terra.