quinta-feira, 21 de julho de 2011

O autor e a obra (1)

Como olhar para a relação entre autor e obra (poema, romance, tragédia, sinfonia, quator, quadro, escultura, etc.)? Assiste-se, após a retórica da morte do autor, a uma certa recuperação da autoria e da situação do autor na leitura das obras e na sua compreensão. A relação entre autor e obra é equívoca e remete para duas ordens de discurso que não pertencem ao jogo da linguagem artística.

Em primeiro lugar, envia-nos para um questionamento jurídico. A quem imputar aquela obra? Por que razões a produziu? Como determinada idiossincrasia do autor se reflecte ali? O inquérito faz parte assim de um processo que está em julgamento e sobre o qual se deve pronunciar uma sentença. A obra de arte é então, se não a prova de um crime, o vestígio deixado pelo delinquente. A natureza processional e jurídica da intromissão do autor fica bem à vista.

Em segundo lugar, a relação autor – obra coloca-nos perante o discurso médico. A obra não é apenas o vestígio de uma delinquência mas o sintoma de uma dada configuração psicológica ou, melhor, biopsicológica. A partir da leitura das obras de um autor, supostamente, poderei traçar, na conjunção de Nietzsche com a psicanálise, uma leitura das forças vitais e dos processos recalcados de um autor. Força vital e recalcamento psíquico significam trazer para a questão da arte os problemas da patologia e do discurso médico

Introduzir o autor na questão da obra de arte significa, antes do mais, reduzi-la às dimensões do vestígio e do sintoma. O corolário é fácil de observar: os inquéritos que se abrem nada têm a ver com a experiência estética e com o confronto, o corpo a corpo, entre o leitor e a obra.

domingo, 17 de julho de 2011

Poemas do Viandante

182. DÁDIVA

dá-me essa tristeza
sem nome
uma rua de pedras gastas
e a brancura da pele
no sublime dia
dos vinte anos

dá-me a penumbra
onde arde ainda
aquela fogueira
que a noite ateava
no desamparo
dos teus olhos

sábado, 16 de julho de 2011

Poemas do Viandante

181. ESPERANÇA

não esperar de deus
os dias de luz
a radiosa montanha
onde o pássaro
canta

não esperar de deus
a ventura da tarde
ou um sinal breve
na cruz erguida
no caminho

não esperar de deus
o vento suave
na sombra da árvore
a água fria
que a sede pede

não esperar de deus
e ir pela estrada
vazio e louco
seguindo-o no fundo
deste nada

sexta-feira, 15 de julho de 2011

Poemas do Viandante

180. ESQUECIMENTO

o vasto incêndio
sobre o abismo
as flores secas
pelo cansaço
a pressa
que me toca

não tenho posteridade
nem quem
de mim se lembre
quando o vento
descer da serra
e tudo cantar
ao entardecer

quinta-feira, 14 de julho de 2011

Poemas do Viandante

179. PROMESSA

a luz do meio-dia cai
sobre a floresta
de casas sombrias
vem do abismo
sem nome
e traz no seio
o rumor da saudade
a promessa de nuvens
na remota
e branca fímbria
com que debrua
o mar

terça-feira, 12 de julho de 2011

Poemas do viandante

178. DESAGRADO

isso que te desagrada
a conversa inútil
sobre o passar
dos dias
as mãos vazias
vindas em sussurro
o chegar agosto
e o sol que despeja
a alma
e abre o corpo
para a sede

o que te desagrada
não é isso
mas o andar frívolo
com que caminho
o silêncio quebrado
para não ouvir
o grito esquecido
sobre a ponte
o sino rasgado
sem as trindades
da infância

segunda-feira, 11 de julho de 2011

Poemas do viandante

177. DISTÂNCIA

o brusco olhar
sobre a montanha
a água escorre
fragas penedos
um relâmpago
fende a neve
abre a brancura
ao chumbo
ao peso da ira
ao grito consentido
pela distância
do céu à terra
a ergues

domingo, 10 de julho de 2011

Poemas do viandante

176. O SENHOR


não é vã
a palavra
dita
sobre o rio
a água corre
uma ave canta
e o senhor
deixa vir
as nuvens
esconder a luz
do seu
calor

sábado, 9 de julho de 2011

Poemas do Viandante

175. ANJOS

os anjos
que descem
pela tarde
trazem
luz de pedra
no dia brando
que o corpo
encerra

sexta-feira, 8 de julho de 2011

Poemas do Viandante

174. CAMPOS DE VERÃO

a essa distância
entre mar e água
entre a rosa
e o sombrio coração
tudo fica mais claro

os dias de julho
as buganvílias
o odor da terra
ferido pelo voo
de um pássaro

se abrires os olhos
e os cabelos voarem
ao vento
deixa o fogo apascentar
os campos de verão