John Vachon, Children playing at a playground, Irwinville school, Georgia, 1938 |
quinta-feira, 4 de julho de 2019
Meditação Breve (105) De pernas para o ar
quarta-feira, 3 de julho de 2019
Haikai do Viandante (372)
terça-feira, 2 de julho de 2019
Micronarrativa (17) A sombra do desejo
segunda-feira, 1 de julho de 2019
Poesia do Viandante (727)
domingo, 30 de junho de 2019
Impressões 35. O hálito da Terra
sábado, 29 de junho de 2019
Protecção
Richard Peter, Dresden 1945. View from the city hall tower, 1945 |
Não era um anjo. Longe disso. Foi alguém que, quando
começaram os bombardeamentos, decidiu ir para o cimo da torre e observar. Era
corajoso e, diz-se, não odiava os atacantes. Talvez compreendesse as suas
razões. A princípio, chorou e sentiu uma dor lancinante a germinar mesmo no
centro do seu ser, enquanto a cidade, a cidade onde nascera e que amava sobre
todas as outras, se desmoronava. Depois, as lágrimas secaram, a dor
desapareceu, o coração, que sempre fora benevolente, empederniu. Só assim
suportava o que via. A partir do coração, a pedra cresceu a cada
bombardeamento, tomou-lhe conta do corpo, paralisou-o. Hoje, é a estátua que
ali vê. Protege-nos com o seu olhar de mármore.
sexta-feira, 28 de junho de 2019
Diálogos morais 11. Saberes
quinta-feira, 27 de junho de 2019
O sal do silêncio (20)
Abbas Kiarostami |
De ramo em ramo, o pássaro do silêncio tece, com linhas de vento, a fina rede que colherá o fogo da árvore da Primavera.
quarta-feira, 26 de junho de 2019
Poesia do Viandante (726)
terça-feira, 25 de junho de 2019
Meditação Breve (104) Realidade humana
segunda-feira, 24 de junho de 2019
Haikai do Viandante (371)
domingo, 23 de junho de 2019
Diálogos morais 10. Das coisas necessárias
sábado, 22 de junho de 2019
O sal do silêncio (19)
sexta-feira, 21 de junho de 2019
Poesia do Viandante (725)
quinta-feira, 20 de junho de 2019
Impressões 34. O corpo e a dança
Gjon Mili, Stroboscopic image of ballerina Nora Kaye leaping, 1947 |
Dançar talvez seja a mais perigosa das ocupações humanas. Ao elevar-se, a bailarina vai perdendo um a um os seus corpos, como se alma, no momento da elevação, se quisesse despir dos mil vestidos que compõem o seu guarda-fatos. O perigo está no momento em que pousa na terra. Quantos corpos terá a alma dançante perdido? Os que recuperou e uniu em si ainda são suficientes para que tenha algo para dar vida e fazer rodopiar no palco perante uma plateia suspensa e tremente?
quarta-feira, 19 de junho de 2019
Incendiada
Leonard Misonne, Bad Weather, 1909 |
Nos dias de chuva, ela passeava-se sob um guarda-chuva de
cor sóbria. Não havia no seu rosto, para além da beleza, um sinal que a
diferenciasse de qualquer um de nós. A família era conhecida e tinha influência
assinalável na cidade. O estranho era que nem a beleza nem a influência lhe
atraíam pretendentes. Nessa tarde de que me fala, chovia e ela fez o seu
passeio habitual. Sentou-se, contra o costume, num banco de jardim. De dentro
da gabardina, retirou uma garrafa, regou-se com o conteúdo e acendeu um
fósforo. As chamas consumiram-na de imediato. Quando chegaram perto do sítio
onde estava, não havia qualquer vestígio da sua existência. Nem sequer cinzas.
Não há provas de que tenha morrido.
terça-feira, 18 de junho de 2019
Haikai urbano (48)
segunda-feira, 17 de junho de 2019
Diálogos morais 9. Descrições
Raoul Hausmann, Les photographes Raoul Hausmann et Marthe Prévot,1957
- Vês a mesma coisa que eu?
- Não sei o que vês. Se descreveres, talvez...
- Descrever?
- Sim, dizeres o que vês, as características, essas coisas.
- Impossível.
- Não entendo.
- Se eu descrevesse estaria já a falsificar o que vejo, a mentir-te e jurei nunca te mentir.
domingo, 16 de junho de 2019
Poesia do Viandante (724)
Darío Urzay - Agnostic site (2000)
724. com turvo talento
com turvo talento
pinto paisagens
de mercúrio
e magnésio
figuras de cobre
no cálcio quente
do entardecer
(27/12/2016)
sábado, 15 de junho de 2019
Impressões 33. Sombra
Walker Evans, Pedestrians at Curb, Seen from Above, New York City, 1928
Não deixa de ser estranho o destino dos homens. Uns fogem da sua própria sombra, enquanto outros, sem parar, correm atrás dela. Imaterial e imponderável, a sombra é o centro de todas as actividades humanas. Não há acção em que a luz, ao iluminar o homem, não projecte uma sombra que o fascina e o atemoriza.
sexta-feira, 14 de junho de 2019
O sal do silêncio (18)
Frederick Sommer, Colorado River landscape, 1942
Paisagens de pedra e água, moradas onde o silêncio cresce, lugares inexpugnáveis à curiosidade dos homens. Ali se recolhem, solitários, aqueles que vão deixar a vida. Sentam-se e esperam que um anjo chegue e lhes recolha a alma. O corpo, então, desaparece, como se quisesse desmentir o adágio "na natureza nada se cria, nada se perde, tudo se transforma", com o qual se jura pela conservação da matéria.
quinta-feira, 13 de junho de 2019
Meditação Breve (103) Fugas
Alfred Eisenstaedt, Golfers’Ball, Esplanade Hotel, Berlin, 1929
A vida social - um baile, por exemplo - é um exercício de fuga à solidão. Começa-se sempre por fugir a esta, para depois se fugir de si mesmo e acabar por fugir do tremendo mistério que nos envolve.
terça-feira, 11 de junho de 2019
Diálogos morais 8. Um equívoco
Alexey Titarenko, Untitled, (Two Heads), St. Petersburg, Russia, 1992
- Mãe, que estranha me sinto.
- Falta-te anda o hábito, o tempo to dará.
- Sinto-me a perder a face.
- Estás enganada, minha filha.
- Enganada?
- Sim.
- Não compreendo.
- Nós pertencemos aos que nunca tiveram face.
segunda-feira, 10 de junho de 2019
Haikai do Viandante (370)
Ferdinand Hodler, Los Alpes de Vaud vistos desde los Rochers-de-Naye, 1917
sobre a montanha
o silêncio luminoso
rasga-me a alma
domingo, 9 de junho de 2019
Poesia do Viandante (723)
Antonio Bisquert - Adoración (1975)
723. sonho fábulas e flores
sonho fábulas e flores
em presépio
de palavras
sonho um sono
germinado
à porta da carne
sonho de olhos
fechados
a lépida lentidão da morte
(27/12/2016)
sábado, 8 de junho de 2019
A fotografia
Horst P. Horst, London, 1936
Dançaram toda a noite. A princípio não os notei, mas, a certa altura, a forma como dançavam prendeu-me o olhar. Havia neles uma leveza que nunca vira, embora nunca tentassem distinguir-se dos outros casais. Conhece, por certo, aqueles pares que gostam de centrar em si os olhares, que se esforçam para manifestar uma distinção técnica e com isso parecem realizar um grande desígnio. Este era diferente, esforçava-se para ser apenas mais um. Quando a festa terminou, segui-os. Eles caminharam em silêncio e nunca deram as mãos. Chegados perto rio, pararam. Foi então que os fotografei. Nesse instante, sem que eu perceba como, desapareceram. Encontrei-os quando revelei a fotografia. Ali estavam eles, presos ao papel.
sexta-feira, 7 de junho de 2019
Diálogos morais 7. Que pena
Bill Brandt, Penny-farthing for their thoughts, from A Day on the River, 1941
- Estou cansada. Para lá daquela margem está a nossa felicidade.
- Também o creio. Quem me dera que lá estivéssemos.
- É fácil, atravessamos o rio.
- Impossível, só tenho uma bicicleta.
- Que pena, seríamos felizes.
- Que pena, mesmo.
quinta-feira, 6 de junho de 2019
O sal do silêncio (17)
Andreas Feininger, Figurenarchitektur von Lyonel Feininger, 1971
Universos de pedra são como casas onde habitam homens silenciosos, clareiras onde tudo se vê mas nada tem sentido. Os seus habitantes caminham ao acaso, encontram-se e logo se afastam, sem que uma razão desfaça o enigma ou uma súbita iluminação lhes esclareça a existência.
quarta-feira, 5 de junho de 2019
terça-feira, 4 de junho de 2019
Poesia do Viandante (722)
Gerhard Richter - Abstraktes Bild (1995)
722. tudo estremece
tudo estremece
no mar da mansidão
as palavras puras
roubadas
à gangrena do léxico
o rumor da ressurreição
na poeira da páscoa
o homem solitário
adormecido
no dédalo da desventura
(27/12/2016)
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