Salvador Dali
Faça-se a Vossa Vontade! Aqui enuncia-se a máxima suprema do cristianismo, a mesma que conduziu Cristo à cruz. Há, contudo, um elemento perturbante nessa enunciação. Quanto nessa enunciação exprime a nossa própria vontade ou, melhor, o nosso desejo que a Vontade de Deus corrobore a nossa própria vontade, que seja um amparo e um legitimador do nosso egoísmo? Mesmo quando a enunciação é feita a posteriori, quando algo contrariou tragicamente o nosso desejo, não estamos ainda perante a enunciação de um desejo de apaziguamento da dor? Os seres humanos são seres desejantes e a sua vontade é inclinada radicalmente pela pluralidade dos seus desejos particulares e egoístas. O escândalo do cristianismo não reside na ideia exterior de que o Filho de Deus morreu na cruz pela salvação dos homens. O escândalo do cristianismo está todo nessa proposta de uma radical crucificação da vontade própria, inclusive dessa vontade que, ao tomar voz, diz: Faça-se a Vossa Vontade. Essa aprendizagem da morte é o desafio mais extraordinário que o cristianismo faz aos homens. Ela significa a extinção do desejo para que algo, nessa morte do ser desejante, se manifeste. Não um outro tipo de desejo, mas um outro tipo de vida. A vida desejante é uma vida cujo centro reside na experiência de finitude e de incompletude. A outra vida surge, no cristianismo, como promessa de Vida plena que, quase de um modo dialéctico, realiza o desejo pela sua morte, pela sua crucificação.