sábado, 6 de fevereiro de 2016

Sonho e realidade

Max Beckmann - Rêve de París, Colette, Eiffel Tower (1931)

Na história da humanidade o sonho sempre desafiou a argúcia interpretativa dos homens. Antevisão do futuro ou sintoma de conflitos passados, o sonho foi e é motivo para uma recusa do presente. E no entanto ele é uma poderosa manifestação da presença do espírito, de um espírito que se liberta da coacção da lógica formal e dos constrangimentos espácio-temporais. Nessa libertação emerge uma outra realidade, aquela que as estruturas lógicas do entendimento e as formas da sensibilidade ocultam e sonegam na vida quotidiana.

sexta-feira, 5 de fevereiro de 2016

Das redes de comunicação

Ernst Haas - Communication, Nevada (1962)

Vivemos na era das redes e da comunicação. O fascínio de comunicar com o longínquo raramente deixar perceber a dimensão global do processo. E o outro lado do processo é o evitar que o longínquo se torne o próximo. As redes comunicacionais, ao mesmo tempo que estabelecem conexões, estruturam distâncias e aniquilam formas de comunhão. As redes, ao intensificarem a comunicação, aniquilam o espírito que só a comunhão pode fazer nascer.

quinta-feira, 4 de fevereiro de 2016

Nuvens

Edward Weston - Clouds (1936)

As nuvens possuem a particularidade de unir nelas um conjunto de contrários. Umas sugerem um ambiente pesado; outras, a leveza. Umas tornam o horizonte escuro; outras trazem com elas a claridade. Umas são sentidas como ameaçadoras; outras, benfazejas. O que nunca pensamos é que elas são a imagem, a nossa imagem, que o céu nos devolve. Ao olharmos as nuvens, através das metáforas usadas no jogo pueril da sua classificação, é a nós mesmos que encontramos.

quarta-feira, 3 de fevereiro de 2016

Haikai do Viandante (270)

Henri Edmond Cross - Arbres au bord de la mer (1906-7)

água azul e céu
guardam as velhas árvores
silêncio no mar

terça-feira, 2 de fevereiro de 2016

Um problema de compreensão

Paul Ackerman - Dis-mois, compreds-tu quelque chose

A preocupação com a compreensão do mundo, com aquilo que se passa fora de nós, funda-se na crença ingénua de que o objecto da compreensão é transparente e acessível em si mesmo. A compreensão do mundo, porém, assenta na compreensão de nós mesmos. Aquilo que compreendemos no mundo exterior não é apenas mediado pela nossa auto-compreensão. É uma projecção dessa mesma auto-compreensão. Aquilo que eu vejo no mundo diz mais sobre mim do que sobre o mundo.

segunda-feira, 1 de fevereiro de 2016

O cair da noite

Giovanni Segantini - Landscape with Horses and Peasant Boy

O rapaz fez entrar os cavalos num pequeno lago para que matassem a sede. Olhou as águas e viu o reflexo dos animais. O sol ainda iluminava o campo, embora uma sombra avançasse rapidamente, galgando a floresta em perseguição do astro que, debilitado, se retirava para além do horizonte, como se um medo antigo o movesse. O rapaz estremeceu. Este jogo entre a luz e a sombra levou-o a procurar, nas águas, o seu reflexo. Via a imagem dos cavalos. Da sua não havia rasto. Perplexo, olhou o horizonte em busca do Sol. Do seu corpo começou a soltar-se um véu pesado e negro, um manto que caiu sobre a terra. Os cavalos diluíram-se, o campo desaparecera, a água secara no pequeno lago. Onde ele chegava, a noite caía.

domingo, 31 de janeiro de 2016

Poemas do Viandante (523)

Giacomo Balla - Abstract Speed - The Car has Passed (1913)

523. Veloz, um carro

Veloz, um carro
passou.
E ao passar,
o céu da manhã
ergueu-se
em ondas de azul
sobre o verde
da floresta.

sábado, 30 de janeiro de 2016

Uma brecha

Hermen Anglada-Camarasa - Interior de Teatro (1898)

O teatro funciona como um espelho da vida social. Como esta, o teatro é uma representação. A vida do espírito, porém, é a insurgência contra a representação. Tudo nela está direccionado para romper com o representar, para que aquilo que é efectivo e real se torne presente. No lugar da representação, a vida do espírito abre uma brecha para a presença.

sexta-feira, 29 de janeiro de 2016

Haikai do Viandante (269)

Caspar David Friedrich - Cape Arkona at Sunrise (1803)

esta luz dourada
anuncia o amanhecer
fogo no horizonte

quinta-feira, 28 de janeiro de 2016

Olhar de cima

Eric Vali - Himalaias

Para que serve uma vida se ela não for a superação de si? Erguer-se acima da pura animalidade. Não se trata de subir na escala social, pois o social é ainda e apenas essa animalidade confortada pela presença especular dos outros animais. Trata-se de subir a montanha, a mais difícil das montanhas, aquela que permite olhar de cima para as ilusões que nos prendem ao animal timorato e vaidoso que somos. A cada um o seu Himalaia.