segunda-feira, 28 de dezembro de 2015

Haikai do Viandante (264)

Edvard Munch - Winter Night (1900)

as noites de inverno
descem frias sobre a floresta
neve e solidão

domingo, 27 de dezembro de 2015

Tornar-se ausente

Eloisa Sanz - Ausência (1991)

Há um momento na vida dos homens em que o tornar-se presente - nos lugares que se pensam como significativos - é o seu grande desejo. A presença é um sintoma de que se é alguma coisa, a expressão do desejo de reconhecimento.  A generalidade só desiste de tornar-se presente quando percebe que não tem o poder suficiente para se impor ao mundo e aos outros. O viandante, porém, recusa a ilusão da presença. A sua viagem e a sua vida é um contínuo tornar-se ausente, um abandono persistente dos lugares da existência e de qualquer pretensão ao reconhecimento, um tornar-se nada no exercício da ausência.

sábado, 26 de dezembro de 2015

Lugares negros


Georgia O'keeffe - Black Place III (1944)


A relação entre a vida espiritual e os lugares negros é central. Por lugar negro deve-se entender qualquer lugar onde o espírito não penetrou. O trabalho do espírito não é outro senão fazer com que a luz resplandeça nas trevas, mesmo que estas não compreendam a luz e não a reconheçam.

quinta-feira, 24 de dezembro de 2015

Haikai do Viandante (263)

George Inness - Evening Landscape (1862)

sombra pura sombra
a noite cai sobre a terra
os pássaros cantam

quarta-feira, 23 de dezembro de 2015

Um jogo rítmico

José de Togores - Figura escondendo-se (1925)

A viagem espiritual dos homens é marcada por um jogo de ocultações e de manifestações. Por vezes, o espírito necessita de se esconder e nessa ocultação encontrar a energia, a força e a substância que levarão à sua manifestação. Ocultar-se não significa um puro desaparecimento, mas um momento em que o espírito se prepara para trazer ao mundo o inesperado, o inaudito e o inédito.

terça-feira, 22 de dezembro de 2015

Poemas para Afrodite (segunda série) 12

Ignacio Díaz Olano - Desnudo (1895)

12. A luz que te toca

A luz que te toca
na sombra do dia
enche-me os olhos
com uma promessa
pura e fugidia.

segunda-feira, 21 de dezembro de 2015

Tagarelice

Giulio Rosati - Bavardages

A tagarelice é uma forma de construir comunidade, de pôr em comum, fundada naquilo que é, aparentemente, fútil. Esta forma ligeira de partilha não deve ser rejeitada liminarmente, pois ela corresponde à nossa efectiva condição. Os homens não são deuses, nem anjos, nem, em geral, filósofos que se entreguem à resolução especulativa dos mais intrincados problemas colocados pela razão. Tagarelar com os que nos são próximos ou com os que se aproximam de nós não é um mal em si mesmo. O perigo nasce apenas se esse tagarelar se torna um exercício infinito de alienação e não permite ao homem confrontar-se com o mistério que o constitui e que se esconde, muitas vezes, sob a pressão de uma tagarelice sem fim.

domingo, 20 de dezembro de 2015

A minha casa

Pierre Bonnard - A casa de Misia (1906)

Desenhei a casa na esperança de nela poder vir a viver. O tempo passou e a casa, primeiro vazia, foi ocupada por uma estranha mulher. Sentava-se na varanda e fechava os olhos. Sonhava, dizia-se nas redondezas. As tardes declinavam e quando a noite caía sobre a terra, ela entrava na casa e fechava a porta. O que se passava lá dentro, ninguém sabia. Talvez apenas os afazeres domésticos. Quando a luz da manhã voltava, ela abria as janelas. Chegada a tarde, tornava à varanda, sentava-se e de olhos fechados deixava a luz dançar sobre si. Sonhava. Uma tarde, do seu sonho, nasceu uma figura. Primeiro, era apenas uma sombra volátil. Ela, porém, não abriu os olhos. Com o passar do tempo, a sombra ganhou contornos nítidos, definiu as formas, tomou cores, alcançou substância. Por fim a sombra do seu sonho, agora dotada de voz, disse: esta é a minha casa. Fui eu que a desenhei e esperava-me dentro de ti.

sábado, 19 de dezembro de 2015

Da metamorfose

Brull Carreras - Metamorfose

Metamorfose. Mudar de forma. Tornar-se outro. A metanóia, a conversão, não é apenas uma transformação de comportamento ou de carácter. É um exercício de alteridade, de tornar-se outro, de deixar de ser o que se é e passar a ser outro. Não o outro estranho a si, o outro alienado e perdido, mas esse outro que é o caminho para  si mesmo.

sexta-feira, 18 de dezembro de 2015

A promessa

Umberto Boccioni - Manhã (1909)

Quando a luz matinal chega tudo parece possível. A manhã irrompe sempre como uma promessa excessiva. A sabedoria não está em querer que essa promessa se cumpra, mas em saber como adaptar-se à realidade e à desilusão que a passagem das horas sempre traz consigo. A sabedoria está em saber ler o excesso mesmo nas promessas mais sedutoras.