Alejandro Xul Solar - Anjos (1915)
De súbito, acordou e viu a sua vida diante de si. Não era daquelas visões que, diz-se, o moribundo tem antes do desenlace fatal. Era uma visão prosaica do seu trabalho. Arquitecto, passara a vida a construir pontes. Viu, naquele instante, cada rio que venceu, cada margem que ligou, cada ponte que ajudou a erguer para que a vida dos homens fluísse e as águas fossem vencidas. Sentiu um vazio. A sua vida não fora mais do que ligar o semelhante ao semelhante, um lado ao outro. Melancólico, tornou a adormecer e sobre ele veio novo sonho. Não sabia desenhar e nas suas costas cresceram umas enormes asas. A angústia aumentou, aumentou, até que viu, num lado da terra, a multidão dos homens e no céu uma presença viva sem forma, sem figura, sem matéria. E enquanto, atónito, olhava para um lado e para o outro, sentiu a verdade do seu ser. Não, ele não era um pobre construtor de pontes. Ele era a própria ponte que ligava uma e outra margem, o finito e o infinito, o relativo e o absoluto. Era um anjo perdido entre a terra e os céus.