sexta-feira, 6 de fevereiro de 2015

Perante a paisagem

Max Beckmann - Small italian landscape (1938)

O turista colecciona paisagens para elaborar um álbum de sensações de prazer que o consumo do mundo lhe dá. É uma relação de poder fundada no registo de sensações. O viandante apaga-se na paisagem para que o espírito do lugar se manifeste, e assim dois espíritos se unam e a verdade se revele.

quinta-feira, 5 de fevereiro de 2015

A expectativa do reino

José Alfonso Morera Ortiz - Adveniat regnum tuum (1994)

A expectativa da vinda de um reino que não aquele que existe é um dos traços constitutivos da esperança humana. O equívoco é pensar que esse reino é no além. Não, o reino é aqui, aqui mesmo, neste pobre aqui e agora. Melhor, o além não é noutro lugar e noutro tempo senão aqui e agora.

quarta-feira, 4 de fevereiro de 2015

Haikai do Viandante (220)

Joaquín Vancells i Vieta - Fevereiro, paisagem (1891)

árvores despidas
crescem do fundo da terra
o inverno as leva

terça-feira, 3 de fevereiro de 2015

Um convite à sabedoria

Charles Lapicque - L'invitation à la sagesse (1961)

Ao olhar para a vida, é-se atraído ou pela consideração de que a vida dos homens é destituída de qualquer sentido ou pela ideia contrária, de que existem múltiplos sentidos em conformidade com a natureza de cada um. O caminho do viandante, porém, permite-lhe perceber a unidade que se opõe à ausência e que contém em si os múltiplos sentidos . A vida é um convite à sabedoria, à sageza, e esse é o sentido que unifica todos os sentidos possíveis.

segunda-feira, 2 de fevereiro de 2015

O espaço da viagem

Javier Rodríguez Quesada - Altar

Deve-se aos estudos de Mircea Eliade a consciência da separação, nas sociedades tradicionais, entre espaços sagrados e espaços profanos. Os primeiros seriam o lugar de revelação do Totalmente Outro, os segundos, o lugar da vida quotidiana. A consciência moderna atenuou a intensidade dos espaços sagrados quase até os tornar invisíveis. O caminho do viandante, contudo, é o da constatação da sacralidade de qualquer espaço, pois em qualquer lado se encontra o altar onde a absoluta alteridade ganha carne e se manifesta.

domingo, 1 de fevereiro de 2015

Poemas do Viandante (495)

Albert Rafols Casamada - Gran espacio claro (1977)

495. componho um madrigal

componho um madrigal
na noite de inverno

e deixo as águas correr
no leito do rio

como se uma luz descesse
no vagar eterno

com que os teus olhos desvelam
um campo baldio

sábado, 31 de janeiro de 2015

O ardor silencioso

Tal-Coat - Do ardor (1972)

Não é a impassibilidade dos estóicos que o viandante busca, tão pouco é o entusiasmo dos exaltados aquilo a que aspira. Na viagem, procura o ardor silencioso que move o coração e que, preso ao segredo que o habita, ilumina o mundo.

sexta-feira, 30 de janeiro de 2015

Criador de formas

Frantisek Kupka - A forma do azul (1931)

Muitas são as formas que se deparam ao viandante no caminho que faz. Num primeiro tempo, fica fascinado com a multiplicidade que o mundo exterior lhe apresenta. Num segundo tempo, cresce nele a dúvida sobre a origem daquelas formas. Seriam mesmo formas exteriores? Por fim, avançado na idade, o viandante descobre que tudo o que vê é a projecção daquele que vê. O bem e o mal, o branco e o azul, o sólido e o líquido, todas as formas têm a forma do seu olhar, da pureza ou da imundície que lhe habita o espírito. O viandante é um criador de formas, que o afastam ou o aproximam do que não tem tem forma.

quinta-feira, 29 de janeiro de 2015

Na escura noite

Sol LeWitt - A dark square on a light square and vice versa (1982)

All that understanding can grasp, all that desire can desire, that is not God. Where understanding and desire end, there is darkness, and there God shines. (Meister Eckhart, Sermon Eighty)

Suspender o pensamento e o desejo, suspender a razão e a vontade. Como será possível tal coisa? Não dependemos, na nossa vida, do entendimento e da faculdade de desejar? Não será a escuridão - aquilo que resulta da suspensão do pensamento e do desejo - o que mais tememos? Não será essa escuridão a própria morte? Sim, essa escuridão é a morte, não a morte biológica, mas aquela que elimina as ilusões do nosso entendimento e os devaneios do desejo. Só dela podemos ressuscitar, quando, na escura noite, a Luz brilhar.

quarta-feira, 28 de janeiro de 2015

Poemas do Viandante (494)

Caspar David Friedrich - Porto à noite (1818)

494. as vozes que se ouvem

as vozes que se ouvem
na queda do dia

as palavras rasuradas
que então me dizes

são símbolos que se abrem
no fulgor da noite