sábado, 17 de janeiro de 2015

A grande batalha

Yves Klein - La Grande Bataille (1961)

Tudo seria mais pacífico se, desde muito novos, os seres humanos aprendessem a travar a grande batalha. E contra quem travariam eles essa batalha? Contra as suas próprias ilusões, contra as crenças que os levam à convicção de que são deuses e que possuem uma vontade um poder absolutos. Não haverá batalha mais difícil de vencer do que aquela onde desafiamos as nossas ilusões. Elas resistem, enganam-nos, seduzem-nos. Desviam-nos sempre daquela voz que, no deserto, clama por nós.

sexta-feira, 16 de janeiro de 2015

Poemas do Viandante (492)

Ken Howard - Palazzo Michiel, Venice, January (1998)

492. os dias furtivos de janeiro

os dias furtivos de janeiro
avançam na escuridão

sem que um nome os leve
para dentro da noite

sem que um desejo os abra
dentro do coração

quinta-feira, 15 de janeiro de 2015

Aqui e agora

Esteban Vicente - Aqui (1993)

Aqui e agora. A viagem espiritual é uma luta contra o estranhamento, contra aquilo que tomou o nome de alienação. Este estranhamento não é outra coisa senão o negar da presença, do estar plenamente atento ao aqui e ao agora do acontecer.

quarta-feira, 14 de janeiro de 2015

À espera da serenidade

Ángel Mateo Charris - Abstracto II (1999)

A viagem tem o seu tempo de sábia placidez. O viandante senta-se na sua frágil embarcação e sente a calmaria do mar. Não é ainda a tempestade, aquela que se segue à bonança, que espera, mas a serenidade que a contemplação lhe pode trazer. Espera que uma revelação lhe permita continuar o seu caminho.

terça-feira, 13 de janeiro de 2015

O nascimento da melancolia

Giorgio Chirico - Melancholy of a Beautiful Day (1913)

Esses dias belos, cuja beleza nos fascina e prende à aparência, são fonte de uma estranha melancolia. Não pela sua beleza efémera nem pela improdutividade que muitas vezes os acompanha. A melancolia nasce do fascínio com que eles desviam o espírito do seu caminho. Perdido na aparência, o espírito esquece a realidade, aquela que chama por ele e que ele aspira atingir. A melancolia nasce do esquecimento, mas de um esquecimento assombrado pela luz da reminiscência.

segunda-feira, 12 de janeiro de 2015

Haikai do Viandante (218)

Harald Sohlberg - Night (1904)

quando a noite desce
sobre a secura dos montes
tudo estremece

domingo, 11 de janeiro de 2015

Cuidar o jardim

Raoul Dufy - O jardim abandonado (1913)

De um ponto de vista racional, pode-se sempre pensar que a ideia do paraíso, do jardim do Éden, foi construída à imagem e semelhança dos jardins que homem teria já inventado para seu deleite na terra. A imaginação, porém, pode, com o poder arquetípico que a constitui, dizer o contrário. Todos os jardins humanos são uma cópia ou uma reminiscência do paraíso, dessa experiência originária que habita o fundo da espécie humana. Ao dizer isto, a imaginação está ainda a dizer outra coisa. Tendo o homem sido expulso, o jardim foi abandonado. E esta ideia traz uma injunção para cada homem sobre a terra. A vida, no seu significado último, não deveria ser outra coisa do que a viagem de retorno. O jardim precisa de ser cuidado.

sábado, 10 de janeiro de 2015

Dentro do bosque

Ernst Ludwig Kirchner - Na orla do bosque (1920)

A vida dos homens decorre para além do bosque, no espaço civilizado sujeito às regras da sociabilidade humana. A vida espiritual, porém, implica um deixar a orla e adentrar-se no bosque, abandonando a sociedade e a civilização. Isso não significa a adopção de um estilo de vida incivilizado ou uma conduta insociável. Significa apenas que a vida do espírito se desenrola fora dos hábitos e das rotinas, no território onde, a cada momento, surge o inesperado que apela para o não pensado e o não dito.

sexta-feira, 9 de janeiro de 2015

Perder o norte

André Masson - Os pontos cardeais (1924)

Os pontos cardeais indicam-nos os sentidos fundamentais que podemos tomar na exploração do território. São um dispositivo de orientação na materialidade física do mundo. A viagem espiritual, porém, começa quando se abandona a segurança da orientação. No caminho para aquilo que chama o viandante, a rosa dos ventos ou a bússola não são dispositivos de ajuda. São entraves. A viagem começa quando os abandonamos e nos abrimos à solicitação trazida pelo acontecer. Há que perder o norte.

quinta-feira, 8 de janeiro de 2015

Uma nova inocência

Mère Geneviève Gallois - Adam et Eve chassés du paradis (1926)

Na narrativa de Adão e Eva, a expulsão do paraíso é vista como um castigo, um acontecimento negativo, algo que sucedeu devido à queda, à perda ingénua da inocência. Esta é, contudo, apenas uma parte da história. A expulsão do paraíso é o começo da viagem, a dolorosa procura de uma nova inocência, uma inocência que, abandonada a ingenuidade, se sabe e se quer inocente.