domingo, 22 de outubro de 2023

Sine die

 Por motivos profissionais, a actualização deste blogue está adiada sine die.

segunda-feira, 16 de outubro de 2023

Impressões 113. Pela janela

Fritz von Uhde, By the Window, 1890 – 1891
Olhar o lado de lá pela janela é uma libertação do trabalho que a vida quotidiana impõe. A banalidade das tarefas é desafiada pelas impressões que o mundo manifesta para olhos cansados, ávidos de trazer para dentro de casa o bulício da vida e o encanto do desconhecido.

sábado, 14 de outubro de 2023

A sombra da água (21)

Paul Signac, Venice, Grand Canal, 1904

Os canais abrem-se lentamente para que a água deslize, fecunde a terra e proteja a cidade dos grandes calores e do desvario da severidade dos tempos. Os barcos são cavalos de silêncio. Passam como se fossem chamados de um outro mundo, de uma outra terra feita de sombras, sal e silêncio.

quinta-feira, 12 de outubro de 2023

Sonetos de Outono (3)

Dórdio Guimarães, Casas de Malakoff - Paris, 1923

Chegou a hora de dobar o fio

das tardes calmas pela luz cobertas,

das noites ébrias no cruel temor

escrito a negro em coração cansado.

 

Rompem as árvores a linha da sombra,

abrem os ramos outonais ao vento,

as aves poisam, são crianças de água

abandonadas no desvão das ruas.

 

Atravessei maravilhado o bosque,

ouvi o fogo crepitar nos campos,

vi uma cruz de dor na terra rude.

 

Escuto os lobos murmurar ao longe,

dentro da minha carne crua e fria.

As folhas caem, e eu caio com elas.


2023

 

terça-feira, 10 de outubro de 2023

Signo sinal 14. Mêlée

Júlio Pomar, Mêlée, 1968

Os corpos incautos perdem-se no combate, misturando-se braços e pernas, o sangue que escorre das feridas abertas pelo desejo de superação. Antes de suplantar o adversário ou de vencer o inimigo, há que defrontar-se a si mesmo, fazer um pacto e estabelecer um longo armistício. Nessa hora, o adversário desaparece e o inimigo, descobre-se, não passa da figuração do medo que há dentro de si. 

domingo, 8 de outubro de 2023

No limiar (11)

José Manuel Espiga Pinto, Mapa marcado com rasgão para entrada na sala de projecções simultâneas, 1973 (aqui)

O mundo coagulado oferece-se, como uma vítima no holocausto, ao cutelo do mapa. Este suspende a realidade do território, mantém-na num estado onírico, roubando-lhe a consistência, despindo-o dos acidentes e das linhas de fractura ou dos pontos de encontro, onde se reúnem a água de rios e lagos, a terra de lezírias e charnecas, os ares vindos das montanhas ou fugidos das tempestades oceânicas. Um mapa é como uma droga alucinogénica, cria imagens a que nada corresponde, apaga o que existe na quimera cintilante do que não existe. Espera a benevolência do fogo para, reduzido a cinzas, deixar emergir do nada a realidade viva.

sexta-feira, 6 de outubro de 2023

O Espírito da Terra (27)

Louis Eysen, The Earth Pillars by the Schalderer Bach near Vahrn, 1878

Também a Terra assenta em poderosos pilares, não de cimento ou nascidos na rocha dura, mas mais fortes e resistentes que o diamante. O espírito, na sua constância inconstante, é a matéria de dos pilares da Terra. Invisíveis na sua presença, invisíveis no seu ser, eles erguem a Terra e não a deixam afundar no abismo eterno. São o espírito da Terra.

quarta-feira, 4 de outubro de 2023

Sonetos de Outono (2)

Georges Rouault, Automne, 1936

Ó pura ascese destes dias de sombra.

Ó pura glória do devir sem mácula.

Corro outonal pelo desvão do tempo

e canto livre das mágoas da vida.

 

Uma elegia flutua na voz do vento,

toca na pele das mulheres nuas,

toca a suave nostalgia da morte

com a ciosa luz do puro amor.

 

Deixo aos anjos o reger dos dias,

o vão cuidado com a vida breve,

as horas presas em sombrio silêncio.

 

Busco na boca das mulheres sôfregas,

incendiadas no furor do fogo,

a água morta do meu sangue vivo.


2023

segunda-feira, 2 de outubro de 2023

A memória do ar (20)

Felix Vallotton, Landscape in the Jura Mountains near Romanel, 1900

O ar puro das montanhas repousa sobre o solo incerto. É uma promessa para o viandante perdido ou para os pastores cansados de guiar os rebanhos no Inverno. Na sua transparência, vêem-se os desejos que tocam o coração dos homens e os anseios que lhes fervilham no peito.