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sexta-feira, 31 de março de 2023
A sombra da água (11)
Uma sombra secreta habita no interior das águas. Penumbra revoltosa a dançar sob o império do vento. Se a luz a ilumina, a rebelião multiplica-se em imagens sem fim, onde o branco se desdobra em mil matizes de azul e verde. Se a luz se esconde, então só as trevas se acolhem no rugir ondeado das águas.
quarta-feira, 29 de março de 2023
O sal do silêncio (96)
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O silêncio irrompe pelo deserto. É uma sombra que rasga as areias e deixa rastos indeléveis que vento algum apagará. É um silêncio feminino, grande como uma mãe que olha o futuro dos seus filhos e se ajoelha perante um altar para que o sal da vida amadureça nos seus corações indecisos.
segunda-feira, 27 de março de 2023
A Canção da Primavera 2
sábado, 25 de março de 2023
Geometrias de fogo (11)
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Um deus ígneo, filho do Sol, esconde-se na montanha. Cintila como uma revelação que desce sobre os homens e lhes comunica o caminho da verdade. Resplandece ao tocar as águas e tornar-se num fogo aquático, numa labareda a dançar no lago, numa promessa inquieta no coração da terra.
quinta-feira, 23 de março de 2023
A memória do ar (10)
Robert Doisneu, La gargouille de Notre Dame, 1969 |
Rainhas dos ares, quase anjos, quase animais, pura matéria inerte, as gárgulas olham o horizonte, vigiam as nuvens, perscrutam os aviões, oferecem o seu corpo de pedra ao cansaço das aves. Diante delas, o ar rodopia num turbilhão, para depois, bonançoso e invisível, pousar sobre a terra como uma canção que lentamente se silencia.
terça-feira, 21 de março de 2023
Impressões 110. Cores
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Cores irrompem do fundo negro onde tudo repousa. Rasgam a tela da escuridão e abrem as portas da luz. Então, erguem-se diante dos olhos, trazendo mensagens de um mundo onde ainda não existiam. São anjos as cores, anunciam aquilo que se esconde por dentro de tudo o que é visível.
domingo, 19 de março de 2023
A Canção da Primavera 1
sexta-feira, 17 de março de 2023
Geometrias de fogo (10)
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Um espasmo longínquo incendiou o Sol, para que este fulgurasse no horizonte, e na Terra a luz e o calor vibrassem nas planícies cinzeladas pelo vento, nas montanhas resguardadas da erosão, nas mãos dos homens que esculpem sentidos para a vida e levam o fulgor de uma vela aos lugares onde cresce a escuridão.
quarta-feira, 15 de março de 2023
A sombra da água (10)
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Antiquíssimos rios rasgaram a terra. Na infância silvestre de todos os começos, as águas selvagens derrubaram obstáculos, aplanaram leitos, esculpiram com cinzel de diamante as margens. Então o arvoredo cresceu e as sombras, se eram dias de sol, mergulharam na tepidez da corrente. Agora, passada a idade madura, tornaram-se planícies cintilantes, onde os olhos mergulham para, na contemplação do fluir do tempo, encontrarem o repouso de cada dia.
segunda-feira, 13 de março de 2023
A Luz de Inverno 12
sábado, 11 de março de 2023
Crónicas (222) O poeta
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Olhou-se
ao espelho e não soube identificar o que via. Aquela imagem seria o seu reflexo
ou a de um simulacro. Abriu a torneira do lavatório e ouviu a água correr, sem
desviar os olhos daquilo que pairava diante de si. Nem todas as manhãs o
confronto com o espelho era tão cruel, abrindo-lhe uma fenda na alma, um rasgão
na memória. Quando acontecia, porém, era tomado pelo medo e uma dor germinava por
dentro do corpo, aumentava enquanto a água desaparecia. Chegado ao paroxismo da
dúvida, ao momento em que a dor se tornava insuportável, apagava a luz, voltava
costas e corria para a secretária. Caneta na mão, escrevia o primeiro verso.
Olhava-o com alívio, depois outro e outro, até que a dor desaparecia e a dúvida
tombava vencida por terra.
quinta-feira, 9 de março de 2023
A memória do ar (9)
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As ruas são artérias por onde o ar, a matéria sanguínea das cidades, corre, para refrescar quem se abrasa submetido aos imperativos da necessidade ou, feito vento, purificar o hálito insalubre que se eleva de grandes ou pequenos edifícios. De cima dos arranha-céus, anjos invisíveis sorvem sem pressa os vendavais que se erguem no horizonte, para que os homens não sejam arrastados pelo ciclone que toda a vida esconde.
terça-feira, 7 de março de 2023
Impressões 109. Universos circulares
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Universos circulares escondem-se como velhas praças secretas que só os amantes, perdidos na sua inocência, conhecem. Ali flui uma energia silenciosa, a lenta combustão das memórias, o ardor dos corpos tomados pelo prazer dos sentidos. Quando uma tempestade sobrevem, um manto de de aço e acrílico desce para proteger quem ali sonha. Se a Primavera transborda num dia de luz, uma esperança verdeja no horizonte e o longínquo bramir do mar ecoa no cristal das paredes.
domingo, 5 de março de 2023
A Luz de Inverno 11
sexta-feira, 3 de março de 2023
quarta-feira, 1 de março de 2023
O Espírito da Terra (25)
Charles Job, Ploughing on the South Downs, 1907 |
Rasgar a terra para que dê fruto e o homem se alimente não do pão que dela nasce, mas do espírito que se liberta pelo infindável labor de cada dia. Então, o homem falará e, nas suas palavras, ecoará o espírito da terra, o rumor da casa onde nasceu e que o aguarda para o fazer escutar a última, a mais decisiva das palavras.
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