Van Dick, Eros e Psyche
Tradicionalmente, a paixão erótica é observada como inimiga da experiência espiritual, como um obstáculo ao caminho que cabe aos viandantes. No entanto, é possível que o problema não esteja em Eros, no amor erótico, mas no pathos, no estado de captura e de cativeiro em que os amantes permanecem presos pela paixão, pelo estado de passividade a que ficam sujeitos. Essa passividade é o contrário da livre actividade do espírito, aquele que sopra onde quer. A passividade da paixão impede que os amantes percebam a própria experiência erótica para além da corporalidade e da materialidade dada pela sensibilidade. A generalidade dos que se amam aproximam-se, num primeiro momento, por uma afecção física. Um corpo é tocado por outro corpo, em congruência com os desígnios biológicos da espécie. Raramente, este patamar é ultrapassado. Daí, por exemplo, a moralização da sexualidade feita pelas religiões, concomitante à sua sacralização. No entanto, não é um destino que o amor erótico fique encerrado na dimensão da passividade passional, passe a redundância. Ele pode ser uma via de acesso à experiência espiritual, à quebra da pura imanência dos sujeitos, à experiência da transcendência.
E a experiência contrária? Será possível que aqueles que se atraíram, numa primeira hora, pelo espírito e façam a experiência de uma comunhão espiritual e da transcendência materializem esse seu amor no amor erótico, na experiência dos corpos? Caberia interrogar se esses corpos são corpos idênticos aos daqueles que apenas vivem da atracção física. A perspectiva de quem olha não alterá a natureza daquilo que é olhado? A erotização do espírito poderá ser vista como uma queda, mas também pode ser compreendida como a descida do espírito sobre a carne e um processo de espiritualização desta. Desse ponto de vista, o amor erótico será assumido, à partida, como fazendo parte de uma experiência global dos estados múltiplos do ser, onde o perigo de os amantes ficarem encerrados na paixão e na passividade será muito menor do que no primeiro caso. Tudo, no amor, faria então parte do caminho do espírito. Mais, a própria cisão entre corpo e espírito perderia sentido, não havendo mais que um ser que passa por múltiplos estados existenciais.
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