Bernardo Marques, sem título (aqui) |
sexta-feira, 11 de agosto de 2023
quarta-feira, 9 de agosto de 2023
Sulcos de Verão 7
segunda-feira, 7 de agosto de 2023
O sal do silêncio (102)
Júlio Resende, sem título, 1948 (aqui) |
O silêncio da espera é o sal que tempera a expectativa. Sem ele a terra é desprovida de húmus, as coisas perdem os contornos, a vida não encontra o sentido. Aguarde-se em calma silenciosa e a chama do espírito virá trazida pelo vento.
sábado, 5 de agosto de 2023
A memória do ar (17)
Alexandre Estrela, O som no ar, 2010 (aqui) |
O ar é o meio memorial onde o som encontra o modo de se propagar, fazer um caminho até que descubra uns ouvidos que transformem as ondas sonoras em signos significantes, em música ou ruído, em promessas de um antigo paraíso ou na ameaça de um inferno de estrépitos e de estrondos, prontos a derramar sobra a terra o tumulto do mal.
quinta-feira, 3 de agosto de 2023
No limiar (8)
Horst P. Horst, Dali Costumes, 1939 |
Por vezes, existe na matéria uma dolorosa inclinação para que se tornar humana. Não importa se é viva ou se, pelo contrário, é o mais inanimado dos materiais. Uma finalidade, transparente com a água pura dos regatos de infância, começa a fervilhar e umas mãos começam a moldá-la, segundo uma figuração inscrita na memória da terra. Como numa alucinação, os contornos surgem na mente e as mãos, incapazes de adormecer, tecem na pedra, no plástico, no gesso, na madeira, seja no que for, esses seres que ainda não são humanos, mas já trazem em si, no limiar que os limita, a humanidade que manifestarão aos olhos de quem passa.
terça-feira, 1 de agosto de 2023
Sulcos de Verão 6
Jakob Nussbaum, On the Beach at Port Said, 1925 |
Conto em
silêncio os meses
para desenhar
do Verão
os sulcos
suados da sombra.
Na infância,
o calor era
domado pelo
véu do vento,
o verde a
dançar nas árvores.
Se ouvia o grasnar
das gaivotas,
os olhos perdiam-se
na água
suspensa na
luz do areal.
Agosto de 2023
domingo, 30 de julho de 2023
A sombra da água (17)
Thomas Joshua Cooper, Cabo de São Vicente (meia-noite), 1994 |
Produzidas na fábrica do silêncio, as águas da meia-noite vestem-se como viúvas a quem o mar roubou os maridos. Então, murmuram canções desconhecidas que o vento, tocado pela maresia, transporta para terra, como se anunciasse a vinda de um mundo novo nascido do cristal salgado dos oceanos.
sexta-feira, 28 de julho de 2023
Signo sinal 11. Turbilhão
Adelaide Cad’Oro, sem título, 1983 (aqui) |
Como num deserto, as areias enovelam-se e batidas pelo vento erguem-se em turbilhão, adquirindo estranhas configurações para sinalizar aquilo que ainda não se vê, mas que o tempo traz consigo já pronto para se manifestar aos olhos de quem saber olhar.
quarta-feira, 26 de julho de 2023
Geometrias de fogo (17)
Vincent van Gogh, Olive Trees with Yellow Sky and Sun, 1889 |
Os raios solares entram pela terra e adormecem longos meses para, chegada a hora, renascerem como mil frutos das oliveiras que, ao transformarem-se no mais puro dos azeites, alimentarão as pequenas chamas que guiarão os homens na sua peregrinação por campos e cidades ou lhe darão a luz que, na sombra da casa, os abrirá ao mais secreto dos segredos.
segunda-feira, 24 de julho de 2023
Meditação Breve (190) Assuntos domésticos
Max Ernst, El ángel doméstico, 1937 |
Ter-se-ão zangado os anjos domésticos, agora que desapareceram as fadas do lar, de quem cuidavam e a quem inspiravam os infinitos cuidados que elas, submersas na solidez férrea da sua função, prodigalizavam à casa e aos seus habitantes. Desempregados, esses anjos benevolentes deixaram-se tomar pela cólera e aspiram que a velha ordem seja trazida de volta e com ela as doces fadas com que pessoas desavisadas sonham noite dentro.
sábado, 22 de julho de 2023
Sulcos de Verão 5
quinta-feira, 20 de julho de 2023
A memória do ar (16)
Dr. S.B. Ward, Winter, 1889 |
O ar transporta em si a memória de todas as estações. Carrega-a como se sonhasse. Quando é tocado pelas recordações de Inverno, arrefece e corre o mundo, trazendo as águas pluviais que limpam as cidades ou algum nevão que cobre montanhas e planícies com o imaculado véu da brancura.
terça-feira, 18 de julho de 2023
Signo sinal 10. Uma sombra
domingo, 16 de julho de 2023
A sombra da água (16)
Manuel Cargaleiro, Flores na água, 1960 |
Falemos de processos, desses mistérios em que uma coisa se transforma numa outra. Ouve-se o borbulhar da água e logo, sobre ela, se vê um manto de sombras que protegem o rodopiar em que, lentamente, as gotas se juntam e se tornam nas mais fulgurantes flores. São rosas, tulipas, orquídeas, malmequeres silvestres que se abrem na humidade que as trouxe à vida.
sexta-feira, 14 de julho de 2023
Sulcos de Verão 4
Kazimir Malevich, River in the forest |
O Verão
desfraldou bandeiras
sobre a
paisagem ressequida,
sobre as
águas pardas do rio.
Os corpos
são sombras ligeiras,
tomados pela
calmaria
das tardes que
nunca têm fim.
Ouve-se o
ramalhar das árvores.
Ouve-se um cântico
nas margens.
Ouve-se o júbilo
de Julho.
Julho de
2023
quarta-feira, 12 de julho de 2023
segunda-feira, 10 de julho de 2023
O Espírito da Terra (26)
sábado, 8 de julho de 2023
No limiar (7)
Ana Hatherly, O Homem Invisível, 2001 |
Uma fossa abissal separa o reino do visível do império do invisível. Neste, os seres não são apenas possibilidades, mas realidades destituídas de corpo. Puras inteligências, eles têm também memória e imaginação, mas não das coisas e dos mundo corpóreos. Recordam as aventuras do espírito e imaginam realidades vivas que, aos nossos olhos, parecerão puras abstracções. Quando se cansam dessa existência sem contaminação, saltam sobre o abismo e chegam ao reino da visibilidade. Na viagem, ganham corpo, escondem no mais íntimo de si o império em que viveram e abrem-se ao reino do contágio e da infecção.
sexta-feira, 7 de julho de 2023
Sulcos de Verão 3
terça-feira, 4 de julho de 2023
Geometrias de fogo (16)
domingo, 2 de julho de 2023
O sal do silêncio (101)
sexta-feira, 30 de junho de 2023
Sulcos de Verão 2
quarta-feira, 21 de junho de 2023
Sulcos de Verão 1
segunda-feira, 19 de junho de 2023
A memória do ar (15)
Imogen Cunningham, Dream Walking, 1968 |
Esqueça-se a solidez dos corpos, com a sua submissão aos imperativos da gravidade. Esqueça-se o desenho da sua figura, com o sublinhar espesso dos contornos. Deixemos que os sonhos se sonhem em corpos feitos de ar, para que a leveza do desejo se possa expandir do centro da terra para o universo sem fim.
sábado, 17 de junho de 2023
Impressões 111. Na lagoa
Heinrich Kühn, Abend In Der Lagune, 1895 |
Ainda não é uma noite de bruma, nem a glória das águas se eleva para os céus onde, vigilantes e eternos, os astros observam as lentas metamorfoses da vida na terra. Dois veleiros cruzam a lagoa, procuram porto de abrigo, na esperança de encontrar um lugar onde o lume cintile e envolva os corações com o manto do calor. É como se um sonho se inscrevesse na paisagem para a preencher de impressões esquivas, toldadas pelo marulhar das águas, e segredos habitados por uma longa demora.
quinta-feira, 15 de junho de 2023
A sombra da água (15)
terça-feira, 13 de junho de 2023
A Canção da Primavera 12
Mimi Fogt, Spring Time – Serra de Sintra, 1979 (aqui) |
Voltemos ao centro do mundo,
ao jardim de flores eternas.
Voltemos aos dias luminosos,
às noites dos astros divinos.
Voltemos às frescas manhãs
onde canta a Primavera.
Junho de 2023
domingo, 11 de junho de 2023
No limiar (6)
António Areal, Sem título, 1961 |
Os primeiros traços de um mundo emergem do fogo originário. Estão ainda
longe de serem um alfabeto que traga dentro de si a promessa de uma gramática,
com as suas morfologias de aço, as sintaxes de cristal, fonéticas banhadas
pelas águas de todos os oceanos. Ainda não são letras, nem algarismos, nem
sinais secretos onde um código se erguerá para que olhos cintilantes o
decifrem. São apenas as cinzas de um fogo que, de tão arcaico, nunca pára de
arder, cinzas que lentamente se tornarão sólidas, tão sólidas que sobre
elas, como se fossem alicerces inexpugnáveis, um mundo haverá de nascer.
sexta-feira, 9 de junho de 2023
O sal do silêncio (100)
J. Dudley Johnston, Liverpool— an Impression, 1907 |
Quando se entra por dentro do passado, somos recebidos pelo grande cisne do silêncio. O que era sólido deixa-se ver como penumbra, o que era vivo toca-nos como uma canção, o que era belo cintila ainda no poço escuro da memória. Quando se entra por dentro do passado, a poeira sabe-nos ao sal da solidão.
quarta-feira, 7 de junho de 2023
Geometrias de fogo (15)
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