Imagem gerada por IA, CANVA |
sexta-feira, 3 de março de 2023
quarta-feira, 1 de março de 2023
O Espírito da Terra (25)
Charles Job, Ploughing on the South Downs, 1907 |
Rasgar a terra para que dê fruto e o homem se alimente não do pão que dela nasce, mas do espírito que se liberta pelo infindável labor de cada dia. Então, o homem falará e, nas suas palavras, ecoará o espírito da terra, o rumor da casa onde nasceu e que o aguarda para o fazer escutar a última, a mais decisiva das palavras.
segunda-feira, 27 de fevereiro de 2023
Geometrias de fogo (9)
Fogo na noite (imagem gerada por IA da CANVA) |
Então, o fogo crepita como uma canção presa na armadilha da noite. Ergue-se e rumoreja, se o vento o impele. Silencia-se, quando a Lua, sobranceira, o olha de cima e lhe conta as labaredas ou lhe desenha no céu a geometria incerta com que se move, feito ladrão, por dentro das trevas e das planícies vazias da solidão.
sábado, 25 de fevereiro de 2023
A Luz de Inverno 10
quinta-feira, 23 de fevereiro de 2023
O sal do silêncio (95)
Pere Ysern Alié, Cuevas del Drac. Mallorca, 1920-25 |
No fundo da terra, onde a beleza se oculta de olhares ímpios, celebram-se os mistérios mais sagrados, para os quais não há linguagem que os diga ou pensamento que lhes descubra o sentido. Tudo ali é silêncio e sombra, para que o sal do segredo floresça à luz do sol e se torne palavra na boca pura da poesia.
terça-feira, 21 de fevereiro de 2023
A memória do ar (8)
Ernst Haas, View from Notre Dame, Paris, 1955 |
Vista de cima, a cidade é o rasto de uma memória que se rarefaz à medida que se sobe e o vento sopra para limpar os miasmas que da terra se elevam. O que é sólido mostra-se fluido, e um olhar treinado descobre já as frestas por onde o ar circula com a força do diamante e a transparência do éter.
domingo, 19 de fevereiro de 2023
A Luz de Inverno 9
Do Inverno, os
dias frios
de Fevereiro
recolhem-se
na gruta negra da
noite.
Estrelas caminham
pálidas,
aves perdidas no
céu,
fios de luz na
voz dos mortos.
As ruas esperam o
fogo
como as rosas, a
água
e o meu corpo, a
madrugada.
Fevereiro de 2023
sexta-feira, 17 de fevereiro de 2023
Geometrias de fogo (8)
Georgia O'keeffe, Era rojo y rosa, 1959 |
O fogo é uma canção que crepita no horizonte, uma parra que se desprende da vide, se chega o Outono, uma mulher tomada pela loucura do amor. Então, as chamas dançam, enquanto as cores incendiadas se desdobram, como labaredas de mármore e âmbar, entre o rosa leve da saudade e o vermelho vivo da paixão.
quarta-feira, 15 de fevereiro de 2023
A sombra da água (9)
Artur Pastor, Atlantic ocean, not dated |
A água enrola-se no seu mistério e desdobra-se, como uma sombra no crepúsculo, pela areia, transformando a violência que a arrasta num suave deslizar de espuma pelos interstícios da terra. Ouve-se, então, o seu rugido declinar num suave rumor, o murmúrio de quem se entrega exausto à força do que acontece.
segunda-feira, 13 de fevereiro de 2023
A Luz de Inverno 8
sábado, 11 de fevereiro de 2023
Pintura e haikus (29)
quinta-feira, 9 de fevereiro de 2023
A sombra da água (8)
Rodney Smith, Danielle in Boat, Beaufort, SC, 1996 |
O que eu queria, diz a sombra, é que os mortos se erguessem das águas e tornassem ao conforto do lar, para virem, nos dias incertos da melancolia, passear no lago, olhando as árvores e sonhando com grandes florestas, onde, como praias do Meio-Dia, se abrem clareiras, para que possam repousar por instantes, e banhar-se na luz viva do mundo ou nos aromas das flores silvestres.
terça-feira, 7 de fevereiro de 2023
A memória do ar (7)
Alexander Alland, Brooklyn Bridge, 1938 |
Pontes são passagens entre a manhã e a noite, compromissos entre dois crepúsculos, lugares de festa onde a terra cede os seus filhos ao ar. Nelas, os homens são pássaros sem asas, caminham como se voassem e sentem no vendaval do vento a casa de assombro onde dormirão descansados.
domingo, 5 de fevereiro de 2023
A Luz de Inverno 7
sexta-feira, 3 de fevereiro de 2023
Geometrias de fogo (7)
Jeanne Carbonetti, Abedul en otoño, 1997 |
O fogo é agora sangue inflamado na seiva das bétulas, um rasto de açafrão nas folhas caídas, o brilho do cobre se batido pelo sol, o vinho vertido na brancura da toalha. Traz com ele a tentação da iridescência, mas só a cor dos incêndios desenha o seu arco num céu toldado pelo desejo das chamas e a paixão das labaredas.
quarta-feira, 1 de fevereiro de 2023
A sombra da água (7)
Hiroshi Sugitomo, Cascade River, Lake Superior, 1995 |
Não são as águas que governam o movimento que as levará da nascente à foz, mas a sua sombra que, como um motor descido dos céus, lhes impõe a dança do ritmo e o fulgor da viagem, tornando-as lentas ou rápidas, conforme o desejo que germina no sombrio coração nascido do encontro entre a luz e as trevas.
segunda-feira, 30 de janeiro de 2023
O Espírito da Terra (24)
Albert Renger-Patzsch, Heidesheim (Sandaue), 1940s |
Sob a erva a terra esconde-se, para que nela a vida, como um segredo, possa germinar. Tudo o que nasce vem do silêncio da terra, de uma lenta urdidura, para que a novidade chegue envolta no véu transparente da surpresa. Os dias passam como anéis deslumbrantes de mármore, que se recolhem em dedos afilados, enquanto, no solo, cresce o odor daquilo que, ainda sem nome, virá.
sábado, 28 de janeiro de 2023
A Luz de Inverno 6
quinta-feira, 26 de janeiro de 2023
Meditação Breve (188) O tempo
Elliott Erwitt, Paris, 1989 |
Pode-se imaginar que a causa final que levou à invenção da fotografia tenha sido a de congelar para a eternidade um momento, do qual se expulsa o movimento e com ele o tempo. Depois, há fotografias em que o movimento se liberta e o tempo retoma o seu velho poder. O vento não deixará de fustigar os guarda-chuvas, o homem não parará o seu movimento em direcção aos lábios da mulher, o bailarino continuará a dar os passos que o mantêm entre o céu e a terra, como se a eternidade não fosse mais do que um tempo sem fim.
domingo, 22 de janeiro de 2023
Geometrias de fogo (6)
Marc Chagall, War, 1964-66 |
São os piores dias aqueles em que fogo cai do céu ao som das botas cardadas. As labaredas pesam como rochas gigantescas e esmagam a terra e o que nela se move. Ao longe, vê-se a cintilação e um enorme fulgor, mas o espectador sabe que não são línguas de fogo a descer sobre o cenáculo, mas o lumaréu vindo do inferno que os homens trazem dentro de si.
sexta-feira, 20 de janeiro de 2023
A Luz de Inverno 5
quarta-feira, 18 de janeiro de 2023
Micronarrativa (64) Viagem
Ernst Haas, Utah, 1952 |
A imagem extática de uma natureza que espera, uma paisagem delicada onde os mais terríveis segredos se escondem, para que o silêncio os guarde e não os deixe cair, como um trovão retumbante, sobre quem passa. Esse fundo sem fundo aguarda-te e tu, perdido na névoa da ignorância, precipitas-te para ele, arrastando tudo atrás de ti, como se esse mundo silvestre fosse o lar onde a esperança te aguarda.
segunda-feira, 16 de janeiro de 2023
A sombra da água (6)
Edward Steichen, Late Afternoon - Venice, 1907 |
A noite desce sobre o rumor das águas, é uma sombra vinda de um mundo sem nome. A luz ainda resiste como se tivesse nela a força para suster a escuridão. A vida, porém, passa indiferente como se a vertigem que a habita a impedisse de olhar aquilo que nela se desenrola.
sábado, 14 de janeiro de 2023
O sal do silêncio (94)
Rudolph Eickemeyr Jr., In the Valley of the Beaverkill, 1890 |
Era o lugar onde homens chegados à transparência poderiam encontrar abrigo. Ali não haveria quem lançasse atrás deles os cães da perseguição e os lobos do desdém. Uma atmosfera pura cobria a terra e o vento ou o cântico dos pássaros de Verão eram ainda uma memória do silêncio, onde, perdidos no cristal da existência, encontravam o peso do seu corpo.
quinta-feira, 12 de janeiro de 2023
A Luz de Inverno 4
terça-feira, 10 de janeiro de 2023
A memória do ar (6)
André Kertész, Washington square at night, New York city, 1954 |
A noite rarefaz-se numa atmosfera de melancolia. Um vento suave corre entre ramos despidos, açoita com bonomia quem se atreve a enfrentar a solidão, escava em silêncio um buraco no lençol nocturno, para que o dia, com a sua luz de âmbar, venha numa aurora deslumbrante, como uma noiva que chega ao altar.
domingo, 8 de janeiro de 2023
sexta-feira, 6 de janeiro de 2023
Geometrias de fogo (5)
Paul Klee, Fire Wind, 1923 |
Se o esquecimento se debruça e cobre as planícies do coração, se os rios se escondem da cintilação da luz, se os cabelos das mulheres perdem a fulguração dos crepúsculos do Verão, então um vento de fogo cobre a Terra, inventando novas figuras onde a luz reverbera, para aquecer os corações gélidos, atear as águas que em tumulto procuram a foz, incendiar na ondulação do amor os cabelos das mulheres.
quarta-feira, 4 de janeiro de 2023
A Luz de Inverno 3
domingo, 1 de janeiro de 2023
A sombra da água (5)
Otto Scharf, sem título, 1895 |
São águas tão tristes as que correm devagar, como se abrissem o caminho contra obstáculos desmedidos e carregassem com elas o peso de cada sombra. Enquanto rumam levadas pelo fluxo do tempo recebem em depósito a gravidade das imagens que o mundo sob o céu fabrica para que cheguem, como um enigma vindo do passado, à solidão do oceano.
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