André Kertész, Washington square at night, New York city, 1954 |
terça-feira, 10 de janeiro de 2023
A memória do ar (6)
A noite rarefaz-se numa atmosfera de melancolia. Um vento suave corre entre ramos despidos, açoita com bonomia quem se atreve a enfrentar a solidão, escava em silêncio um buraco no lençol nocturno, para que o dia, com a sua luz de âmbar, venha numa aurora deslumbrante, como uma noiva que chega ao altar.
domingo, 8 de janeiro de 2023
sexta-feira, 6 de janeiro de 2023
Geometrias de fogo (5)
Paul Klee, Fire Wind, 1923 |
Se o esquecimento se debruça e cobre as planícies do coração, se os rios se escondem da cintilação da luz, se os cabelos das mulheres perdem a fulguração dos crepúsculos do Verão, então um vento de fogo cobre a Terra, inventando novas figuras onde a luz reverbera, para aquecer os corações gélidos, atear as águas que em tumulto procuram a foz, incendiar na ondulação do amor os cabelos das mulheres.
quarta-feira, 4 de janeiro de 2023
A Luz de Inverno 3
domingo, 1 de janeiro de 2023
A sombra da água (5)
Otto Scharf, sem título, 1895 |
São águas tão tristes as que correm devagar, como se abrissem o caminho contra obstáculos desmedidos e carregassem com elas o peso de cada sombra. Enquanto rumam levadas pelo fluxo do tempo recebem em depósito a gravidade das imagens que o mundo sob o céu fabrica para que cheguem, como um enigma vindo do passado, à solidão do oceano.
sexta-feira, 30 de dezembro de 2022
Impressões 108. Uma revelação
Andre de Dienes (Dienes Andor), Paris, 1936 |
O súbito matrimónio entre o fulgor da luz e a sombra da névoa abre aos olhos o segredo que, dia após dia, o tempo oculta. Tudo o que se vê não é mais do que uma impressão que os olhos desabituados do espanto das primeiras coisas tomam como realidade substancial, de contornos precisos e existência sólida. Passeamos no mundo caminhando de impressão em impressão, ignorantes de que nós próprios não somos mais que meras impressões inscritas nas areias movediças de uma praia de águas alteradas.
quarta-feira, 28 de dezembro de 2022
A memória do ar (5)
Ernst Haas, Salzburg, Austria, 1945 |
A névoa é o ar condensado sobre os tectos da cidade. Assim, recolhe numa memória as pedras que se erguem aos céus e as pessoas que passam indiferentes, como se o ar não existisse e nele não pulsasse a possibilidade da vida, mesmo quando se desloca num torvelinho de violência, preso a uma vontade incompreensível. Então, é um pedra que bate e abre um caminho que ninguém tinha esboçado na fogueira da imaginação.
segunda-feira, 26 de dezembro de 2022
A Luz de Inverno 2
sábado, 24 de dezembro de 2022
Geometrias de fogo (4)
Thomas Cole, Expulsión. Luna y luz de fuego, 1828 |
Poderia ser uma canção lunar ou o rasto de um cometa perdido. Poderia ser o fogo que arde em todo o amor ou a explosão que trouxe do quase nada este universo. Poderia ser a sombra incandescente do silêncio ou o halo de um corpo transido de frio. Era, porém, outra coisa, transbordante e sem nome, pois tudo o que o fogo unge está para além de toda medida e de qualquer nomeação.
quinta-feira, 22 de dezembro de 2022
Câmara discreta (19)
Eugene Robert Richee, Marlene Dietrich, 1931 |
Os sonhos tinham-se esgotado, restava uma memória antiga, o cilício do passado e a cintilação abscôndita do olhar, onde o ódio e a raiva dançavam no vertiginoso ritmo da sagração da Primavera. O tumulto do coração e a revolta do corpo eram como um poema longamente decantado de boca para boca. Quando o vento suspendeu a sua viagem sem fim, uma sombra ofereceu-se à benevolência da câmara, para que o arquipélago da dor encontrasse um porto para ancorar.
terça-feira, 20 de dezembro de 2022
A memória do ar (4)
sábado, 17 de dezembro de 2022
A Luz de Inverno 1
quinta-feira, 15 de dezembro de 2022
O sal do silêncio (93)
R. Köhnen, Alte Mühle, 1908 |
O silêncio que devora os anos traz nele um vocabulário escrito com o alfabeto da memória. São palavras sem vocação para serem proferidas, sem poder de serem inscritas na folha rasa do papel, palavras que ressoam no bater do coração, na circulação do sangue, no sal que tolhe o movimento da língua e abre o espírito para a ciência da eternidade.
terça-feira, 13 de dezembro de 2022
Geometrias de fogo (3)
Maria Helena Vieira da Silva, A biblioteca em fogo, 1974 |
Cada livro é um incêndio e uma biblioteca não é mais do que uma estrela à volta da qual orbitam, na cegueira das suas próprias trevas, esses estranhos planetas que são os leitores. Cansados de escuridão, buscam a luz. Exaustos de frio, procuram o calor. Recebem um pouco de cada um. Se tiverem sorte ser-lhes-á oferecido o dom da inquietação.
sábado, 10 de dezembro de 2022
A sombra da água (4)
René Burri, Former Summer Palace. Dead lotus flowers on the Kunming Lake. Beijing, China, 1964 |
As águas do esquecimento dormem sob a vigilância dos céus. Cobrem-nas a folhagem da névoa, a sombra suave do dia que passa. Ali pulsa a morte destilada pelas flores de lótus que se precipitam na geometria a que o tempo as reduziu. Um segredo cresce, refracta-se nas pétalas desaparecidas, abre-se para o silêncio que a tudo resguarda do tumulto da vida.
quinta-feira, 8 de dezembro de 2022
O Ritmo do Outono 12
domingo, 4 de dezembro de 2022
A memória do ar (3)
Artur Pastor, Exposição virtual Geometrias do Algarve, décadas de 60-70 (ver aqui) |
A brancura dos sonhos fende paisagens de azul, para que o ar, com a sua memória inquieta, deixe crescer, sobre a terra, o espanto que os olhos dos homens hão-de descobrir, sempre que se sentirem perdidos entre a imensidão do oceano e o infinito dos céus.
sexta-feira, 2 de dezembro de 2022
terça-feira, 29 de novembro de 2022
A sombra da água (3)
Robert Demachy, Bords de Seine, 1906 |
Um rio desliza entre as margens. Vai preso à velha ciência da passagem. Leva com ele o segredo das aves que partiram, das árvores a que os dias roubaram as folhas, dos desígnios que incendiaram corações, para logo serem esquecidos. Transporta no dorso azul a tessitura dos olhares que nele se perderam à procura de um sentido mais alto que ali se escondera.
domingo, 27 de novembro de 2022
O Ritmo do Outono 11
domingo, 20 de novembro de 2022
Geometrias de fogo (2)
Paul Klee, Fire Wind, 1922 |
O fogo é uma cornucópia de ilusões trazida na ondulação dos ventos. Ergue-se sobre a terra para brilhar na escuridão da noite, rasteja se o dia cresce no horizonte, adormece nos braços do oceano quando o cansaço lhe torce a geometria e o arrasta como um ébrio perdido no caminho.
sexta-feira, 18 de novembro de 2022
A memória do ar (2)
James Thrall Soby, Alexander Calder with Steel Fish, in his garden,Roxbury, 1934 |
Por vezes, o vento suspende-se para que homens e objectos possam repousar sobre a terra, mas logo o ar, tomado na sua inquietude, requer que tudo se mova. Então, os ventos correm e o mundo inclina-se à passagem do mais dissimulado de todos os elementos.
quarta-feira, 16 de novembro de 2022
Meditação Breve (187) A Roda
James Valentine, The Wheel, ca 1900 |
Todas as coisas têm o poder de se tornarem símbolos e desse modo indicarem outras coisas. O que haverá de mais prosaico do que uma roda de diversão? No entanto, ela facilmente se deixa ler como uma roda da fortuna. Os que nela vão fazem a experiência da mutação contínua da sua própria posição no mundo. Nada na terra é eterno. O que sobe descerá, o que desce elevar-se-á.
segunda-feira, 14 de novembro de 2022
O Ritmo do Outono 10
sábado, 12 de novembro de 2022
A sombra da água (2)
Desconhecido, Sailboat on Lake, 1912 |
Planícies de água onde desliza a vida e as sombras ganham forma, modelando a luz. Ali, todo o ritmo se torna mais lento, como se o mundo, na sua ambígua fluidez, substituísse a urgência pela vagarosa passagem das horas, pela demora com que os seres chegam ao coração da sua própria natureza.
quinta-feira, 10 de novembro de 2022
Geometrias de fogo (1)
Vincent Van Gogh, Wheat Field with Sun and Cloud, 1889 |
O fogo é um discurso que brilha nos recantos da noite escura ou no silêncio que se abre no espaço entre nuvens. Desce sobre nós numa geometria feita de inquietação, toca-nos na cabeça para reverberar nos dedos ou no coração. Então, o fogo fala e todo ele é silêncio, a força que habita no mais íntimo que há no vazio e que daí traz ao ser tudo aquilo que é.
terça-feira, 8 de novembro de 2022
A memória do ar (1)
Kurt Hielscher, Windmills in Dobrogea or Basarabia, Romania-Bulgaria, c. 1930s |
Uma paisagem semeada de moinhos é um exercício memorial. Abre o coração para a força do vento e o segredo que se esconde na transparência do ar. Olhamo-la como uma anamnese dessa esperança escondida no fundo do homem, a de um dia fazer dos ares o seu elemento natural.
domingo, 6 de novembro de 2022
O Ritmo do Outono 9
sexta-feira, 4 de novembro de 2022
Meditação Breve (186) Milagre
Artur Pastor, Série “Outras Geometrias”. Monsaraz, décadas de 40-60 (ver aqui) |
Da alvura das paredes, da cintilação da cal, do peso dos anos, de tudo isso, como de um fruto longamente amadurecido, brota um murmúrio, logo transformado em canção, para se erguer ao céu como um hino de louvor àqueles lugares onde o tempo se dobra para, fruto de um milagre nascido da vontade de um Deus abscôndito, correr mais lento e apaziguado.
quarta-feira, 2 de novembro de 2022
A sombra da água (1)
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