Gjon Mili, Nudes, 1940 |
quarta-feira, 6 de abril de 2022
Meditação Breve (177) Corpos
segunda-feira, 4 de abril de 2022
Impressões 95. A sombra da nudez
Frantisek Drtikol, Nude with shadow, 1930s |
sábado, 2 de abril de 2022
Sete Cartas - 3 Ao anjo de Pérgamo
Jackson Pollock, The White Angel, 1946 |
Sobre
as praças de Pérgamo reina um anjo.
A
voz engendrada na auréola azul das estrelas
ilumina
a gangrena na cegueira dos homens.
Com
o punhal da errância traça a fronteira
entre
o vigor da vigília e o cansaço do silêncio.
Nas
ruas da cidade guardam ainda entre mãos
as
letras de meu nome, sílabas verdes do vento,
o
alfa, o ómega, o mundo retido na palavra,
candelabro
incendiado na sombra da noite,
labareda
de luz a ondular ao ritmo da respiração.
Pedras
nascidas do tempo, roladas com demora,
flocos
de cinza onde inscrevo o meu nome
entre
símbolos da aurora e sinais de escuridão.
Falésias
fulguram bordadas pela caligrafia
com
que traço o voo da ave, o bramir da dor.
Descrêem
na palavra perdida em minha boca.
Quando
o vento tempestuoso sopra de ocidente
lançam
os joelhos por terra, erguem as mãos
na
desolada sintaxe dos dias de angústia,
na
perpétua morfologia do grito e da mágoa.
Eu
sou o vento que sopra onde quer, diz-lhes.
Em
todo o lugar animo as ervas ralas do chão,
uno
o Norte ao Sul, confundo Leste Oeste,
sou
a ave sem poiso, pássaro que não dorme,
a
música das esferas celestes na rua da razão.
Diante
do fogo fogem maculados pelo medo.
Entregam
o corpo ao escárnio, ao abrigo do sangue.
A
espada da minha boca cortará o feno pela raiz
e
nas faces inscreverá letra sobre letra a delicada
mancha
solar, a lâmpada na clausura da noite.
Sou
a água do rio a correr para o santuário da foz.
Quem
a navegar comerá a maçã da solidão.
Na
jornada, receberá a pedra branca da linguagem,
o
sangue derramado nas campânulas da aurora.
Palavra
do anjo esquecido nas ruas de Pérgamo.
1993
quinta-feira, 31 de março de 2022
O sal do silêncio (77)
terça-feira, 29 de março de 2022
Haikai urbano (70)
domingo, 27 de março de 2022
Câmara discreta (7)
Frank Eugene Smith, Slumbering maidens, c1900 |
sexta-feira, 25 de março de 2022
Biografias 26. A sonhadora
Imogen Cunningham, The Dream, 1910 |
quarta-feira, 23 de março de 2022
Sete Cartas - 2 Ao anjo de Esmirna
Max Ernst, El ángel doméstic, 1937 |
Ao
anjo que sobrevoa os céus de Esmirna,
em
suas asas, de frágeis filamentos,
cresce
uma cobertura de ambrósia,
o fruto amadurecido pelo sal de Outono.
Cintila-te
no vigor da voz o poder da palavra
daquele
que fala no murmúrio do silêncio
e
tece com mãos de ráfia dedos de ametista
a
seda esquiva do arquipélago do tempo.
No
entrelaçado fio das horas desenhou
uma
serpente suspensa sobre as ínsulas
perdidas
na caverna do esquecimento,
nimbadas
pela pétrea palidez do passado.
Fala
por aquele que permanece
na
inquietação das chuvas de Dezembro
sentado
no vácuo da terra crua
preso
ao bulício dos homens magoados
bêbados
pelo álcool do crepúsculo,
pela
cal a arder nas paredes nuas
da
casa onde sentados escutam as aves
nas
sílabas sopradas pela sirene do vento.
Conheço
de vós as obras, as mãos queimadas
pelo
coral roubado à inocência do mundo,
o
coração desatinado pelo dédalo do desejo,
os
sonhos regados pelo vinho da vitória.
Que
um esgar de dor vos prenda o rosto,
o
roube à erva e ao verde da Primavera.
Que
a cinza das palavras desça sobre as cabeças
para
vos arrebatar do vendaval da vergonha.
O
pássaro côncavo voa nos céus de Esmirna,
esconde
no feltro das asas o cristal da morte,
o
casulo onde a larva da escuridão
se
abre na crisálida da noite, a ninfa por chegar.
1993
segunda-feira, 21 de março de 2022
Impressões 94. Sobreposições e entrelaçamentos
Frederick Sommer, Venus, Jupiter and Mars, 1949 |
sábado, 19 de março de 2022
Câmara discreta (6)
Guido Rey, A Quiet Corner, c. 1900 |
quinta-feira, 17 de março de 2022
Micronarrativa (59) Dança
Gjon Mili, Stroboscopic image of ballerina Nora Kaye performing a “pas de bourree”, 1947 |
terça-feira, 15 de março de 2022
O sal do silêncio (76)
Otto Wunderlich, Casas Asturianas, 1920s |
domingo, 13 de março de 2022
Sete Cartas - 1 Ao anjo de Éfeso
Salvador Dali, Angel, 1950 |
Palavras dirigidas ao anjo dos efésios,
ao que vela dia noite sobre os ombros dos homens
e na sombra da árvore inscreve um incêndio:
fogo de palha, combustão de luz,
a labareda tecida com o feroz fio do esquecimento.
Anjo de asas recurvas e braço erguido
refrigério das praias banhadas pelo mar da memória.
Eu sou Aquele que em sua dextra ergue as sete estrelas
e nos céus componho uma constelação.
De noite, os homens olham-na
e na geometria do olhar suspeitam
a linha do horizonte, a luz estelar da minha face.
Escutam-me os passos perdidos
entre o azul da Terra e a alucinação do âmbar.
Olho do fundo do coração e vejo o mundo crescer,
a formiga lavra a poeira das tardes, as noites azotadas,
os dias feridos pelos tambores da morte.
Trabalhaste a dor insinuada na pele,
cresceste em cidades de mármore e escuridão.
Como um insecto poisado na carnação do fruto
abraçaste o nome tão breve que trazes em ti.
Dentro do peito abriu-se um muro, uma paisagem
toldada pelo nevoeiro. Embaciado, entregaste o fulgor
à transfiguração da tarde e nela construíste casa de colmo,
morada sombria de silêncio na rua da verdade,
o castelo de muralhas incendiadas pelo lume da guerra.
Envelheces e a cor dos dias de festa
perde-se na areia desmaiada sob o sol da solidão.
Abre o peito à minúcia do gesto,
deixa correr como um rio o orvalho e o sangue.
Ao arderem, as ruas entregam a úlcera das casas
ao martelo de mármore, à carne salgada,
às asas recurvas do anjo dos efésios.
Um sulco de seiva na penumbra do pólen,
a abelha deliba o fogo no cálice da vida.
1993
sexta-feira, 11 de março de 2022
quarta-feira, 9 de março de 2022
O Espírito da Terra (8)
Francis Frith, Twickenham Thames, 1890s |
segunda-feira, 7 de março de 2022
Impressões 93. Noite
sábado, 5 de março de 2022
Câmara discreta (5)
Roberto Rive, House of Marco Olconio, Pompeii 1860s |
quinta-feira, 3 de março de 2022
Meditação Breve (176) Contra a parede
terça-feira, 1 de março de 2022
O sal do silêncio (75)
domingo, 27 de fevereiro de 2022
Haikai do Viandante (423)
quinta-feira, 24 de fevereiro de 2022
Micronarrativa (58) Do exílio
Autor desconhecido, Women carrying water, Volendam Holland, 1920s |
terça-feira, 22 de fevereiro de 2022
Impressões 92. Luz na floresta
Leonard Missone, Sunlight in a forest, 1929 |
domingo, 20 de fevereiro de 2022
Câmara discreta (4)
Leonard Misonne, Old people, old houses, 1930s |
sexta-feira, 18 de fevereiro de 2022
Meditação Breve (175) Crepúsculo
Samuel H. Gottscho, Midtown Manhattan & Empire State building at Dusk, 1930s |
quarta-feira, 16 de fevereiro de 2022
O sal do silêncio (74)
Otto Wunderlich, Sierra de Gredos (Tipos), España, 1920s |
segunda-feira, 14 de fevereiro de 2022
A Sarça Ardente - 100
Edvard Munch, Alameda con copos de nieve, 1906 |
sábado, 12 de fevereiro de 2022
Impressões 91. Realidade
Harry Callahan, Eleanor, Chicago, 1952 |
sábado, 5 de fevereiro de 2022
Haikai do Viandante (422)
quinta-feira, 3 de fevereiro de 2022
Câmara discreta (3)
Leonard Missone, By the Watermill, c. 1900 |
A melancolia de olhar para a outra margem, como se
o corpo fosse habitado pelo mais terrível dos desejos, o de estar precisamente
no lugar onde não se está. Então, o tempo suspende-se, coagula e a fluidez das
águas torna-se pedra e gelo, a anunciação da eternidade. Nesse instante que a
câmara surpreendeu, a vida elevou-se sobre si mesma e estendeu uma ponte
que liga a margem do passado à margem do futuro.
terça-feira, 1 de fevereiro de 2022
Meditação Breve (174) O trabalho do tempo
Aaron Siskind, Rome 5, 1967 |
A pedra erodida é uma marca da passagem do tempo. É também uma lição dos efeitos deste. Apagamento dos contornos, simplificação da figura no seu esboço, redução de cada coisa ao magma da pura indiferenciação. O tempo é o mais feroz agente igualitário. Apaga os vestígios de tudo o que se quer proeminente e transforma em poeira o que, por uns momentos, ganhou individualidade.