Jackson Pollock, The White Angel, 1946 |
Sobre
as praças de Pérgamo reina um anjo.
A
voz engendrada na auréola azul das estrelas
ilumina
a gangrena na cegueira dos homens.
Com
o punhal da errância traça a fronteira
entre
o vigor da vigília e o cansaço do silêncio.
Nas
ruas da cidade guardam ainda entre mãos
as
letras de meu nome, sílabas verdes do vento,
o
alfa, o ómega, o mundo retido na palavra,
candelabro
incendiado na sombra da noite,
labareda
de luz a ondular ao ritmo da respiração.
Pedras
nascidas do tempo, roladas com demora,
flocos
de cinza onde inscrevo o meu nome
entre
símbolos da aurora e sinais de escuridão.
Falésias
fulguram bordadas pela caligrafia
com
que traço o voo da ave, o bramir da dor.
Descrêem
na palavra perdida em minha boca.
Quando
o vento tempestuoso sopra de ocidente
lançam
os joelhos por terra, erguem as mãos
na
desolada sintaxe dos dias de angústia,
na
perpétua morfologia do grito e da mágoa.
Eu
sou o vento que sopra onde quer, diz-lhes.
Em
todo o lugar animo as ervas ralas do chão,
uno
o Norte ao Sul, confundo Leste Oeste,
sou
a ave sem poiso, pássaro que não dorme,
a
música das esferas celestes na rua da razão.
Diante
do fogo fogem maculados pelo medo.
Entregam
o corpo ao escárnio, ao abrigo do sangue.
A
espada da minha boca cortará o feno pela raiz
e
nas faces inscreverá letra sobre letra a delicada
mancha
solar, a lâmpada na clausura da noite.
Sou
a água do rio a correr para o santuário da foz.
Quem
a navegar comerá a maçã da solidão.
Na
jornada, receberá a pedra branca da linguagem,
o
sangue derramado nas campânulas da aurora.
Palavra
do anjo esquecido nas ruas de Pérgamo.
1993