Frederick Boissonnas, Dans la Montagne, 1905 |
segunda-feira, 31 de outubro de 2022
O sal do silêncio (92)
Naquele lugar ermo, um punhado de casas perdidas faz lembrar uma aldeia tomada pelo salitre dos dias. Envolvidas pelos cumes das montanhas, à espera da névoa, são ainda um sinal da presença. Não do homem, mas desse silêncio de onde nasce tudo aquilo que é decisivo.
sábado, 29 de outubro de 2022
O Ritmo do Outono 8
quinta-feira, 27 de outubro de 2022
O Espírito da Terra (23)
Frederick Britton Hodges, November skies, c. 1915 |
Sob os céus de Novembro, a terra recebe os pesados encargos que o homem lhe trouxe. Serva submissa e fiel, entrega a sua pele para o livre devaneio ou a imperativa necessidade dos homens. As nuvens sorriem-lhe, e as árvores despem-se para que as suas folhas, ao morrer, a cubram e lhe levem o alimento que a tornará uma e outra vez criança mergulhada no rubor da inocência.
terça-feira, 25 de outubro de 2022
Impressões 107. O homem do saco
Francesc Català-Roca, El hombre del saco, 1950 |
O homem do saco, esse terror da imaginação infantil, afinal é apenas uma sombra que se projecta no chão daquelas ruas esconsas, onde só o silêncio tem voz. Não rouba crianças, nem sonhos, nem solidões. Vagabundeia por onde a luz viva do Sol faz incidir os seus raios, para criar ilusões a quem, de longe, o vê aproximar. Caída a noite, não há quem o veja, pois também ele, então, treme diante do artifício da sua sombra nocturna.
domingo, 23 de outubro de 2022
sexta-feira, 21 de outubro de 2022
O Ritmo do Outono 7
quarta-feira, 19 de outubro de 2022
Biografias 32. O guarda do parque
Paul Almasy, Paris, 1960s |
Não lhe compete a ordem pública, apenas a certificação de que as regras privadas sejam cumpridas. Cuida para que estranhos invasores não destruam os carros à sua guarda ou que motoristas desavisados danifiquem as viaturas que ali dormem o sono reparador, que lhes devolverá a energia mal os proprietários as façam trabalhar. Fundamentalmente, ordena a relação entre a passagem das horas e o custo, para que a cada fracção de tempo corresponda o preço estipulado. Sem o saber, o guarda do parque, mais que ao parque e aos automóveis, guarda com zelo essa estranha equivalência entre tempo e dinheiro, e fá-lo de tal modo que se é levado a crer que se pode comprar o tempo como se fosse mercadoria à disposição de quem acumulou generosas quantias para, pagando o tempo, se livrar da morte.
segunda-feira, 17 de outubro de 2022
O Espírito da Terra (22)
Gertrude Käsebier, Blossom Day, 1904-05 |
Os dias em que a Terra se elava pela metamorfose de um botão em flor são marcos miliários no caminho da glória. O sólido e árido crucificam-se para que a seiva corra como um rio em busca da foz. Então, chega a hora em que a beleza se manifesta e tudo o que pertence à Terra se transforme em puro espírito.
sábado, 15 de outubro de 2022
Diálogos morais 64. Visão
Paul Strand, Conversation, 1916 |
- É o que te digo.
- Não posso crer.
- É a mais pura verdade.
- Custa a compreender.
- Também a mim custou.
- Como foi possível?
- Foi o que me perguntei na altura.
- Não admira, também me teria feito a mesma pergunta.
- É inacreditável.
- Agora que me disseste, ainda me custa a crer.
- Se não tivesse visto, não acreditava.
- Ah... viste.
- Com os meus próprios olhos.
- E ainda crês naquilo que os teus olhos vêem?
quinta-feira, 13 de outubro de 2022
O Ritmo do Outono 6
terça-feira, 11 de outubro de 2022
Câmara discreta (18)
Constantine Manos, Moscow Airport, Russia, USSR, 1965 |
Tudo o que se vê na gélida assepsia das instalações fala de abandono. Não de uma mera partida para chegar a casa ou para ir longe e voltar, mas do desamparo de uma deserção daquele exército que se esconde na geometria do espaço, na rude frugalidade com que a vida, naquele lugar, se deixa ver. O que a circunspecção da câmara não mostra é o caudal da solidão que corre por dentro do corpo, é o borbulhar da dor no silêncio da espera.
domingo, 9 de outubro de 2022
sexta-feira, 7 de outubro de 2022
Impressões 106. Cuidar do silêncio
Aaron Siskind, Acolman 5, 1955 |
Há lugares em que o único ofício possível é o de cuidar do silêncio,
obstar a que o ruído se precipite sobre aquilo que existe, e assim evitar que, tresloucadas, as ondas sonoras rasguem a pedra e a entreguem nas mãos do tempo, que, com os
seus dedos de aço, haverá de a pulverizar, até que tudo se transforme em nuvem
de poeira levada pelo vento.
quarta-feira, 5 de outubro de 2022
O Ritmo do Outono 5
segunda-feira, 3 de outubro de 2022
Câmara discreta (17)
Hans Baumgartner, Primarschule im Hinterthurgau, 1947 |
Não é nos livros que se encontram os sonhos, pensa a aluna distraída perante a cena que, diante dela, alguém representa, para que o saber entre, talvez pelo coração, naquelas mentes demasiado ágeis. Um outro mundo mais vivo e mais real cintila dentro dos olhos, iluminando-os nessa fuga dos imperativos trazidos pela condição de estudante. Não é uma fuga para a ignorância, mas uma luta entre duas formas de sabedoria.
sábado, 1 de outubro de 2022
O Espírito da Terra (21)
Benvenuto Benvenuti, Avanti il tramonto, 1908 |
Ao pôr-do-sol, a terra liberta-se do cansaço do dia e, por instantes, deixa reverberar todas as cores que a habitam. Depois, deixa que as aves se calem e os animais se escondam para dormir. Então, chama a noite e, embalada pelo vento, adormece até que a aurora chegue com a promessa de um novo dia.
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