sexta-feira, 31 de janeiro de 2020

Haikai urbano (53)

Jeanloup Sieff, Queen, London, 1964

Ó sombria sombra
vinda no vento da noite.
O silêncio chama-te.

quarta-feira, 29 de janeiro de 2020

Impressões 47. Destroços

Edward Weston, Wrecked Car, Crescent Beach, British Columbia, 1939
Aquilo que um dia animou o olhar e encheu o peito de uma vã glória é agora um destroço, uma amálgama feita de restos de matéria lacerados pelo tempo e os fios tenazes do esquecimento. Olhamos e o que vemos é, vinda do futuro, a imagem dos nossos mais pueris.

segunda-feira, 27 de janeiro de 2020

Meditação Breve (120) Equilíbrio

Robert Capa, American actor Gary Cooper. Sun Valley, Idaho, 1941
Aquele que procura o equilíbrio sonha com a justa medida. Nem um passo a mais nem a menos. Nem um excesso de inclinação à direita nem à esquerda. Assim, o corpo aprenda a realizar o sonho que se sonha no fundo de si, pois ninguém é outra coisa senão o cumprimento dum sonho, esse mistério obscuro que rumoreja nos interstícios daquilo que é.

sábado, 25 de janeiro de 2020

A Sarça Ardente - 8

Paul Klee, Blue-Bird-Pumpkin, 1939
Um pássaro canta.
E o sino
ressoa
na voz velada
da ave
no bater
bárbaro do bronze.

Dezembro de 2019

quinta-feira, 23 de janeiro de 2020

Histórias sem nexo 1. O grumete

Albert Gleizes, Cabeça masculina, 1912-12
O grunho do grumete gritou. Alisou a gravata, pegou nos grampos e na grade de cerveja. Chegado à porta saiu para a Praça Grande. Ao avistar outro grumete grunhiu: ó que desgraça, desgruda do gradil antes que a grua te caia em cima. 

terça-feira, 21 de janeiro de 2020

Impressões 46. Confidências

Ed van der Elsken, Cafe Culture in Bohemian Paris, 1954
Dever-se-ia evitar as confidências durante uma refeição. Distraem-nos, deixam-nos perplexos e não matam a fome. Quanto mais confidências consumimos, maior é o desejo de escutá-las. Não há quem não tenha alma de confessor.

domingo, 19 de janeiro de 2020

Haikai urbano (52)

Vilhelm Hammershoi, Montague Street in London, or Side View of the British Museum, 1905-06
Os dias de silêncio
no limiar do crepúsculo.
A cidade dorme.

sexta-feira, 17 de janeiro de 2020

Meditação Breve (119) Beleza

Sam Lévin, Ava Gardner in The Naked Maja, 1958
Nunca poderemos prescindir da beleza, pois ela é a presença da eternidade no tempo. O que se vê num ser humano belo não é a sua humanidade, mas o reflexo supra-humano que o tocou, transformando-o num símbolo. Talvez as pessoas belas sejam as mais infelizes, pois o amor por elas é um amor por aquilo que nelas, como num espelho, se reflecte.

quarta-feira, 15 de janeiro de 2020

A Sarça Ardente - 7

Helen Frankenthaler, Bambú en Nueva York, 1957

Sou um mendigo
perdido
na poeira da porta.

Espero-te.
O vento
leva-me o nome.

O resto da tua mesa
aguardo
na toalha bordada do chão.

Dezembro de 2019

segunda-feira, 13 de janeiro de 2020

Haikai urbano (51)

Alfred Eisenstaedt, Mother and child in Hiroshima, Japan, December 1945
Olhares perdidos
nas ruínas de Hiroshima.
A mãe sonha o filho.

sábado, 11 de janeiro de 2020

Impressões 45. Imagens reflectidas

Walter Sanders, Volkswagen, 1951
Imagens reflectidas na água são portas que levam a outros universos. Ao entrar por elas, o viajante apaga o universo de onde veio. Inocente e de olhar purificado começa uma nova existência como se tudo tivesse sido acabado de criar.

quinta-feira, 9 de janeiro de 2020

Meditação Breve (118) Segredo

Nina Leen, Macy’s department store detectives,1948
Todo aquela que investiga não gosta de ser investigado. Todo aquele que espia não gosta de ser espiado. Todo aquele que procura um rosto na multidão não gosta que o seu rosto se exponha. Quem procura desvendar segredos transforma-se ele mesmo num segredo.

terça-feira, 7 de janeiro de 2020

Diálogos morais 31. O convite

Helmut Newton, Fashion photography, 1975
- Esperam-me.
- Desculpe, deve estar equivocada.
- Recebi o convite.
- Não enviei qualquer convite.
- Não foi você, foi...
- Essa sou eu e não convidei ninguém.
- Você, nessas roupas?
- Se não lhe agradam, posso vestir outras, mas não a convidei.

domingo, 5 de janeiro de 2020

A Sarça Ardente - 6

Lucio Muñoz, 8-86, 1986

As palmeiras mortas
desenham
uma rota de ruínas.

Nelas poisam gaivotas
exaustas
do ondular do oceano.

Ao longe, dunas erguem
muros de areia,
sombra e solidão.

Dezembro de 2019

sexta-feira, 3 de janeiro de 2020

O colar de pérolas

Frank Eugene, The Pearl Necklace, 1900s
Quando a vi retirar o colar de pérolas não imaginei o que viria a seguir. A confiança que temos na realização dos desejos cega-nos. Os sinais estiveram sempre lá, mas os olhos ou a razão, o que é a mesma coisa, foram incapazes de os ler. No gesto dela não havia qualquer pathos, nem estava diferente dos outros dias. Quando me viu, sorriu e cumprimentou-me como habitualmente. Estava esplêndida e era o centro do grupo. Sentou-se. Nos seus olhos havia um brilho que pensei ser de alegria. Olhou a sala. Observava-a arrebatado. Ela ergueu os braços, retirou o colar e olhou longamente para ele, como se o contemplasse. Por fim, levantou os olhos e disse sem tremor não haverá casamento.

quarta-feira, 1 de janeiro de 2020

Haikai do Viandante (385)

Pedro Cabrita Reis, A linha do mar, 2019 (foto da CM de Matosinhos)
A linha do mar,
onda de espuma e ferro.
Silêncios de Inverno.