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terça-feira, 23 de abril de 2024

O sal do silêncio (113)

Augusto Gomes, sem título, 1953 (Gulbenkian)
A mulher senta-se na areia, a vastidão do oceano entra-lhe pelo olhos e toca-lhe o coração, abrindo-o ao medo da desmesura. Inquieta, entrega-se na pedra do silêncio, enquanto o sal das águas cintila como uma mensagem viva na terra morta.

segunda-feira, 18 de março de 2024

O sal do silêncio (112)

Juan Antonio Aguirre, Bailarinas, 1990

Dançam a sagração da Primavera envoltas no azul dos oceanos. Bacantes sem mácula, transportam a voz do deus no silêncio da boca. Giram, rodopiam, elevam-se da terra e a ela voltam. A sua leveza é o sal com que salgam o segredo do mundo, o enigma do sangue, o mistério da paixão.

quarta-feira, 28 de fevereiro de 2024

O sal do silêncio (111)

João Dixo, Quem pinta, pinta-se, 1978 (Gulbenkian)

A reflexividade dos nossos actos é um pacto com o silêncio. Entre o que fazemos e o que somos, nesse interstício que vai de nós a nós, há um silêncio de fundo, tão radical que raramente damos por ele. É nele, porém, que unimos a poeira do que fazemos ao sal que somos.

sábado, 10 de fevereiro de 2024

O sal do silêncio (110)

Júlio Pomar, Campinos, 1963

Um ruído irrompe na eterna paz da lezíria. Cavalos e toiros são um traço na paisagem, a marca de um instante que se manifesta para logo desaparecer no sal da quietude ou no silêncio onde o tempo se devora a si mesmo, cansado da viagem.

sexta-feira, 19 de janeiro de 2024

O sal do silêncio (109)

Carl Theodor Reiffenstein, Abgesägte Baumstämme vor einer Mauer in Oberwesel, 1858

O cântico do vento foi daqueles troncos suprimido. Um dia suportaram grandes ramagens e folhas vibrantes. O vento tocava-as e uma música vinda de terra elevava-se aos céus. Agora, submetidos ao império da utilidade, jazem esquecidos no chão. Da sua antiga musicalidade nada resta. Sobra-lhes o silêncio, não o silêncio que há no centro da vida, mas aquele que acompanha a decomposição dos corpos e a vitória da morte.

quarta-feira, 20 de dezembro de 2023

O sal do silêncio (108)

Mathilde Battenberg, Provence landscape, 1914

A luz desenha paisagens tintas pela eternidade. Nelas crescem as cores que cintilam no olhar do espectador. Onde os ciprestes se elevam nasce um silêncio tão poderoso, que a tudo inunda. Os ventos calam o rumor que os habita, os homens abrigam-se no colmo das casas e todas as coisas mergulham na mudez reconciliadas com o fulgor daquilo que não tem princípio nem fim. 

sábado, 2 de dezembro de 2023

O sal do silêncio (107)

Aureliano de Beruete Y Moret, El Manzanares

As águas rompem o silêncio da tarde, deixam no ar o murmúrio do seu impetuoso passar e o sussurro de mil memórias perdidas nas orlas do rio. Como pássaros esquivos, os homens olham-nas e deixam-se tomar pelo desejo do oceano e o sal das grandes viagens.

segunda-feira, 6 de novembro de 2023

O sal do silêncio (106)

Emilio Sánchez Cayuella, Silencio, 1985
O abandono é o sal que abre o corpo ao silêncio, como a terra abre os sentidos ao murmúrio dos céus. As águas rumorejam na sua passagem, as árvores erguem os ramos, enquanto as raízes se afundam. Se um pássaro canta é porque chama pela nuvem onde um deus se esconde.

sábado, 30 de setembro de 2023

O sal do silêncio (105)

Francis Bott, Cathédrale, 1975

As catedrais nascem do silêncio que ronda o mundo. Erguem-se em geometrias de pedra e rompem a linha do horizonte, para que se veja mais além, para que o além, em formas de línguas de fogo, venha e seja na terra, o sal selvagem do vento que sopra onde quer.

sexta-feira, 22 de setembro de 2023

O sal do silêncio (104)

Giovanni Segantini, Alpine Landscape at Sunset, 1895 – 1898

O silêncio da montanha reverbera ao pôr-do-sol. Desce lentamente dos picos mais elevados, toca, com mãos de veludo, as encostas e cai envolto em sombras sobre os pequenos planaltos onde cintila o sal da mais pura das águas.

quarta-feira, 6 de setembro de 2023

O sal do silêncio (103)

Manuel Botelho, Areia e Sal – Igrejas Silenciosas, 1987
Acende-se o candelabro das velhas devoções e o silêncio entra por dentro das igrejas esquecidas e das almas torturadas pelo ferrete da desordem de cada dia. Lá fora, o sal do tempo corrói os metais vis e dá vida efémera aos cristais trazidos pela aurora de novos mundos.

segunda-feira, 7 de agosto de 2023

O sal do silêncio (102)

Júlio Resende, sem título, 1948 (aqui)
O silêncio da espera é o sal que tempera a expectativa. Sem ele a terra é desprovida de húmus, as coisas perdem os contornos, a vida não encontra o sentido. Aguarde-se em calma silenciosa e a chama do espírito virá trazida pelo vento.

domingo, 2 de julho de 2023

O sal do silêncio (101)

Weegee, Sleeping at the Bar, 1939

Quando os sonhos são urgentes, qualquer lugar serve para que, rasgando o ruído com o arado do silêncio, chegue o sono, não aquele que retempera as forças e abre o corpo para a azáfama de cada dia, mas o que abre o espírito ao sal da imaginação. 

sexta-feira, 9 de junho de 2023

O sal do silêncio (100)

J. Dudley Johnston, Liverpool— an Impression, 1907
Quando se entra por dentro do passado, somos recebidos pelo grande cisne do silêncio. O que era sólido deixa-se ver como penumbra, o que era vivo toca-nos como uma canção, o que era belo cintila ainda no poço escuro da memória. Quando se entra por dentro do passado, a poeira sabe-nos ao sal da solidão.

sexta-feira, 26 de maio de 2023

O sal do silêncio (99)

Manning P. Brown, Curves, 1937

A nudez é o silêncio onde um corpo se oculta, se subtrai ao olhar inquisidor, oferecendo o seu esplendor para que floresça nos olhos incautos a mais terrível das cegueiras, aquela que ao olhar confunde aquilo que vê com aquilo que é visto.

sexta-feira, 12 de maio de 2023

O sal do silêncio (98)

Noé Sendas, The Rest is Silence II, 2003 (aqui)

O peso do silêncio dobra a voz para dentro de si mesma. Esconde-se como um animal acossado, como um homem cujos olhos, tão frágeis, não suportam a luz. Na ausência do som, desprende-se dos corpos o sal do sono, e a boca, com o esmalte dos dentes e o âmbar do riso, floresce na floresta memoriosa da mudez.

domingo, 16 de abril de 2023

O sal do silêncio (97)

Nuno Cera, Snapshots 3, 1996

O caminho abre-se como uma oferenda aos viandantes. Devem percorrê-lo em silêncio, até que encontrem a saída que, de imediato, reconhecerão como a sua. Então, dirigir-se-ão ao lugar que por eles espera há muito. Ao encontrar a sua casa, descobrem o centro do mundo, e seja qual for o caminho que tomem jamais precisarão de bússola, nunca tornarão a perder o norte.

quarta-feira, 29 de março de 2023

O sal do silêncio (96)

Imagem obtida com IA da CANVA

O silêncio irrompe pelo deserto. É uma sombra que rasga as areias e deixa rastos indeléveis que vento algum apagará. É um silêncio feminino, grande como uma mãe que olha o futuro dos seus filhos e se ajoelha perante um altar para que o sal da vida amadureça nos seus corações indecisos.

quinta-feira, 23 de fevereiro de 2023

O sal do silêncio (95)

Pere Ysern Alié, Cuevas del Drac. Mallorca, 1920-25

No fundo da terra, onde a beleza se oculta de olhares ímpios, celebram-se os mistérios mais sagrados, para os quais não há linguagem que os diga ou pensamento que lhes descubra o sentido. Tudo ali é silêncio e sombra, para que o sal do segredo floresça à luz do sol e se torne palavra na boca pura da poesia.

sábado, 14 de janeiro de 2023

O sal do silêncio (94)

Rudolph Eickemeyr Jr., In the Valley of the Beaverkill, 1890
Era o lugar onde homens chegados à transparência poderiam encontrar abrigo. Ali não haveria quem lançasse atrás deles os cães da perseguição e os lobos do desdém. Uma atmosfera pura cobria a terra e o vento ou o cântico dos pássaros de Verão eram ainda uma memória do silêncio, onde, perdidos no cristal da existência, encontravam o peso do seu corpo.