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segunda-feira, 20 de outubro de 2025

A sombra da água (43)

Robert Demachy, Automne, 1899

Uma figura outonal queda-se extasiada perante o enigma das águas. O céu reflectido, as folhas arrastadas pelo vento como pequenos barcos sem destino, a leve ondulação, tudo isso se ergue na sua mente como uma canção povoada pelos sonhos de infância, sinais de um mundo despido da febre do desejo, transfigurado num sonho que dança sob o silêncio da tarde.

domingo, 7 de setembro de 2025

A sombra da água (42)

Franz Goerke, Am Luganer See, 1903
Lagos são mistérios amparados na orografia da Terra, segredos vindos de tempos arcaicos que ninguém decifra. Durante o dia, as águas entregam-se à vigília, para que homens e animais possam encontrar uma fonte de vida. À noite, porém, o lago é o leito onde, ao adormecerem, as águas sonham os mundos de onde vieram e aqueles que as esperam. 

sexta-feira, 27 de junho de 2025

A sombra da água (41)

Walter Barthels, Gewitterstimmung, 1902

Quando a tempestade se aproxima a galope num cavalo de escuridão, a água abre os seus braços para acolher a sombra das nuvens e o temor dos homens que, perante a iminência do perigo, se escondem no silêncio servil da solidão.

terça-feira, 13 de maio de 2025

A sombra da água (40)

Claude Monet, Water Lilies (The Clouds), 1903
Um vestígio do céu penetra nas águas, como uma sombra nublada feita de hábitos ancestrais. Também a natureza tem uma linhagem e uma herança. Por vezes, toma a forma de lei, outras é um jogo artístico, uma composição musical, onde a água que corre na Terra chama a que voa pelos céus.

quarta-feira, 2 de abril de 2025

A sombra da água (39)

Gustav Klimt, Moving Water, 1898

Os corpos são sombras de água na água do rio. Vão e vêm ao sabor do desejo, pois desejar é entrar numa corrente. Deixar-se balançar pelo ímpeto do caudal, que muda conforme as estações do ano, o poder da meteorologia e um segredo nunca desvendável. Em tudo, também na água do desejo, há um desconhecido a que olhos e ouvidos humanos estão, por um decreto inviolável, proibidos de aceder.

sábado, 15 de fevereiro de 2025

A sombra da água (38)

John Ruskin, A River in the Highlands, 1847

Um rio corre nas terras altas. Nascido no silêncio das montanhas, arrasta, sobre o espelho das águas, as sombras caídas do céu. Transporta, na cadência do fluir, um segredo que o oceano revelará, numa noite tempestuosa, quando os relâmpagos descerem sobre as ondas e os raios se perderem na espuma da noite.

segunda-feira, 6 de janeiro de 2025

A sombra da água (37)

John Ruskin, A River in the Highlands, 1847

Ouvimos a expressão as terras altas e associamos de imediato a essas terras uma secreta sabedoria selvagem, a força motriz de uma vida pujante, o dínamo de tudo o que é impetuoso. Nelas, porém, a autêntica ciência reside na força tranquila das águas, que deslizam como uma sombra que cobre a terra do delírio vindo com as hipérboles do arrebatamento e as metáforas da agitação.

terça-feira, 3 de dezembro de 2024

A sombra da água (36)

Francis Smith, Le Port à Honfleur, 1958 (Gulbenkian)

Portos são grandes armazéns de segredos e mistérios. Neles, se conjuga a sombra oceânica da água e a assombração dos navegadores. O marulhar da ondulação no cais é a música encantatória por onde se perdem, em noites sem mácula, a virgindade dos segredos e a textura dos mistérios.

segunda-feira, 28 de outubro de 2024

A sombra da água (35)

John Ruskin, A River in the Highlands, 1847

O lento fluir da manhã traz consigo a bruma das montanhas e o ar frio das terras altas. Os homens suspendem a viagem sem finalidade e cantam o enigma das águas, a luz de coral que se desprende da aurora, o leve estremecer das árvores tocadas pelo espírito do rio. Então, acorda-se do sonho e o mundo renasce virginal perante os atónitos do viandante.

terça-feira, 24 de setembro de 2024

A sombra da água (34)

Luís Noronha da Costa, Mar Português, 1982 (Gulbenkian)

Um mar que se encerra dentro de um adjectivo perde-se de si mesmo, torna-se uma água coalhada pelo pulsar das palavras, uma visão de sangue espumejante a fugir pela areia das praias, um rasto de luz a ferir-se na solidez das rochas, uma promessa de fuga desfeita pela linha do horizonte.

sábado, 31 de agosto de 2024

A sombra da água (33)

Gustave Courbet, The Wave, 1869-1870

Na onda manifesta-se o poder oculto da água. As forças da luz e das trevas combinam-se e a terra recua perante o avanço desse exército invencível, incendiado pelo vento, soprado pelo fogo, até que a água adormece no frio calor das areias.

quarta-feira, 24 de julho de 2024

A sombra da água (32)

Henry Peach Robinson, Atlanta, 1896

A água da memória desce como uma sombra. Envolve mundos que desapareceram, destinos consumados, a certeza dos desejos triunfantes e dos que se perderam na mecânica dos corpos. Se abrirmos a sombra, como quem abre um embrulho delicado, descobriremos os mundos que vivem no silêncio dos genes herdados na hora em que fomos concebidos.

domingo, 16 de junho de 2024

A sombra da água (31)

Bernardo Marques, Tejo (Gulbenkian)

Também as águas trazem, na sua memória mais arcaica, o coral de mercúrio da solidão. Por elas se aventuravam, como cavaleiros enlouquecidos, marinheiros experimentados que tinham perdido o desejo da terra. De um pequeno batel faziam o seu palácio e, embalados pela leve ondulação, esperavam a hora que um outro mundo para eles se abrisse.

quarta-feira, 8 de maio de 2024

A sombra da água (30)

Albrecht Dürer, Study of water, sky and pine trees, 1495-6

Era uma água tornada sombra, animal que se metamorfoseia para se confundir com o ambiente. Esconde-se para evitar os monstros do dia e ser esquecida pelos fantasmas da noite. Água perdida na errância, esquecida do caminho que da terra leva ao oceano.

domingo, 7 de abril de 2024

A sombra da água (29)

W. Eugene Smith, Iwo Jima, 1945

Também pela água chega, como uma milícia, a sombra da morte. Traz com ela uma lua de coral para alumiar os que entregam a alma à floresta do silêncio e deixam o corpo abandonado sobre as areias, onde poisarão bandos de gaivotas e anjos confundidos pelo calor da batalha.

terça-feira, 26 de março de 2024

A sombra da água (28)

Arthur R. Dresser, Die Klippen von Corbière im Sturm, 1891

Também da água se deve dizer que possui, no seu íntimo, a virtude da audácia. Não é fúria ou raiva, tão pouco um exercício de cólera que move as águas tempestuosas, mas a pura coragem de enfrentar a dureza das rochas, o destemor de querer abrir um caminho naquele lugar onde caminho algum parece possível.

domingo, 3 de março de 2024

A sombra da água (27)

Fernando Calhau, sem título #441, 1980 (Gulbenkian)

A água é uma sombra projectada sobre a superfície da Terra. Avança fremente pelos canais desenhados por um arquitecto preso ao flúor da alucinação, rasga as velhas rochas para descobrir um caminho nunca pensado, cobre os abismos para que os mortais possam descansar os seus olhos sem temer a dor da queda.

terça-feira, 20 de fevereiro de 2024

A sombra da água (26)

Piotr Mondrian, Farm with Trees and Water, 1906

É uma água sem o sal da viagem, sem a sombra das noites. Irrompe pura na Terra ou cai solícita dos céus. Nela, não há navios, nem os pescadores procuram a harmonia dos peixes. De noite, murmura canções tecidas com o fio do silêncio; de dia, deixa que da sua boca se evapore um hálito de rosas.

segunda-feira, 29 de janeiro de 2024

A sombra da água (25)

Ricardo da Cruz-Filipe, Mar n.º 1, 1983 (Gulbenkian)

Sento-me a ver o mar. Oiço o cântico das ondas, prescruto-lhes o ritmo, escando, no silêncio da praia, cada verso que traz e leva, como uma sombra de seda, a água salgada. Em transe, observo o oceano desdobrando-se, tomado pela inquietação que se abre no ventre da manhã rasgada pelos dardos do Sol.

sexta-feira, 5 de janeiro de 2024

A sombra da água (24)

François Boucher, The Waterfalls of Tivoli, 1730

As águas caem como sombras inquietas sobre a terra. Tomadas pela ânsia, precipitam-se do alto da montanha. Anima-as um desejo de fogo, um chamamento vindo de longe. Querem ser rio para deslizar pelo leito escavado na rocha e encontrar na imensidão secreta do oceano o lar de onde partiram.