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quinta-feira, 28 de março de 2024

Impressões 116. Jardins

Fernando Lemos, Jardim, 1959 (Gulbenkian)

Os jardins nascem de uma métrica vegetal e de uma gramática feita de obsessões. Adormecem ao raiar da aurora e acordam quando a luz se dissolve no poente. São habitados por longos vícios florais e algumas virtudes sem nome. Cenários de sombras e fogo num palco onde os homens, sem o fio de Ariadne, se perdem continuamente no labirinto onde nenhum Minotauro os espera.

terça-feira, 9 de janeiro de 2024

Impressões 115. Primeiros passos

Max Libermann, The first step (Mother and Child, small sketch), 1890

A realidade não será, na sua natureza mais fundamental, senão um tecido de impressões, que tomam figura e, ao configurarem-se, permitem que os nossos sentidos se iludam e tomem como traço definido e rigoroso aquilo que é apenas o rasto dessas impressões. Se abandonamos a ilusão do rigor e da definição, então descobrimos que tudo é esboço e, sendo assim, qualquer passo é sempre o primeiro passo, um ensaio perante o desconhecido.

terça-feira, 14 de novembro de 2023

Impressões 114. Lugares de dor

Mario Sironi, Paesaggio urbano, 1942

O olhar entristece perante a cinza sem nome da paisagem. O coração não canta as grandes fábricas do mundo, as chaminés erguidas aos céus como punhais de tijolo, os telhados que as nuvens evitam purificar com as suas águas lustrais. Os viandantes evitam esses lugares de dor e os peregrinos sabem que não é ali que passa o caminho para o santuário onde o divino os espera.

segunda-feira, 16 de outubro de 2023

Impressões 113. Pela janela

Fritz von Uhde, By the Window, 1890 – 1891
Olhar o lado de lá pela janela é uma libertação do trabalho que a vida quotidiana impõe. A banalidade das tarefas é desafiada pelas impressões que o mundo manifesta para olhos cansados, ávidos de trazer para dentro de casa o bulício da vida e o encanto do desconhecido.

quinta-feira, 31 de agosto de 2023

Impressões 112. Entre ruínas

Dmitri Kessel, A man walking through the remains of an ancient temple in Athens, 1944
Um homem passeia entre ruínas. Absorto, mergulha nas sombras projectadas pelas pedras do passado. Uma esperança toca-lhe o coração, um desejo prende-o ao lugar. Espera que um deus tenha uma reminiscência e, por um súbito impulso, volte ao templo onde terá sido cultuado e se manifeste, para que ele, passeante incansável pelo rumor de outros tempos, realize o seu desejo e descubra a vida verdadeira que a época que lhe foi dada para viver esqueceu.

sábado, 17 de junho de 2023

Impressões 111. Na lagoa

Heinrich Kühn, Abend In Der Lagune, 1895

Ainda não é uma noite de bruma, nem a glória das águas se eleva para os céus onde, vigilantes e eternos, os astros observam as lentas metamorfoses da vida na terra. Dois veleiros cruzam a lagoa, procuram porto de abrigo, na esperança de encontrar um lugar onde o lume cintile e envolva os corações com o manto do calor. É como se um sonho se inscrevesse na paisagem para a preencher de impressões esquivas, toldadas pelo marulhar das águas, e segredos habitados por uma longa demora.

terça-feira, 21 de março de 2023

Impressões 110. Cores

Imagem obtida com IA da CANVA

Cores irrompem do fundo negro onde tudo repousa. Rasgam a tela da escuridão e abrem as portas da luz. Então, erguem-se diante dos olhos, trazendo mensagens de um mundo onde ainda não existiam. São anjos as cores, anunciam aquilo que se esconde por dentro de tudo o que é visível.

terça-feira, 7 de março de 2023

Impressões 109. Universos circulares

Imagem obtida com IA da CANVA

Universos circulares escondem-se como velhas praças secretas que só os amantes, perdidos na sua inocência, conhecem. Ali flui uma energia silenciosa, a lenta combustão das memórias, o ardor dos corpos tomados pelo prazer dos sentidos. Quando uma tempestade sobrevem, um manto de de aço e acrílico desce para proteger quem ali sonha. Se a Primavera transborda num dia de luz, uma esperança verdeja no horizonte e o longínquo bramir do mar ecoa no cristal das paredes.

sexta-feira, 30 de dezembro de 2022

Impressões 108. Uma revelação

Andre de Dienes (Dienes Andor), Paris, 1936
O súbito matrimónio entre o fulgor da luz e a sombra da névoa abre aos olhos o segredo que, dia após dia, o tempo oculta. Tudo o que se vê não é mais do que uma impressão que os olhos desabituados do espanto das primeiras coisas tomam como realidade substancial, de contornos precisos e existência sólida. Passeamos no mundo caminhando de impressão em impressão, ignorantes de que nós próprios não somos mais que meras impressões inscritas nas areias movediças de uma praia de águas alteradas.

terça-feira, 25 de outubro de 2022

Impressões 107. O homem do saco

Francesc Català-Roca, El hombre del saco, 1950
O homem do saco, esse terror da imaginação infantil, afinal é apenas uma sombra que se projecta no chão daquelas ruas esconsas, onde só o silêncio tem voz. Não rouba crianças, nem sonhos, nem solidões. Vagabundeia por onde a luz viva do Sol faz incidir os seus raios, para criar ilusões a quem, de longe, o vê aproximar. Caída a noite, não há quem o veja, pois também ele, então, treme diante do artifício da sua sombra nocturna.

sexta-feira, 7 de outubro de 2022

Impressões 106. Cuidar do silêncio

Aaron Siskind, Acolman 5, 1955

Há lugares em que o único ofício possível é o de cuidar do silêncio, obstar a que o ruído se precipite sobre aquilo que existe, e assim evitar que, tresloucadas, as ondas sonoras rasguem a pedra e a entreguem nas mãos do tempo, que, com os seus dedos de aço, haverá de a pulverizar, até que tudo se transforme em nuvem de poeira levada pelo vento.

quinta-feira, 15 de setembro de 2022

Impressões 105. Geografias de luz

Léonard Misonne, Coucher du Soleil, 1905

O mesmo lugar ocupa diversas geografias, conforme a hora do dia. Um lugar não é o mesmo ao amanhecer e ao pôr-do-sol, nem durante o dia e durante a noite, pois a luz, a sombra e as trevas trazem consigo outras tantas configurações que se apoderam do território e transformam a paisagem que ingenuamente se pensa ser única em múltiplas. Cada uma com o seu clima e com os seus pontos cardeais. O Norte ao amanhecer não é o Norte do anoitecer. Cada um deles tem a sua natureza, os seus segredos e os seus imperativos.

segunda-feira, 5 de setembro de 2022

Impressões 104. Plenitude dos tempos

Henri Cartier-Bresson, Hyeres, 1932

Há expressões que nunca entendemos bem o seu significado decisivo, como plenitude dos tempos. Por vezes, temos uma rápida visão do seu significado, uma visão que não se deixa captar, mas que dança diante dos nossos olhos, quando o tempo como uma espiral se cruza com o tempo como uma linha recta que do passado se dirige para o futuro. Nesse súbito cruzamento, vislumbra-se a plenitude dos tempos.

quinta-feira, 18 de agosto de 2022

Impressões 103. Ondas

Artur Pastor, Oceano Atlântico, s/d
Grandes ondas como antigos impérios. Erguem-se e espalham a energia do seu poder, para logo decaírem na babugem do tempo, deixando um rasto de espuma que novas ondas, como antigos impérios, haverão de apagar, muito antes de o sol se pôr e a noite cobrir tudo com a luz pura das estrelas. 

terça-feira, 2 de agosto de 2022

Impressões 102. O mundo dos campos

Paul Strand, The White Barn, Luzzara, Italy, 1953
Tudo o que pertence ao mundo agrícola faz parte de um universo muito diferente daquele habitado pelo mundo das cidades. O ritmo das estações, pautado pelo erguer e declinar diário do sol, é impossível de comparar com o ritmo da vida citadina. À velocidade deste, responde a aparente imobilidade campestre. Não que o mundo rural seja imóvel, mas o eterno retorno do mesmo dá-lhe essa aparência e imprime em quem o habita um sinal de solidez e uma marca de sabedoria. 

quinta-feira, 21 de julho de 2022

Impressões 101. A obra

Thomas Hoepker, Inside the Antelope Canyon, 1995

O turbilhão do tempo rodopia por dentro da rocha porosa. Abre, com a lentidão dos milénios, pequenos sulcos, esculpe e cinzela a obra, até que esta, trespassada pela luz, se abre ao olhar extasiado de quem, por engano, ali deixa correr os seus passos.

segunda-feira, 11 de julho de 2022

Impressões 100. Regresso

R. Köhnen, Heimkehr, 1908

Nas águas, reflecte-se, como sombra impressa no tecido dos dias, os desejos mais secretos de quem partiu e agora chega ao porto, onde, em terra firme, se abrigará da inconstância das águas. De súbito, fecha os olhos e sonha a hora em que não haverá partida nem chegada, pois encontrou a morada que desde sempre lhe fora destinada.

quarta-feira, 29 de junho de 2022

Impressões 99. Flores

Dennis Stock, Flowers. Morocco, 1984

Em todas as flores se esconde um espírito, uma ténue imaterialidade, um meio caminho entre o que nos capta os sentidos e o que desencadeia o sonho e abre a imaginação para mundos que os olhos não vêem.

domingo, 19 de junho de 2022

Impressões 98. Uma sombra

Chuck Kimmerle, The Unapologetic Landscape

De súbito, uma sombra manifesta a fragilidade de tudo o que existe. Aquilo a que um longo hábito nos ensinou a chamar realidade não passa, afinal, de um esboço, de uma promessa quase a realizar-se, mas a que falta sempre o vigor que a haveria de trazer do fundo abissal da inexistência ao reino da eternidade.

sábado, 28 de maio de 2022

Impressões 97. Carga pesada

Jozef Emiel Borrenbergen, Heavy load, 1923

Em quase toda a sua existência, o homem suportou o peso do mundo nos seus ombros ou com o socorro da força animal. Com o advento da tecnologia moderna, libertou-se - e vai libertando os animais - desse peso. Livre da carga que lhe tolhia o corpo, ficou enredado no peso infinito do seu espírito, envolvido por mil impressões e desejos sem fim. A qualquer momento pode soçobrar sob o peso daquilo que o habita.