sábado, 30 de novembro de 2019

O sal do silêncio (32)

Lucien Clergue, Nu zébré, 1997
O silêncio é uma longa hesitação entre o claro e o escuro. Quando se torna mais denso e profundo, luz e trevas repartem-se e formam um corpo de onde, como um clamor vindo da terra, brota o desejo mais puro.

quinta-feira, 28 de novembro de 2019

Haikai do Viandante (383)

Caspar David Friedrich, Doorway in the Fürstenschule Meissen, depois de 1835
A porta separa
a rua do sobressalto
em que te espero.

terça-feira, 26 de novembro de 2019

Micronarrativa (27) Mulher sentada

Emil Otto Hoppé, Seated Woman in Profile, 1928
A espera tranquila do que há-de vir. Sentada, põe no futuro toda a sua expectativa, sem saber o que lhe está destinado. O negro com que se veste é um indício do que passou, mas toda a dor se abre para o desejo de um novo júbilo, enquanto o coração, em segredo, percorre a via sacra que vai da elegia à ode triunfal.

domingo, 24 de novembro de 2019

A Sarça Ardente - 2

A nuvem da noite
flutua à luz
dos candeeiros.
Sobe, desce
tocada pelo vento
tocada pelas tílias
erguidas na
névoa de Novembro.

Novembro de 2019

sexta-feira, 22 de novembro de 2019

O sal do silêncio (31)

NASA - Mimas Stares Back
Não, o silêncio não é as trevas do mundo sonoro. O silêncio é a possibilidade de todas as palavras encontrarem o sal que lhes dá um sentido e as encaminha para os ouvidos que as esperam.

quarta-feira, 20 de novembro de 2019

Meditação Breve (116) Coreografia e encenação

Elliott Erwit, Paris, 1989
Quando se reduz a vida social à sua essência o que fica é a coreografia e a encenação, são elas que suportam esse grande baile que é a vida em comum, seja na praça pública ou na comunhão de um beijo.

segunda-feira, 18 de novembro de 2019

Diálogos morais 27. Complicar

Brassaï, Bal Musette des Quatre-Saisons, Rue de Lappe, c.1932

- Vamos sair?
- Daqui?
- Sim.
- Mas a nossa saída não era precisamente vir aqui?
- Bem, era...
- Ou estás a tentar-me?
- Não compliques.
- E por que razão hei-de facilitar?

sábado, 16 de novembro de 2019

Impressões 42. Tempestade

Ansel Adams, Thunderstorm over the Great Plains, near Cimarron, New Mexico, c. 1960
É no vazio e no silêncio que se deve esperar a tempestade. Assim poder-se-á ouvir o ribombar do trovão e ver a rápida luz do relâmpago. Então, o espírito toma corpo e, ao encarnar, dilata-se e caminha sobre a terra.

quinta-feira, 14 de novembro de 2019

A Sarça Ardente - 1

Observo o silêncio
na chuva,
oiço a cintilação
das gotas
degoladas na calçada.

O céu relampeja
e na casa
onde me esperas
a noite
descansa desabrigada.

Novembro 2019

terça-feira, 12 de novembro de 2019

Meditação Breve (115) Verdade

Francesca Woodman, Space 2, 1976
Não basta o silêncio, é preciso ocultar o corpo e dissolver a sombra para que, lentamente, a verdade se desentranhe e flutue diante do olhar atónito do espectador.

domingo, 10 de novembro de 2019

Haikai do Viandante (382)

Josef Sudek, Bud of a white rose, 1954
Um botão de rosa
esconde-se em silêncio.
Quase, quase flor.

sexta-feira, 8 de novembro de 2019

A mulher de braço florido

Irving Penn, Woman with Roses on Her Arm, 1950
Naqueles dias em que o mundo, depois de ter desabado, parecia ter um futuro pela frente, ela era a mais elegante das mulheres da roda em que vivíamos. De certa maneira, todos os homens a cortejavam, uns mais exuberantes, outros mais dissimulados. Ela sorria. Nunca a cortejei, mantive dela uma certa distância, escudado numa formalidade já inabitual naquele tempo. Um dia estava ela no vão de uma janela do clube que frequentávamos e o sol iluminava-a de uma forma estranha. Estava belíssima. Cheguei perto dela, olhou-me e sorriu. Perguntei-lhe sem mais se queria casar comigo. O braço dela floriu quando o toquei com os meus dedos. As crianças que ali vê a brincar são as nossas netas.

quarta-feira, 6 de novembro de 2019

Haikai do Viandante (381)

Paul Strand, The Scythes, Luzzara, Italy, 1953
O tempo que passa
pela mão do lavrador.
O sonho da terra.

segunda-feira, 4 de novembro de 2019

Diálogos morais 26. O bem e o mal

Garry Winogrand, Los Angeles, 1964
- Não dizes nada?
- ...
- Quem julgas que és?
- Cala-te, por favor.
- Por que hei-de calar-me?
- Parto-te o nariz outra vez.
- Achas bem?
- O teu mal é o meu bem.

sábado, 2 de novembro de 2019

O sal do silêncio (30)

Lord Snowdon, British royal Princess Margaret, Countess of Snowdon, 1967
A sombra é um silêncio de onde brota a clara claridade da luz. Se por instantes a olhamos de frente, logo todo o nosso ser retrocede para aqueles lugares onde a luz se dissimula e nos oculta tudo o que há de terrível na beleza.