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terça-feira, 24 de maio de 2016

Da leitura

Fernand Léger - A leitura (1924)

O ensino da leitura, por necessidade de eficiência, acaba por matar aquilo que é essencial no acto de ler. Ler é, antes de mais, um acto de decifração, a revelação do que está escrito. A eficiência adquirida no acto de ler naturaliza a leitura (a partir de certo grau performativo, ler parece uma coisa natural) e rouba-lha o sentido de penetração num mistério cifrado. Este não é o único problema. Decorrente dele, está a oclusão da leitura em si mesma, como se ela apenas servisse para a transmissão de uma mensagem ou a fruição de um prazer estético, na leitura literária. A leitura como decifração deve ser, contudo, um modelo ou arquétipo que se deve transferir para toda a realidade, a exterior e a interior. Tomar tudo como signo e cifra implica então que sejamos, de forma consciente, leitores contínuos do mistério do mundo e do enigma que cada um é para si mesmo.

quinta-feira, 6 de março de 2014

O leitor final

Antonio Tápies - O leitor final. A carta (1950)

Perante uma comunicação - uma carta, um livro, etc. - o que significa a expressão "leitor final"? Será o último destinatário? Será aquele que toma a leitura como um fim? Não. Por leitor final devemos entender aquele que ao ler se toma a si como fim. Ler faz parte da viagem, dessa viagem que cada um faz para si mesmo. O enigma que o texto traz consigo não reside no próprio texto mas naquilo que ele desencadeia no próprio leitor, de tal forma que este se descobre como o fim de todas as suas leituras.

quinta-feira, 7 de julho de 2011

Teoria da leitura

Há aquela velha polémica de Platão contra a escrita, contra os livros, contra o silêncio ostensivo com que respondem se forem interrogados sobre o que pretendem significar. O enigma, porém, está do lado de Platão e não dos livros. Por que razão terá escrito tanto? Não é verdade que os livros, no seu silêncio, não respondam. Os livros são um corpo silencioso nas mãos do leitor, e como um corpo precisam de ser tacteados lenta e suavemente, precisam de ser tocados para se abrirem e deixarem ouvir a voz reservada que trazem dentro de si. Ler é um corpo a corpo, um jogo em que as peles se tocam para os espíritos se fundirem. Há porém livros tão especiais, pelo espírito que anunciam, que o leitor se mantém na distância a que se convencionou dar o nome de respeito. Fico sempre perplexo quando vejo alguém excessivamente jovem com certos livros na mão. A profundidade de algumas obras não se compadece com os verdes anos. O respeito, contudo, não é sintoma de ausência de desejo, de falta de vontade de abrir o livro, de o tactear, de deixar correr o corpo que lê pelas páginas que se dão à leitura. O respeito é apenas o sinal de reverência pelo mistério que se pressagia, o sintoma do apreço pela luz que emana do espírito que o corpo do livro suporta. Talvez o respeito esteja ligado ao kairos, esse tempo oportuno que desce do espírito e toca os corpos, que vem do céu para iluminar a terra. O mundo vive um singular paradoxo relativamente à leitura. Ler tornou-se um imperativo generalizado, um indicador de desenvolvimento, um programa de acção. Mas a relação entre leitor e livro não é da ordem da moral, nem da economia ou da política. É uma relação presidida por esse estranho deus a que os gregos deram o nome de eros. O culto do deus – um deus impetuoso e intempestivo – exige essa especial reverência com que um corpo se deve abrir a outro, com que um espírito se funde noutro, com que um leitor se entrega nas mãos de um livro, com que certos livros se abrem para a leitura.