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quarta-feira, 10 de abril de 2013

Soneto do Viandante (23)

Gustave Courbet - Donna con l’onda (1868)

23. Não basta que detenhas entre mãos

Não basta que detenhas entre mãos
A promessa esquecida pelo tempo.
Não basta que me encantes pela noite
Com o sorriso pálido de outrora.

Deixa que o vento cante sobre a pele
E os seios sejam água nesta boca.
Rio puro e desmedido, rio sonhado
Quando o corpo partia à desfilada,

Égua branca ferida pelo amor,
Animal sem infância nem destino.
Quero cada segredo do teu ventre.

Quero-te viva e nua, quero-te sóbria
E pura, pelo ócio descoberta,
Relâmpago e luz, fogo sem cinza.

quinta-feira, 4 de abril de 2013

Sonetos do Viandante (22)

Dante Gabriel Rossetti - El encuentro de Dante y Beatriz en el Paraíso (1852)

22. Este impulso medido pela sombra

Este impulso medido pela sombra,
Esta flor no sossego do jardim,
Esta chuva que cai pela penumbra,
Este tédio sem mácula ou mágoa.

Silenciosos os sinos da cidade
Repicam sobre a tarde que se esvai.
Anunciam as palavras com que a noite
Se inscreve no portal do paraíso.

Eis a sombra impulsiva que se rasga
E abre neste jardim de luz solar.
Eis a penumbra suja, tão radiosa,

Traçando  imaculada a nova mágoa.
Eis o portal da noite que ressoa
Como um anjo no velho paraíso.

sábado, 30 de março de 2013

Sonetos do Viandante (21)

Raoul Dufy - O jardim abandonado (1913)

21. Todas estas palavras sem sentido

Todas estas palavras sem sentido,
As cores que contigo se dissipam,
O rumor destes tempos de silêncio,
Sábados de Aleluia sem segredos.

Sangra-me solitário coração,
Leva-me as palavras que teria
Para te dizer nesta hora azul,
Velha noite de cânticos selvagens.

Estranhos os caminhos que te esperam,
As casas destelhadas e vazias,
O jardim donde as flores exumadas

Crescem como cadáveres adiados.
Um murmúrio explode na fronteira
Que separa do meu  o teu desejo.

terça-feira, 26 de março de 2013

Sonetos do Viandante (20)

Vincent Van Gogh - Senda del bosque (1887)

20. São frívolos os tempos que a vida

São frívolos os tempos que a vida
Trouxe para vivermos, são invernos
De que não haverá fim, primaveras
Abortadas no seio da madrugada.

Desçamos ao sagrado esquecimento,
Ocultemos de nós os dias felizes.
Que o bom anjo da noite por ti vele
E traga o veludo das estrelas,

A promessa do sono que teremos,
O silêncio que ao mundo me subtrai.
Tempo transfigurado, terra avara,

Nele perdi a infância, essa casa
Onde a luz, pura e frágil, não se apaga,
Bosque de sombra e puro amanhecer.

sábado, 23 de março de 2013

Sonetos do Viandante (19)

Odilon Redon - La lucha de la mujer y del centauro

19. Feroz centauro, que vida te espera?

Feroz centauro, que vida te espera?
A velha ordem está moribunda.
Não há jardins, nem os rios trazem água
Para matar do desejo a fria sede.

Descansa agora que o mundo perdeste,
Deixa a memória trazer-te vitórias,
Rudes derrotas, prazeres perdidos.
Dobra a cerviz, venha o dia submeter-te

Ao grande jugo da fétida dor.
Ouves o cântico, vil companheiro,
Do arcanjo de asas de sombra e seda?

Oiço um rumor, cresce o medo, a terra
Treme no exílio, severa e sombria.
Feroz centauro, que morte te espera?

terça-feira, 19 de março de 2013

Sonetos do Viandante (18)

Pablo Picasso - A sombra sobre a mulher (1953)

18. Ser apenas um vulto e uma chama

Ser apenas um vulto e uma chama,
O vento que no fundo da floresta
Sussurra o teu nome e por ti clama,
Solidão silenciosa que lhe resta.

Ser apenas a sombra, ir e vir
Ao ritmo dessa luz que de ti cai,
E em cada momento discernir
No amor o que chega e o que vai.

Ser apenas um nada que te olha,
Pura rosa que breve se desfolha.
Ser um vulto perdido pelas ruas

E ansiar essas mãos leves e nuas,
Para sofrer na hora do desejo
A viva solidão em que te vejo.

sábado, 16 de março de 2013

Sonetos do Viandante (17)

Gustav Klimt - Dánae (1907-8)

17. Estranha geometria a dos teus braços

Estranha geometria a dos teus braços,
Pobre flor desfolhada p’la manhã,
Surpresa deslumbrada nos cansaços,
Frágil Eva perdida na maçã.

Vejo-te nesta hora que a pressa,
Negra no seu silêncio, matará.
Celebremos a vida porque essa,
Fria, rápida, por nós, vil, passará.

Quero-te pois, agora, ao prazer
Submetida. Desejo ao desejo chama,
E despido o teu corpo se dá a ver.

E tudo em mim treme e se inflama
Ao tocar-te e sentir o teu querer,
Que pelo meu de súbito reclama.