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quarta-feira, 8 de junho de 2016

Mito e liberdade

Ker-Xavier Roussel - Cena mitológica

Por muito que a razão se esforce, por muito que ela reivindique a supremacia e a legitimidade, uma legitimidade fundada no conhecimento e, não menos, na técnica, o mito acaba sempre por retornar e invadir a cena do mundo. Com ele triunfa, uma e outra vez, a ambiguidade, a pluralidade de sentidos, as múltiplas possibilidades. Muitas vezes pensa-se que a liberdade está ligada à ordem moral da razão. Podemos, porém, contar outra história e vê-la emergir na plurivocidade que nasce do mito, como se este fosse uma fonte, frágil e equívoca, de onde nascem diversos e caudalosos rios, os quais se abrem à livre navegação.

segunda-feira, 7 de dezembro de 2015

Contrastes simultâneos

Sonia Terk Delaunay - Contrastes simultâneos (1913)

Aquilo que para a razão é um escândalo - ser e não ser simultaneamente - é para a experiência do espírito um caminho e uma orientação. Uma orientação que surge como um convite: abandona a razão como guia da experiência. Um caminho que se abre à experiência: experimentar os contrastes simultâneos que, apesar de horrorizarem a razão, nos chamam a vivê-los num para além do discurso e do pensamento.

domingo, 8 de novembro de 2015

Para além dos paradoxos

Sonia Delaunay - Contrastes simultâneos (1913)

Os seres humanos, quando ultrapassam um certo limiar da vida animal que tolhe o pleno desenvolvimento do espírito, colocam a si mesmos estranhos paradoxos, põem a razão perante contrastes que, pela sua simultaneidade, parecem irresolúveis. Uma grande energia é gasta na tentativa, sempre decepcionante, de resolução desses paradoxos. Isso deve-nos fazer suspeitar se estamos a interpretar bem aquilo que o espírito nos propõe. Será que ele pretende que vivamos para a resolução de paradoxos? Ou espera, antes, que, ao fazermos a experiência do paradoxal, abandonemos a ilusão que o caminho do espírito é aquele que é determinado pela razão que se enreda nas suas próprias contradições?

segunda-feira, 26 de outubro de 2015

O segredo do amanhecer

Guillermo Trujillo - Amanecer Chocoe (2000)

Há um momento do amanhecer em que tudo parece suspenso. A luz e as trevas travam uma dura batalha pela vitória. Nesse momento de indecisão, aquele que toma a natureza como um símbolo a meditar encontra um segredo. Não um segredo que esteja oculto e que a curiosidade pode revelar. Encontra um efectivo segredo que está velado e sobre o qual não há revelação possível. O segredo é o da estranha fraternidade entre luz e trevas, o das suas núpcias nas horas indecisas dos crepúsculos. Aquilo que não tem revelação é aquilo que dá que pensar, mas o pensar é ainda e só uma preparação para enfrentar o mistério, perante o qual a razão experimenta o seu limite e a sua impotência.

terça-feira, 25 de agosto de 2015

Um luar nas trevas

Felix Vallotton - Luar (1895)

Muitas vezes a razão é vista através da metáfora da luz solar, pensando-se, através de uma analogia, que assim como a luz do Sol ilumina a Terra, também a razão ilumina a realidade e permite ao homem compreendê-la. Se a nossa espécie não fosse tão narcísica, tomaria como termo de comparação para a sua razão a luz da Lua e não a do Sol. Isso estaria mais de acordo com os resultados e as decepções que a razão, ao longo da história dos homens, trouxe consigo. A luz da razão pode ser bela, mas não passa de um luar que, com dificuldade, fende as trevas exteriores.

quarta-feira, 1 de julho de 2015

Um pressentimento

Paul Klee - "Quelle peut être la raison ..." (1911)

Há um tempo em que os seres humanos desconhecem a razão das coisas e daquilo que sucede e lhes sucede. Depois descobrem um dos seus passatempos preferidos: encontrar a razão das coisas. Dar a razão de... é um jogo poderoso e fascinante. Tão fascinante e poderoso que os homens perdem a abertura para o que não tem razão, para aquilo que não se deixa capturar pela veemência do logos. Por vezes, têm um pressentimento e, então, tremem: e se o decisivo estiver para além da veemência da razão?

quarta-feira, 15 de abril de 2015

Do bárbaro e do civilizado

Alejandro Xul Solar - Bárbaros (1926)

Habituámo-nos, devido a uma longa tradição, a pensar o bárbaro por oposição ao civilizado. E o civilizado é aquele que possui a virtude da racionalidade cívica. Se olharmos, porém, com atenção para essa racionalidade cívica em acção descobrimos de imediato quanto ela é bárbara, destituída de espírito, fundada na alienação de si mesmo ou na redução à máscara com que escondemos a nossa impotência para responder à voz que nos chama.

terça-feira, 17 de março de 2015

O caminho oblíquo

Albert Gleizes - O caminho, Meudon (1911)

Por mais que deseje um caminho claro e distinto, o viandante acabará por descobrir que o seu desejo será sempre frustrado. Não há caminho espiritual que seja a execução de um conjunto de imperativos racionais, que o farão viajar por um espaço geométrico determinado pela limpidez da razão. A cada momento, o caminho varia, apresenta obstáculos, impõe retornos, logo seguidos de avanços, perde a luz que o ilumina, para que o viandante logo a descubra quando as trevas se tornarem mais intensas. Será sempre oblíquo o caminho do homem em direcção à voz que o chama.

sexta-feira, 13 de março de 2015

Da acrobacia espiritual

Marino Marini - Acrobats (1960)

Muitos deixam-se seduzir pelas acrobacias do espírito, seja pela capacidade de cálculo e de argumentação da razão, seja por hipotéticos poderes espirituais. A vida espiritual não é, todavia, uma exibição do esplendor circense do ego. A única acrobacia verdadeiramente difícil, e útil, é o ater-se à realidade tal como ela é. Melhor, tal como ela brota a cada instante.

sexta-feira, 27 de fevereiro de 2015

Iluminar a luz

Edward Hopper - Sun in an Empty Room (1963)

A modernidade trouxe consigo a ideia de que a razão continha uma luz própria que deveria ser derramada sobre o mundo para o ordenar, melhorar, refazer. Hoje, que o cansaço de ser moderno se tornou patente em todos os lugares, aquilo que o viandante pretende na sua viagem é deitar fora o desperdício com que a razão lhe ocupou o espírito, para que este, vazio, possa receber uma outra luz, aquela que poderá iluminar a luz da própria razão.

quarta-feira, 16 de julho de 2014

O imperativo musical

Ferdinand Schmutzer - Vienna (1901)

Escondestes estas verdades aos sábios e inteligentes e as revelaste aos pequeninos. (Mateus, 11:27)

O que solicita a música ao espírito do homem? Que ele diminua, que se torne pequenino. Que o homem se torne pobre em espírito! Eis o imperativo musical. A música, como se fosse a emanação de um outro mundo, não se dirige à razão, mas ao que está acima dela e quer tornar-se o próprio do homem, a sua propriedade, a sua natureza.

sexta-feira, 7 de março de 2014

Uma nova inocência

Luc Tuymans - Disenchantment (1990)

O triunfo da ciência moderna e da razão instrumental trouxeram o fim do mundo encantado em que o homem vivera até então. Com esse fim, nasceu a nostalgia do encantamento, o desejo de reencontrar essa unidade perdida entre a natureza e a sobrenaturalidade. Esse passado não é apenas um estranho país. É uma pátria para sempre interdita. O retorno a essa inocência - uma inocência culpada pelo que havia nela de desconhecimento - está-nos vedado. A perda dessa inocência, porém, abriu o caminho para uma nova inocência, aquela que nasce do conhecimento e da dissolução da culpa.

domingo, 12 de janeiro de 2014

Uma flor esquiva

Agnes Martin - Flor al viento (1963)

Há quem pense que um tratado sobre a vida ensinará a viver. Socorridos pela razão teórica, amparados na geometria dos argumentos, os homens tornar-se-iam sábios e prudentes. A vida, porém, é uma flor esquiva que ama a incerteza e que medra no caos e no desconcerto. Pega na razão e rasga cada um dos seus tratados. Senta-se e espera que o vento sopre.

sábado, 11 de janeiro de 2014

Sabedoria

Francisco Soto Mesa - 1.98.1 (1984)

Há aqueles  que andam à deriva e não sabem que rumo tomar, entregues à errância e à perdição. Outros traçam objectivos e, pela força da razão e da vontade, cumprem-nos. Os terceiros, porém, não estão perdidos, mas também não têm objectivos. Escutam e seguem uma voz que não sabem de onde vem nem para que terra os impele. É nestes que desce a sabedoria.

sexta-feira, 18 de outubro de 2013

A rosa sem porquê

Agnes Martin - A Rosa (1964)

Die Rose ist ohne warum.
(A rosa é sem porquê.)
Angelus Silesius, CW I. 289

Lê-se o verso de Silesius (o hemistíquo) A rosa é sem porquê e fica-se fascinado. A tentação é de ver um artifício poético, talvez uma aproximação metafórica à sem razão da beleza. Mas devemos ler literalmente o que lá está. É a leitura literal que nos assusta. No verso diz que o porquê ou a razão não fazem parte do ser da rosa. O assustador está na emergência desumanizada da rosa. A razão e os porquês são a presença humana, do entendimento humano, nas coisas, uma forma de as submeter ao nosso espírito e integrá-las numa cadeia de explicações. Mas tudo isso, apesar de nos tranquilizar - pois dar uma razão tranquiliza-nos -, é estranho à rosa. A rosa é sem porquê é uma injunção a estar perto da rosa sem projectar nela os meus temores e, por isso, a minha racionalização. Estou perante aquilo que não posso explicar, que não tem explicação, que se perfila, na sua simplicidade de ser rosa, como um mistério para o qual a minha pobre razão não tem chave. A rosa sem porquê solicita a mais extrema pobreza de espírito.

segunda-feira, 26 de agosto de 2013

Pontos de acesso

Al Held - Acceso (1967)

Descobrir os pontos de acesso, aqueles que permitem o viandante continuar a viagem, não é um exercício que seja resolúvel pela sagacidade da razão. Encontrar os pontos de acesso exige uma abertura de espírito e um deixar-se levar pelo ritmo do caminho.

domingo, 25 de agosto de 2013

O rito da dança

Marc Chagall - Dance (1962-63)

Na dança, aquilo que retém olhar não é tanto a luta contra as leis da natureza, a suspensão da gravidade, mas a sua natureza ritual. Nela realiza-se um rito nupcial, uma antecipação da união dos corpos e fusão dos espíritos. Torna-se a dança, a cada momento, um símbolo arcaico daquilo que, no mistério de Eros, surge como injunção à fusão dos corpos e à dissolução de dois seres num único. A dança é a antecâmara de um mistério que está muito para além dos limites da razão.

domingo, 18 de agosto de 2013

Palhaços por natureza

Albert Gleizes - Palhaço (1914)

Sempre que se usa de forma figurada o termo palhaço, esse uso toma uma coloração pejorativa. Chega-se a ver o epíteto como uma ofensa contra a honra. Esta recusa generalizada de se ser palhaço é sintoma de algo muito mais profundo do que parece. Na verdade, lidamos mal com aquilo que em nós é ridículo, risível, volúvel e distorcido. A cada momento compomos a máscara e afivelamos traços de dignidade que, como bem sabemos, estamos longe de poder ostentar. Finitos, frágeis e mortais, nós queremos esconder essa realidade que o palhaço, com os seus jogos burlescos e actos cómicos, torna evidente. O palhaço não é um artista, mas o espelho que devolve a nossa realidade material, a nossa natureza destituída de graça, a qual é insuportável para o orgulho da nossa razão.

sexta-feira, 12 de julho de 2013

Inocência e prudência

Thomas Gainsborough - Study of a Sheep (1755-57)

Envio-vos como ovelhas para o meio dos lobos. Sede, pois, prudentes como as serpentes e simples como as pombas. (Mateus, 10:16)

O texto de Mateus - um único versículo, na verdade - desenha uma complexa rede de analogias para, em última análise, retratar a situação do homem no mundo social e para lhe propor um determinado modo de acção que está, ao mesmo tempo, ligado a um modo de ser. O que é de imediato visível, porém, nessa rede de analogias é que "aqueles que são enviados" são analogados com animais (ovelha, serpente e pomba) e "aqueles para o meio dos quais os enviados são remetidos" são também comparados com um animal (o lobo). Com isso, o texto sublinha de imediato a nossa condição animal e é perante ela que ele se torna significante.

A relação entre ovelha e lobo, entre presa e predador, está fundada também na analogia. O "ser como" de toda a analogia introduz uma ambiguidade na definição que reflecte uma ambiguidade ontológica. Os homens são como ovelhas ou como lobos. Isso significa um estatuto aberto na natureza humana, significa que o homem é dotado de livre-arbítrio. Nem as ovelhas são definitivamente ovelhas nem os lobos têm o destino fechado na lupinidade. E é por isso que as ovelhas, libertadas do rebanho, são enviadas para o meio da alcateia. De certa forma, todos nós somos enviados para o meio da alcateia, essa é a nossa condição.

Ao exercício da predação não é contraposto o sacrifício da presa. Pelo contrário, o texto liberta o homem da praxis sacrificial e propõe como caminho a prudência (a palavra usada para prudentes é φρόνιμοι) e a simplicidade (o termo usado para simples é ἀκέραιοι). Desta maneira, é resgatada a razão prática da filosofia grega, ao mesmo tempo que, com a analogia com a serpente, se dá a ver o seu limite. A prudência pode ser um mero cálculo da serpente e, por isso, não é suficiente para que a ovelha enviada não se transforme em lobo. A prudência deve ser incrustada na simplicidade, na pureza, na inocência. O modo de agir - ser prudente - deve ter a sua raiz nesse tornar-se inocente, simples, puro.

No mundo social, perante o eterno jogo do predador e da presa, perante o ciclo da animalidade e a visão sacrificial da existência, Cristo propõe uma ruptura onde se combina uma natureza inocente - que se inocenta - e uma atitude prudente, um ser puro e uma razão prática dele dependente, como caminho para a instauração de uma comunidade verdadeiramente humana.

domingo, 23 de junho de 2013

O lugar da emoção

Ferdinand Hodler - Emoção (1894)

Encontrar o lugar da emoção será um momento essencial da viagem espiritual. Toda a emoção é uma alteração de uma certa ordem, uma desordenação. Se a razão nos traz uma ordenação do mundo e a desrazão a mais pura desordem, o essencial é encontrar na emoção o lugar onde ordem e desordem se encontram. A efectiva sabedoria joga-se não na razão mas na justa medida da emoção. A emoção deverá ser suficientemente viva para que faça cair a velha ordem do hábito e suficientemente moderada para que, evitando o caos das pulsões inconscientes e dos instintos, propulsione um novo passo para uma outra ordem do cosmos e do sujeito que caminha nesse cosmos.