segunda-feira, 27 de fevereiro de 2023

Geometrias de fogo (9)

Fogo na noite (imagem gerada por IA da CANVA)

Então, o fogo crepita como uma canção presa na armadilha da noite. Ergue-se e rumoreja, se o vento o impele. Silencia-se, quando a Lua, sobranceira, o olha de cima e lhe conta as labaredas ou lhe desenha no céu a geometria incerta com que se move, feito ladrão, por dentro das trevas e das planícies vazias da solidão. 
 

sábado, 25 de fevereiro de 2023

A Luz de Inverno 10

José Vilató Ruiz, Lluvia, 1945

Chove. Chove sobre a tarde

uma água fria na penumbra

da flor que incendeia o dia.

 

As árvores rumorejam

no bosque verde da dor,

na erva do vendaval.

 

Espero a noite feroz,

a água fria do teu corpo

na bruma do esquecimento.

 

Fevereiro de 2023

quinta-feira, 23 de fevereiro de 2023

O sal do silêncio (95)

Pere Ysern Alié, Cuevas del Drac. Mallorca, 1920-25

No fundo da terra, onde a beleza se oculta de olhares ímpios, celebram-se os mistérios mais sagrados, para os quais não há linguagem que os diga ou pensamento que lhes descubra o sentido. Tudo ali é silêncio e sombra, para que o sal do segredo floresça à luz do sol e se torne palavra na boca pura da poesia.

terça-feira, 21 de fevereiro de 2023

A memória do ar (8)

Ernst Haas, View from Notre Dame, Paris, 1955

Vista de cima, a cidade é o rasto de uma memória que se rarefaz à medida que se sobe e o vento sopra para limpar os miasmas que da terra se elevam. O que é sólido mostra-se fluido, e um olhar treinado descobre já as frestas por onde o ar circula com a força do diamante e a transparência do éter.

domingo, 19 de fevereiro de 2023

A Luz de Inverno 9

Wassily Kandinsky, At Rest, 1908

Do Inverno, os dias frios

de Fevereiro recolhem-se

na gruta negra da noite.

 

Estrelas caminham pálidas,

aves perdidas no céu,

fios de luz na voz dos mortos.

 

As ruas esperam o fogo

como as rosas, a água

e o meu corpo, a madrugada.


Fevereiro de 2023

 


sexta-feira, 17 de fevereiro de 2023

Geometrias de fogo (8)

Georgia O'keeffe, Era rojo y rosa, 1959

O fogo é uma canção que crepita no horizonte, uma parra que se desprende da vide, se chega o Outono, uma mulher tomada pela loucura do amor. Então, as chamas dançam, enquanto as cores incendiadas se desdobram, como labaredas de mármore e âmbar, entre o rosa leve da saudade e o vermelho vivo da paixão.

quarta-feira, 15 de fevereiro de 2023

A sombra da água (9)

Artur Pastor, Atlantic ocean, not dated
A água enrola-se no seu mistério e desdobra-se, como uma sombra no crepúsculo, pela areia, transformando a violência que a arrasta num suave deslizar de espuma pelos interstícios da terra. Ouve-se, então, o seu rugido declinar num suave rumor, o murmúrio de quem se entrega exausto à força do que acontece.

segunda-feira, 13 de fevereiro de 2023

A Luz de Inverno 8

George Iness, Winter, Close of Day, 1866

 O dia despede-se frio

banhado pelo crepúsculo

e o canto sombrio dos pássaros.

 

A vida dorme na terra,

espera a vinda do sol,

O orvalho da aurora.

 

No céu, os astros murmuram

perdidos na crua memória

dos dias puros do passado.

 

Fevereiro de 2023

sábado, 11 de fevereiro de 2023

Pintura e haikus (29)

Marc Chagall, Abraham and the Three Angels, 1958-60
Abraão falava
e os anjos em silêncio
silêncios fiavam.

quinta-feira, 9 de fevereiro de 2023

A sombra da água (8)

Rodney Smith, Danielle in Boat, Beaufort, SC, 1996
O que eu queria, diz a sombra, é que os mortos se erguessem das águas e tornassem ao conforto do lar, para virem, nos dias incertos da melancolia, passear no lago, olhando as árvores e sonhando com grandes florestas, onde, como praias do Meio-Dia, se abrem clareiras, para que possam repousar por instantes, e banhar-se na luz viva do mundo ou nos aromas das flores silvestres.

terça-feira, 7 de fevereiro de 2023

A memória do ar (7)

Alexander Alland, Brooklyn Bridge, 1938

Pontes são passagens entre a manhã e a noite, compromissos entre dois crepúsculos, lugares de festa onde a terra cede os seus filhos ao ar. Nelas, os homens são pássaros sem asas, caminham como se voassem e sentem no vendaval do vento a casa de assombro onde dormirão descansados.

domingo, 5 de fevereiro de 2023

A Luz de Inverno 7

José Dominguez Alvarez, sem título

 A cintilação dos dias

de Inverno, o fulgor do fogo

solar nas casas e ruas,

 

o espírito soprado

em segredo pelo vento,

tão frio, tão denso da aurora.

 

Como um ladrão, a neve

rouba do fogo o fulgor,

do Inverno, a luz cintilante.

 

Fevereiro de 2023

sexta-feira, 3 de fevereiro de 2023

Geometrias de fogo (7)

Jeanne Carbonetti, Abedul en otoño, 1997

O fogo é agora sangue inflamado na seiva das bétulas, um rasto de açafrão nas folhas caídas, o brilho do cobre se batido pelo sol, o vinho vertido na brancura da toalha. Traz com ele a tentação da iridescência, mas só a cor dos incêndios desenha o seu arco num céu toldado pelo desejo das chamas e a paixão das labaredas.

quarta-feira, 1 de fevereiro de 2023

A sombra da água (7)

Hiroshi Sugitomo, Cascade River, Lake Superior, 1995

Não são as águas que governam o movimento que as levará da nascente à foz, mas a sua sombra que, como um motor descido dos céus, lhes impõe a dança do ritmo e o fulgor da viagem, tornando-as lentas ou rápidas, conforme o desejo que germina no sombrio coração nascido do encontro entre a luz e as trevas.