Salvador Dali, Sin título (Angel surrealista), 1969 |
Em
Sardes, caminha um anjo de argila e cinza,
preso
na melancolia de uma rameira sem cor,
perdido
entre o lixo das ruas e o carvão dos dias.
Ergue
a cabeça coberta com o limo da ardósia,
a
erva estreita das paredes orladas pelo xisto da sombra.
Leva
no fundo da alma a porcelana branca
rasgada
pela espada pura dos dias de Inverno.
Conta
os espíritos de Deus e as estrelas do céu.
Conta
os fogos da revolta e os incêndios nos campos.
Conta
as obras por fazer e as noites por chegar.
Conta
os dias de tristeza e os grãos de areia.
Em
temor, escuta a palavra do silêncio entre o ruído,
a
voz coberta de luz no andaime da cegueira.
Então,
os dias passam sobre as glicínias da aurora,
os
arbustos da infância, os sonhos de ambrósia.
Noites
azuis na dança dos cedros batidos pelo vento.
Serão
perfeitos os anos diante do juízo que virá?
O
sopro do vento reanima a onda pegajosa da vida,
abre
Fevereiro à página branca iluminada pela Lua,
os
frutos amadurecidos pela errância do tempo.
Ao
guardar a terrível palavra na têmpora da noite,
será
o anjo um furtivo ladrão, ferirá a areia da praia
com
o embrião das horas, o imprevisto de cada dia.
Ano
após ano crescerá uma contaminação,
a
mancha delgada irradiando em torno do ventre,
os
dias passados sob o candeeiro de querosene.
No
Ocidente, uma nuvem de breu cavalga o vento,
as
palavras ditas em Sardes, terra de argila e cinza
habitada
pelo anjo preso aos meandros das ruas,
cansado
dos Invernos que traz na vazio das mãos,
no
êxtase da luz, na secreta avidez da rosa de Deus.
1993
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