Paul Signac - Le Canal Saint-Martin, Paris (1933)
O dia declinava. Sentou-se à janela, o gato saltou-lhe para o colo, ronronou. Distraidamente, como se fosse um hábito antigo, começou a acariciá-lo. Fazia-o com lentidão bem medida, a necessária para que o bicho ali ficasse. Enquanto a mão ia e vinha pelo dorso do animal, os seus olhos perscrutavam o velho canal. Ficava horas a ver os barcos passar e, em cada um, era ela que passava. Nascera naquela casa e habituara-se a ver a água correr. A sua vida desenrolou-se ali. Nela perdera os pais, nela ficara quando casou, nela permaneceu quando o marido morreu e os filhos se fizeram ao mundo. Agora, que só lhe restava o gato, ela olhava da janela e deixava-se embalar no ritmo da tarde. Por vezes avistava uma sombra e logo descobria que era ela a sombra que entardecia no ronronar do gato, no deslizar do barco sobre águas.
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