Francisco Bores - La lectura (1934)
Ler. Que melhor coisa poderia haver na vida que deixar correr letras e palavras diante dos olhos? A decifração das combinações do alfabeto ocupara-lhe grande parte da existência. Ao pegar num livro a vida, sempre tão enigmática e destituída de significação, ganhava sentido no sentido que ele encontrava nas frases e nos textos. Um dia, ao ler, mais uma vez, o Quixote, adormeceu. Foi um sono pesado e atravessado por um estranho pesadelo. Via-se a ler e, de súbito, a realidade envolvente dissolvia-se, depois era o seu próprio corpo que perdia consistência. Apenas o livro permanecia mas, estranhamente, fechado e a crescer como se dentro dele houvesse vida. Durante semanas meditou o sonho e procurou o seu sentido. Seria a leitura inimiga da realidade? Seria o livro a única realidade e o resto, ele próprio, uma ilusão? Um sábado, depois de almoço, saiu de casa e mal chegou à rua pessoas, coisas, paisagens desenharam, perante os seus olhos, excêntricas combinações, caracteres vivos. Ao olhá-las, descobria-lhe o enigmático sentido. Lia. De tão espantado, gritou: aprendi a ler.
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