terça-feira, 24 de novembro de 2020

As águas do Letes

John Martin, Sadak in Search of the Waters of Oblivion, 1812
Conhecera-o há muito. Tal como eu, devia andar pelos trinta no virar do milénio. Desapareceu, pouco depois. Houve notícias desencontradas. Que estava na selva amazónica ou num ashram na Índia. Que teria morrido numa emboscada em África. Nada disto era verosímil. Reencontrei-o há dias. Não me conheceu. Falei com ele durante várias horas. Não havia vestígio do passado na sua memória, embora os gestos, o olhar, o tom da voz, a forma como se movia ou vestia, até alguma precipitação na fala eram os dele. Perguntei-lhe onde tinha estado antes de chegar aqui. Respondeu-me, perplexo, que em lado nenhum. Depois, pensou e disse que tinha vindo por um rio cuja água lhe saciara a sede. Que não lhe fizesse mais perguntas sem sentido. Não fiz. 

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