JCM - Mitologias (the light shines in darkness II) (2006)
A luz resplandece nas trevas, e as trevas não a compreenderam (João 1:5).
Nunca se pensa radicalmente o jogo que nos é trazido pelas múltiplas aproximações ao mistério da relação entre luz e trevas. Tanto a luz como as trevas fascinam o homem desde tempos cuja memória há muito se apagou. Com elas foram compondo mitos, poemas, narrativas morais ou soteriológicas, mas a simbologia que luz e trevas introduzem abre para um universo infinito e inesgotável de significações.
O versículo de João mais do que dilucidar o mistério torna claro a sua natureza mistérica através de um sábio, embora não muito explícito, recurso ao paradoxo. Onde reside esse paradoxo? A primeira afirmação - a luz resplandece nas trevas - constata um facto, mas essa constatação factual é o reconhecimento de uma necessidade. Para resplandecer, a luz necessita das trevas. O paradoxo é introduzido na segunda proposição - as trevas não a compreenderam. O paradoxo não reside no facto de as trevas não terem compreendido a luz, mas no tom marcadamente de censura que resulta da leitura do versículo e de todo o seu contexto.
O que seria necessário para que as trevas compreendessem a luz? Que nelas houvesse já luz, que elas não fossem trevas. Isso, porém, entra em contradição com a necessidade que luz tem das trevas para resplandecer. O texto de João traz inscrita, no seu cerne, uma contradição: as trevas devem e não devem ser, ao mesmo tempo, trevas. Esta contradição não é um erro lógico, um equívoco da razão. Ela é uma injunção a que o homem, mantendo a contradição, medite nela e entre no mistério que ela encerra, não com a razão, mas com a totalidade do seu ser aberto ao e pelo paradoxo.
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