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| E.H. de Saint-Senoch, Vieux Pont de Quimperlé, 1895 |
HOMO VIATOR
sexta-feira, 12 de dezembro de 2025
A sombra da água (44)
A água adormece à sombra da ruína. Esqueceu o destino que a moveu, os obstáculos que deixou para trás, o desejo que a impelia sempre para mais longe. Imobilizou-se e tornou-se um espelho, onde um Narciso faminto se há-de olhar sem escutar o eco do mar trazido pela incontinência do vento.
quarta-feira, 10 de dezembro de 2025
Geometrias de fogo (44)
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| Eduardo Nery, Longos Caminhos, 1980 (Gulbenkian) |
Um fogo estelar floresce nos céus, rompe a cercadura das nuvens, desliza pelos ares, tocado pelo vento, e deposita-se nas águas. Arde, então, lentamente, uma chama misteriosa, uma labareda sem nome. É um fogo virginal, com a pureza das coisas singulares, com a textura enlouquecida de uma mão de aço que se agarra à raiz da terra.
segunda-feira, 8 de dezembro de 2025
Silêncio de Outono (11)
sábado, 6 de dezembro de 2025
O Espírito da Terra (44)
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| Frenchman and American advancing in to No-man’s land with Sacks of Hand Grenades, France, 1918 |
Sob o peso das botas cardadas, a terra geme. E nesta dor descobre-se nua, pois o véu do espírito que a cobria desfez-se ao toque do clarim, ao avanço dos soldados em direcção à morte que, naquela lugar sem nome, será a deles.
quinta-feira, 4 de dezembro de 2025
Pintura e haikus (47)
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| Júlio Pomar, Varina Comendo Melancia, 1942 (Gulbenkian) |
Frutos do Estio:
O vermelho da varina,
azul de paixão.
terça-feira, 2 de dezembro de 2025
Silêncio de Outono (10)
domingo, 30 de novembro de 2025
Biografias 39. O modernista
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| Man Ray, James Joyce, 1922 |
O modernista inclina a cabeça e recolhe-se. Pesa-lhe a gravidade do modernismo, atormenta-o o fluxo de consciência e não sabe o que fazer do tempo narrativo. Poderia fazê-lo explodir e criar uma narrativa sem tempo? Tudo nele se prende no ponto de vista da subjectividade, da perspectiva de um eu penso que corre atrás dos seus pensamentos, que, estilhaçados, borbulham na banheira gigante do cérebro. Ao diabo, o estilo único. O ideal seria um estilo diferente para cada frase ou, mesmo, para cada palavra, mas temos que nos contentar com uma variação estilística mais contida. O leitor não suportaria o excesso de realidade e a minha cabeça não pararia um instante até colapsar num universo impossível de habitar. Dói-me a cabeça de tanto modernismo.
sexta-feira, 28 de novembro de 2025
Diálogos morais 73. Um barco
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| William Anckorn, Rêve d'Enfant, 1894 |
- Avô...
- Diz...
- Passas tanto tempo a fazer o teu barco.
- Não é fácil, e eu não sou um velho armador.
- Mas tanto tempo, deves gostar.
- Claro que gosto, mas não é por isso passo tanto tempo com
o meu pequeno arco.
- Não...
- Não, é por necessidade.
- Mas não precisas desse barco para nada.
- Claro que preciso.
- É para não esqueceres o tempo em que andavas embarcado.
- Talvez.
- É uma reprodução do teu antigo barco?
- Não, é apenas o barco que um dia me levará para o mar distante.
quarta-feira, 26 de novembro de 2025
Câmara discreta (31)
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| Francesca Woodman - Space², Providence, Rhode Island, 1975-1978 |
Um súbito rodopiar sobre si mesma, fruto de uma vertigem ou da volúpia do lugar, entrega a mulher à desfiguração. Enquanto volteia, perde a identidade, deixa de ser o que é, para se tornar uma outra. Uma árvore? Um anjo? Uma fera em busca da presa? Tudo isso nos é velado pelo cuidado da câmara, que apenas nos devolve um mistério, ao ocultar o fim da metamorfose e o nascimento virginal de uma nova identidade.
segunda-feira, 24 de novembro de 2025
Silêncio de Outono (9)
sábado, 22 de novembro de 2025
Arqueologias do espírito 36
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| Benvenuto Benvenuti, Cimiteretto, 1907 |
Houve um instante em que, no espírito do homem, se associou a disposição do cipreste e o impulso da alma para se elevar, na hora em que esta se desprendia do império da gravidade a que o corpo a submetia. Como um sinal de trânsito, a árvore, na sua beleza discreta, aponta para os céus, indicando o caminho que o espírito, agora entregue a si mesmo, tem de percorrer. O lugar dos mortos tornou-se assim, por efeito de uma imaginação fundada na analogia, a casa silenciosa onde os ciprestes se recolhem em reverência aos homens.
quinta-feira, 20 de novembro de 2025
Impressões 131. A meio caminho
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| Delight Weston, Leaping Dancer, 1921 |
Já não é mulher, mas ainda não é pássaro ou anjo. Eleva-se para fugir à gravidade dos corpos e às inclinações do espírito. Falta-lhe, porém, a disciplina do voo. A queda é aquilo que a espera, mas de que fugirá, pois, agora, é um ser intermédio, a meio caminho do que foi e daquilo que deseja ser.
terça-feira, 18 de novembro de 2025
Silêncio de Outono (8)
domingo, 16 de novembro de 2025
Meditação breve (208) Uma perda
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| Rodney Smith, Gary Descending Stairs, 1995 |
Perdemos a sabedoria das metamorfoses, a velha ciência que nos permitia a transformação numa outra coisa. Quem ainda sabe fazer de si uma sombra que passa? Os dias tornaram-se difíceis para as aprendizagens decisivas. Quando nos queremos sombra de nós mesmos, apenas ficamos esse nós que sempre fomos, sem poder sequer para ensombrecer.
sexta-feira, 14 de novembro de 2025
Micronarrativa (78) O filósofo
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| Hans Watzek, Der Kiebitz, 1897 |
Enquanto uns jogam às cartas, reprimindo não sem dificuldade as emoções do jogo, ele veio apenas para observar. Não joga, não faz comércio, apenas detém o olhar pensativo sobre aquilo que acontece. Foi assim que há muito, diz-se, Pitágoras definiu pela primeira vez o filósofo, aquele que vai aos Jogos Olímpicos para contemplar aquilo que atrai as emoções e os interesses dos homens.
quarta-feira, 12 de novembro de 2025
Silêncio de Outono (7)
segunda-feira, 10 de novembro de 2025
Signo sinal 31. Uma mão
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| Moita Macedo, A mão que desenha, 1981 (Gulbenkian) |
Uma mão nunca é apenas uma mão, mas um signo que se desdobra naquilo que com ela se realiza, se descobre, se projecta. Quando se abre ou se fecha, a mão é um sinal do pensamento e do coração, da razão que se expõe em motivos e do sentimento que abre em experiências.
sábado, 8 de novembro de 2025
Silêncio de Outono (6)
sexta-feira, 24 de outubro de 2025
Silêncio de Outono (5)
quarta-feira, 22 de outubro de 2025
A memória do ar (42)
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| Dr. F. Stuhlmann, Runssóro, 1894 |
O vento, segundo João, o evangelista, sopra onde quer. Estas palavras
são fundamentais para compreender o ar. Invisível, só de dá por ele nos efeitos
da sua acção, nas consequências do seu querer. Suporta a vida e abre caminhos
que se pensavam fechados. Tem um querer próprio e, dele, os homens apenas têm a
memória. Mesmo presente, a relação humana com o ar é sempre pretérita.
segunda-feira, 20 de outubro de 2025
A sombra da água (43)
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| Robert Demachy, Automne, 1899 |
Uma figura outonal queda-se extasiada perante o enigma das águas. O céu reflectido, as folhas arrastadas pelo vento como pequenos barcos sem destino, a leve ondulação, tudo isso se ergue na sua mente como uma canção povoada pelos sonhos de infância, sinais de um mundo despido da febre do desejo, transfigurado num sonho que dança sob o silêncio da tarde.
sábado, 18 de outubro de 2025
Silêncio de Outono (4)
quinta-feira, 16 de outubro de 2025
Geometrias de fogo (43)
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| Natalia Gontcharova, Paisaje rayonista. El bosque, 1913 |
Também as árvores sonham. Por vezes, sonhos benévolos; outras, grandes pesadelos. São sonhos colectivos. O pior dos pesadelos é o do fogo. Quando com ele sonham, as suas folhas tornam-se nas mil cores dos grandes incêndios. Visto de longe, o bosque parece abrasado. Quando nos aproximamos, descobre-se que é apenas um pesadelo colectivo, em que a metamorfose das cores é um exorcismo do mal que pode chegar.
terça-feira, 14 de outubro de 2025
O Espírito da Terra (43)
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| Karl Greger, Ein Abend Bei Dordrecht, 1892 |
A terra abre o seu espírito à alegria das águas e ao júbilo do vento. Encerra, dentro das suas cavernas, segredos e mistérios, para se entregar à dança dos elementos e ao jogo da vida. O tempo suspende-se e fica a contemplar a paisagem, como se uma reminiscência da eternidade o entregasse ao puro êxtase.
domingo, 12 de outubro de 2025
sexta-feira, 10 de outubro de 2025
Silêncio de Outono (3)
quarta-feira, 8 de outubro de 2025
Biografias 38. As que esperam
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| André Kertész, Waiting for the ship, Budapest, 1919 |
Há biografias que se organizam não à volta daquilo que se faz, mas daquilo que se espera. Para essas pessoas, nunca chega o tempo oportuno, pois todas as horas são de expectativa. Espera-se a chegada do barco, ou de um amor, ou de uma hora, mas o nem o barco, nem o amor, nem a hora chegarão. As que esperam começaram por confundir expectativa e esperança. Um dia, perceberam que a esperança não lhes cabia no alforge do destino. O seu lote era outro, o de nunca deixarem de ser as que esperam.
segunda-feira, 6 de outubro de 2025
Diálogos morais 72. A noite
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| Eugene Robert Richee, Louise Brooks, 1928 |
- ...
- Este silêncio, perturba-me.
- ...
- Estão todos calados, porquê?
- ...
- Talvez, não esteja aqui ninguém. Está aí alguém?
- ...
- Não está ninguém. Oiço um murmúrio. Será uma fantasia?
- ...
- Não. Estou só eu. Sou a rainha da noite,
- Não, não és a rainha da noite. A noite não tem reis nem rainhas.
- Quem está aí?
- A noite.
sábado, 4 de outubro de 2025
Silêncio de Outono (2)
quinta-feira, 2 de outubro de 2025
Câmara discreta (30)
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| Imogen Cunningham, Braille, 1933 |
Cegar a própria cegueira, ocultando-a dos olhos que vêem e perscrutam o que se resguarda nessa ausência de olhar, nessa fixidez que se prende ao infinito e à eternidade. Apenas as mãos se deixam capturar, enquanto desfilam pelo rio de signos que os olhos não sabem, mas que os dedos, como uma visão mais sólida e verrumante, descortinam, rasgando a mudez do pensamento, para lhe dar a esperança da palavra.
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