Salvador Dali, Angel, 1947 |
Carta ao anjo de fogo e asas de gelo,
anjo definitivo arrebatado pelo voo,
preso à pele das mulheres de domingo,
as que trazem ramos no sulco das mãos.
Frésias, violetas ornadas de âmbar e água,
o pão escuro com que cobrem a fome,
a morna poeira das praças de Laodiceia.
Percutida, existe uma rosa em tua face,
a terrível beleza de um anjo,
e sobre a sombra da rosa mergulham
olhares enviesados e venais.
O muro que nos separa é uma cicatriz,
a fronteira que aparta o éter cintilante
da lama trazida pelas chuvas de Janeiro.
Uma pétala cai sobre a orvalho do jardim.
A rosa desfolha-se como uma ave cantante,
perdida de ramo em ramo.
Anjo, pássaro esquivo nimbado de nuvens.
Anjo,
misericórdia divina no mar da ruína.
Eis que estou à tua porta e bato.
Até de madrugada, lutarei contigo.
Ferido trarei a luz e um outro nome
para que todos me reconheçam
no silêncio da noite e na mágoa de cada dia.
Depois, sobrevoarás as ruas de Laodiceia.
Com o olhar marcarás na carne salgada
o vigor da vida e o murmúrio da morte.
A rosa desfolhada reflorirá ao ritmo da luz
e a terrível beleza que alucina os homens
derramar-se-á no linho das mesas,
na face das mulheres esquecidas de si,
na cintilação dos olhos cansados do Inverno.
1993
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