quarta-feira, 5 de junho de 2013

Idolatria e emancipação

Odilon Redon - O Ídolo (1886)

Um dos elementos centrais do Antigo Testamento é o combate contra a idolatria. O Deus de Israel, na sua invisibilidade e irrepresentabilidade, exigia um esforço intelectual e um mergulho na fé, para os quais a população, muitas vezes, se mostrava incapaz. A visibilidade do ídolo e a apreensão intuitiva de uma figura tornavam, na economia da praxis religiosa, a idolatria mais acessível ao homem comum. Impossível de figurar e com uma elevada exigência moral, o Deus de Israel surgia ao povo eleito como qualquer coisa contra-intuitiva, quase como uma monstrusidade abstracta.

Afastados há muito da velha discussão entre os defensores da adoração de ídolos ou dos adoradores do Deus verdadeiro, não damos conta de que a idolatria está sempre pronta a renascer. Hoje não surge no campo religioso mas na vida profana, tornando-a, muitas vezes, ritualística e religiosa. As técnicas de marketing e de comunicação acabam por criar condições para que a nossa relação com os objectos, as pessoas e connosco se torne idolátrica. Não interessa saber quanto tempo dura o culto de um certo ídolo (por exemplo, do iPad ou do iPhone, do Cristiano Ronaldo, etc.), pois a morte de um ídolo significa apenas a sua substituição. 

A relação idolátrica - a fetichização de partes da realidade - é um dos processos mais eficazes de alienação contemporânea. Alienação no sentido exacto em que nos tornamos estranhos a nós próprios. É deste estranhamento a si mesmo que nascem outras alienações, nomeadamente as sociais, onde o indivíduo, seduzido pelo culto idolátrico, é incapaz de perceber as relações reais em que vive e olhar, fria e objectivamente, para o seu lugar na sociedade. Mas, é preciso sublinhar com veemência, a fonte de todas as alienações está no estranhamento relativamente à nossa dimensão espiritual, à negação do espírito, ao esquecimento que não somo apenas pura materialidade. Toda a emancipação espiritual é uma luta contra a idolatria, seja qual for a forma que ela tome, pois esta é a grande cilada onde o espírito incauto sucumbe.

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