domingo, 30 de setembro de 2012

Poemas do Viandante (370)

Claude Joseph Vernet - Mar tempestuoso (1748)

370. O ESTRANHO DESÍGNIO DE TRAZER O OCEANO COMIGO

O estranho desígnio de trazer o oceano comigo,
de escutar o mar na rebentação da noite,
de avistar na campina as velas que passam
na planície de água, a vinha nunca vindimada.
Essas são as minhas viagens: sonhar acordado
o Atlântico que de mim se afasta e se abre
para o mundo que o coração não quer amar.

Sou o navegador que se perdeu das águas,
fundeou no cais como numa perífrase,
e no meio de tantas palavras arpoou no silêncio,
para que, ao olhar a floresta, a força voltasse
e trouxesse com ela o espaço vazio
que se esconde na velha paliçada de sílabas,
a aurora em que o sentido se ergue no nascente.

Não sei já onde termina o espaço e começa
o tempo, a ondulação incerta trazida pelo vento,
a casa que abriga se chega a intempérie.
O poeta vive no dia em que o espaço e o tempo
se desintegraram, escura amálgama, lama
que mancha a alma, a cobre de detritos,
e, como se fora argila, se desfaz em pó.

Pertenço à estirpe dos poetas oceânicos,
aqueles a quem o destino decretou a cegueira,
homens que amam o mar mas vivem em terra,
rodeados de insectos e aves selvagens.
O farol roda no buraco vazio da noite,
ilumina as catedrais de pedra por um instante
e recolhe-se no espaço onde o tempo desapareceu.

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