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quinta-feira, 15 de dezembro de 2022

O sal do silêncio (93)

R. Köhnen, Alte Mühle, 1908
O silêncio que devora os anos traz nele um vocabulário escrito com o alfabeto da memória. São palavras sem vocação para serem proferidas, sem poder de serem inscritas na folha rasa do papel, palavras que ressoam no bater do coração, na circulação do sangue, no sal que tolhe o movimento da língua e abre o espírito para a ciência da eternidade.
 

segunda-feira, 31 de outubro de 2022

O sal do silêncio (92)

Frederick Boissonnas, Dans la Montagne, 1905

Naquele lugar ermo, um punhado de casas perdidas faz lembrar uma aldeia tomada pelo salitre dos dias. Envolvidas pelos cumes das montanhas, à espera da névoa, são ainda um sinal da presença. Não do homem, mas desse silêncio de onde nasce tudo aquilo que é decisivo.

quinta-feira, 29 de setembro de 2022

O sal do silêncio (91)

William Henry Fox Talbot, A Scene in a Library, 1844

Onde os livros dormem à espera de leitores vorazes que deles não se cansem, reina um silêncio adormecido pelo passar das horas. Um mundo sombrio feito de poeira e esquecimento, pensará quem dos livros não se aproxima, mas aqueles cujos olhos não se cansam das palavras pensarão que ali encontraram a cintilação da luz e o sal da vida.

terça-feira, 13 de setembro de 2022

O sal do silêncio (90)

Ferreira da Cunha, Praça do Príncipe Real, 1945 (AML)

O momento em que as praças são mais belas é aquele que combina o sal da ausência com o silêncio apenas maculado pelo vento e pelo cair outonal das folhas. Então, a beleza explode envolta num véu de melancolia e abre-se para que o olhar se deixe tomar pela cintilação da vida.

sexta-feira, 26 de agosto de 2022

O sal do silêncio (89)

Eugène Atget, Jardin du Luxembourg, 1902
O silêncio é uma terra distante perdida no país do passado. Nele, os homens habitam imersos na serenidade, cobertos pela certeza de que todo o ruído declinará na mais pura e mais desejada mudez. Sentam-se nos bancos de jardim e rodeados pela solidão sentem-se o sal da Terra.

terça-feira, 9 de agosto de 2022

O sal do silêncio (88)

F. Galifi Crupi, Taormina, antique Greek theatre, 1910s

Primeiro, chegou o silêncio. Veio em ondas gigantescas e arrastou para longe a voz dos actores, o aplauso do público, tragédias e comédias em que a vida se descobria e se ocultava. Depois, sobre as pedras veio o sal dos anos com o seu ofício de dissolução. Agora, restam ruínas de onde escorre o escárnio do esquecimento.

sexta-feira, 29 de julho de 2022

O sal do silêncio (87)

 P. Dittrich, Sphinx et Pyramide, 1880s

A esfinge olha o horizonte. Vê o desfiar dos dias, dos anos, dos séculos. Da sua boca, nem uma palavra se solta. Não é o seu destino, pensa, comentar os eventos que se sucedem sem parar. Há muito que descobriu no silêncio o sal de uma vida. 

quarta-feira, 13 de julho de 2022

O sal do silêncio (86)

Brett Weston, Forty-Seventh Street, New York, 1947
Há um silêncio que nasce da desmesura dos espaços, dessa arquitectura que brota de um velho rancor contra a humanidade. Ali, a vida perde todo o sal e reduz-se a ser apenas vida nua, na brutalidade que se esconde em toda a nudez de uma existência sem sabor.

sexta-feira, 1 de julho de 2022

O sal do silêncio (85)

Philipp Ritter Von Schoeller, Cécile, 1897
Esse momento em que o espírito se suspende e o corpo, mergulhado no silêncio, é tomado pelo temor da expectativa, esse momento em que um rumor trazido pelo vento anuncia um mundo novo que então se aproxima, esse momento em que um nome se rasga para que dentro da escura cegueira nasça a luz mais pura. Esse momento em que, após breve hesitação, tudo ganha o sal do sentido. 

quinta-feira, 23 de junho de 2022

O sal do silêncio (84)

Pierre Dubreuil, Marée Basse, 1904

Passam pequenos barcos impelidos pelo silêncio do vento, deixam na esteira aberta um sinal de saudade, a promessa de uma grande viagem. Os homens debruçam-se sobre as águas, procuram, na maré baixa, a sombra de uma lua, a promessa de um amanhã no trémulo sal de cada dia.

segunda-feira, 13 de junho de 2022

O sal do silêncio (83)

Francesca Woodman, Untitled, 1976
Há corpos em que a energia é tão intensa, que o sal da sua sombra se inscreve no solo, para que a memória nunca se apague quando o silêncio cair sobre o drama que é qualquer vida.

quinta-feira, 26 de maio de 2022

O sal do silêncio (82)

Ernst Müller, Tree Reflection, 1905
O ermo dos campos, com a sua solidão dourada, espera o viajante perdido, para lhe dar o silêncio infinito nascido das águas e da terra, para o coroar com os louros de quem chega, vindo de longe, a si mesmo, à sua verdadeira morada.

quarta-feira, 18 de maio de 2022

O sal do silêncio (81)

Léonard Misonne, Splendeur de la Boue, 1938

A cintilação da luz na lama ofusca os passos de quem tem um destino à sua espera. A revolta dos elementos é esquecida no silêncio da caminhada. Os olhos fixos na chegada, quem caminha nem olha a paisagem sombreada pela intempérie. Chegar é o sal que anima os que se fazem ao caminho.

domingo, 8 de maio de 2022

O sal do silêncio (80)

Lehnert & Landrock, Prayer in desert, c. 1920

O homem olha. A imensidão das areias do deserto é uma reminiscência da infinidade divina. Então, entrega o espírito ao silêncio, suspende o tumulto que lhe devora a alma e oferece, sob a inclemência do sol, o coração ao culto de Deus. No sal da memória, encontra o murmúrio da oração.

terça-feira, 26 de abril de 2022

O sal do silêncio (79)

Imogen Cunningham, Aiko’s hands, 1971
Há em todas as mãos uma inclinação para o gesto e um desejo de silêncio. Trazem na memória dos dedos os sinais que um dia anteciparam as palavras e fizeram da mudez a possibilidade de viver entre a folhagem das florestas e o sal do medo.
 

quarta-feira, 20 de abril de 2022

O sal do silêncio (78)

Harold Miller Null, Trulli, ca. 1970
Casas silenciosas inclinam-se lentamente para o centro de si mesmas. Da cal das paredes chegam, em murmúrios quase brancos, vozes que o tempo apagou, sinais fabricados com o coral e a seiva de quem partiu. Quando se entra nelas, sempre haverá uma garrafa de vinho para matar a sede ou uma sombra para o sono derramar sobre o corpo o resplendor do sossego.

quinta-feira, 31 de março de 2022

O sal do silêncio (77)

Edward Hartwig, Blossoming apple tree, from the Spring series

Na Primavera, o silêncio é a casa onde floresce a velha macieira. Entra por ele, como se fora um palácio, e espera que a memória da seiva, pontuada pelo sal dos anos, se transmute em flor, anunciação da dádiva, presença ausente do fruto. 

terça-feira, 15 de março de 2022

O sal do silêncio (76)

Otto Wunderlich, Casas Asturianas, 1920s

Há casas, velhas casas, salgadas pelo sal do tempo, pelo deslizar contínuo dos dias, dos trabalhos trazidos pelo passar das estações, pelo dedilhar do rosário dos anos. Nasceram entre a exuberância da alegria e a sonoridade da festa. Depois, os telhados escureceram, as paredes perderam a cal, e os homens entregaram-se ao desvario dos sonhos, até que o silêncio a tudo devorou.

terça-feira, 1 de março de 2022

O sal do silêncio (75)

Roberto Rive, Woman found in Pompei in 1875

As cinzas raptaram a mulher ao rumor da vida, preservaram-lhe o corpo para memória futura, entregando-o ao reino da pedra, dando-lhe a voz do silêncio e o sal do esquecimento.

quarta-feira, 16 de fevereiro de 2022

O sal do silêncio (74)

Otto Wunderlich, Sierra de Gredos (Tipos), España, 1920s
Há um silêncio que cai sobre os homens, envolvendo-os na sua teia, quebrando-se se o ruído rompe o círculo encantado de onde a sonoridade foi excluída. Depois, há um outro silêncio, aquele que, com o passar passar dos anos, se faz por dentro de cada um, até que as palavras são suspensas e tudo seja dito com a mudez estampada no salitre do rosto.