Dante Gabriel Rossetti - Venus Verticordia (1864-68)
354. DESDOBRAS-TE EM MIL APARÊNCIAS
Desdobras-te
em mil aparências,
essas velhas
fotografias que assinalam a minha
ausência,
perdido num mundo tão distante,
a amarga
consciência de te não saber,
as horas que
se tornaram dias, meses, a vida.
Ó pobre
epopeia da perdição,
resta-me o
desejo de te ter desejado,
nesses
tempos em que a chuva caía, o sol raiava,
e as
estações enfileiradas nos carris partiam,
umas atrás
das outras; nunca mais voltaram.
Pego na tua
face acabada de inventar
e
desenho-lhe olhos, boca, nariz,
para
contemplar a minha obra ao som da música
que se
estende sob a copa bravia dos céus,
enquanto a
violência do amor cresce,
estrondeia
nas células da minha alma
e abre-se,
flor de pétalas vermelhas cravejadas
de incenso,
a glória descarnada desta mão.
Rasgo-te a
carne com o sopro do sexo
e vejo o
sangue fluir sobre a pele,
um risco
insano e anémico traçado de luz,
um vale que
se abre para que o cirza de saliva,
e ali
construa a casa que me espera,
alicerces,
paredes, janelas, um telhado de erva,
aquele
jardim de anémonas pendendo na água,
a esperança
de adormecer na esquina do teu corpo.
Tinhas a
cegueira por nome e uma promessa
de floresta
bravia, arvoredos banhados de insectos,
a luz de um
anjo a saltar-te dos olhos,
e o corpo
vazio à espera da minha sombra.
Sai da
moldura onde te escondes e me evitas,
vem lábil e
eterna, luminosa e negra poisar nesta
cama, de
lençóis gastos e linho rasgado,
e deixa que imóvel
o teu corpo se entregue
ao desconcertado
zumbido do deus do amor.