311. TODAS AS PEQUENAS CIDADES QUE VISITÁMOS
todas as pequenas
cidades que visitámos
são portos
de abrigo ou enseadas amenas
aí esquecemos
o tumulto dos dias
as pragas
vindas do deserto
o meu
coração exíguo e sem dono ou destino
fórmulas
para ser feliz não existem
disseste
enquanto passavas a mão pelos cabelos
e a tarde
trazia um sol irrevogável
sentença
decisiva no curso dos astros
dor a
invadir-me a pele e a explodir no ventre
caminho a
teu lado preso na sombra
sou um
caminhante secreto
e tudo o que
me diz respeito é obscuro
e se
procuras um sentido para as minhas palavras
encontras a
luz vazia da contradição
cidades e
campos ou a pura montanha
tudo se
tornou indiferente
respiro o ar
e não sei se é o mar que oiço
ou o vento esquivo
da floresta
que me ateia
a imaginação e deflagra a palavra
crianças gritam
na paisagem
trazem nelas
a dor da vida e não o sabem
e tu continuas
na expectativa da minha existência
de o meu
corpo ser um corpo
e que te ame
segundo a norma que o hábito deu
sou apenas
as palavras que escrevo
desisti da
minha carne e dos meus ossos
abandonei os
sentidos e a paixão da razão
tudo se
resume a um léxico pobre
e a uma
frágil gramática de sintaxe suspensa
quando
cantam os pássaros nas árvores do jardim
cerro os
olhos e sonho com o dicionário
palavras a
seguir a palavras
o sentido
inquieto e mutável
o desejo do
teu sexo a abrir-se para mim
uso uma
adversativa se anoitece
e trazes nas
mãos uma taça de amoras silvestres
mas tudo em
ti se estende para o meu abraço
e eu olho-te
na incerteza de quem sou
e encontro
no fundo de ti a solícita âncora
naqueles
momentos em que tudo se suspende
quase oiço a
voz de deus
leve e
delida traça uma senda de palavras
e eu escrevo
pois o altíssimo fala no deserto
e não oiço o
que ele exausto me diz
toda a vida
amei a deus sobre todas as coisas
mas era em
cada coisa que o sentimento se fixava
nos olhos fugidios
que assaltavam os meus
ou naquela
face que se abria no seu mistério
e fascinado
me fazia sonhar com o jardim do éden
o rio da
minha vida nunca teve rumo
a jusante ou
a montante apenas a floresta
o barco que
me leva perdeu o barqueiro
deixou-me só
e sem remos
anjo
solitário e sem espada à porta do paraíso
poiso a
minha mão na delicadeza da tua
e sei que o
dia já foi mais claro
sorrio para à
luz dos teus olhos
e oiço o
crepúsculo a crepitar na vida
fogaréu na
fresta inútil que ilumina a clareira