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domingo, 10 de março de 2013

Sonetos do Viandante (16)

Claude Monet - Tempestad en Belle-Île (1886)

16. Sigo a sombra do relâmpago

Sigo a sombra do relâmpago
e oiço o cântico das aves.
Caminho estrada fora
sem destino e sem imagem.

Espero a voz da floresta,
o enigma da primavera,
o canto de uma sereia,
a esperança que me resta.

E se chegas com o vento
ou trazes as grandes chuvas,
deixo o tempo vagaroso

correr entre as minhas mãos.
Nelas das tuas haverá
a sombra e o frio silêncio.

sexta-feira, 22 de fevereiro de 2013

Sonetos do Viandante (15)

Paul Serusier - O Aguaceiro (1893)

15. Amo os dias taciturnos, amo a sombra

Amo os dias taciturnos, amo a sombra
E a chuva fria que trazem, amo a dor
Que com eles desaba, amo o sopro
Do vendaval e a cinza que se espalha.

Com esta melodia, faço canção
E traço pelo campo a fronteira,
Dessa pátria sem fogo nem futuro,
Casa de colmo, verde de saudade.

Quando a chuva cai, olho a janela
E a terra treme, fímbria luminosa
No veludo rasgado e frio do rosto.

De tudo o que amei, resta-me a penumbra
Que a tua voz desenhava nos dias pálidos,
O perfume vazio dos teus segredos.

sábado, 16 de fevereiro de 2013

Sonetos do Viandante (14)

Egon Schiele - Mulher com meias pretas (1913)

14. Esse teu ser de rosa desbravada

Esse teu ser de rosa desbravada,
Esse teu querer branco e silencioso,
Essa tua mão de seda iluminada,
Essa tua luz no dia breve e ocioso.

Tudo isso guardo na memória,
Horas longas, sombrias, horas perdidas,
Onde perder-me era fim, vitória,
Prazer secreto, ânsias desmedidas.

Infindável engano que aos mortais
Sempre traz o seu fruto envenenado.
Na fímbria da tua pele, os meus dedos

São sinal, são desejo de mais e mais
Querer esse teu ser embriagado,
Perdido na fria luz dos meus segredos.

sábado, 19 de janeiro de 2013

Sonetos do Viandante (13)

Luca Giordano - Orfeo e le Baccanti
 
13. Animal imperioso, sem destino

Animal imperioso, sem destino,
filho espúrio da terra, guardador
de todos os rebanhos desterrados,
protector desta casa de silêncio.

O vendaval que esperas há-de vir,
no tumulto da noite, na lembrança
dos dias em que cantámos a sombria
canção dos deserdados da fortuna.

Na mão terás de Orfeu a velha lira.
Desabarão palácios de cristal
ao som da melodia que nasce em ti.

Os rebanhos esperam-te, exaustos,
silenciosos, sem mácula no olhar.
Trazem nas mãos serpentes, luas e flores.

sábado, 12 de janeiro de 2013

Sonetos do Viandante (12)

Rubens - El Consejo de los Dioses (1621-25)

12. Este mar de silêncio abre a noite

Este mar de silêncio abre a noite
ao terror do sagrado. Exausto, calo-me
e espero o orvalho da manhã.
Escutamos os sinos, fria parábola

da vida que há-de vir. Um mundo pálido,
invernia sediciosa, a promessa
de um grande amor que nunca nascerá.
Quantos anos a vida cantarei?

Calemo-nos! Os gestos, os olhares,
o gélido silêncio são sinais,
bastam para contar a nossa história.

Um ramo de magnólias, um sorriso,
era tudo o que havia para te dar.
Os deuses chegam sempre muito tarde.

segunda-feira, 31 de dezembro de 2012

Sonetos do Viandante (11)

Edward Burne Jones - Amor entre las ruinas (1894)


11. De todas as palavras, uma basta

De todas as palavras, uma basta
para que nesta hora a vida valha
mais que a dor ou a raiva que nos tolhe,
mais que a alegria falsa derramada.

Esqueçamos os dias que se gastaram,
bebamos sem limite ao ano novo,
que disfarçado chega pela sombra,
onde o terror se esconde silencioso.

Não falemos de orvalhos nem de ventos,
não falemos de estios incendiados.
Procuremos a pálida palavra

que ao coração anima nestas horas,
verbo de seda e musgo que ao cantar
abre ao amor a rosa tão cansada.

sexta-feira, 30 de novembro de 2012

Sonetos do Viandante (10)

Albert Rafols Casamada - Viaje de noche (1981)
10. Escurece. Presságio desse reino

Escurece. Presságio desse reino
infestado de sombras, infestado
pelo terror aceso nessas mãos
que, assassinas, ardem pelos dedos.

Correm contaminados pela noite
rios cheios de solidão. Fantasmas pálidos
sussurram ao passar, querem a foz,
a luminosa lei do sal e luar.

Sombras prodigiosas deste mundo,
terras bravias e inóspitas calai-vos.
Deixem que a noite venha, flor sem pétalas,

caiar casas e muros, solidões
feitas de nuvens, pedras incendiadas,
o traço vagaroso, luz no mar.

segunda-feira, 26 de novembro de 2012

Sonetos do Viandante (9)

Theodore Gericault - O beijo (1922)

9. Esse toque de sombra, essa queda

Esse toque de sombra, essa queda
infinita no abismo silencioso.
O escárnio de falar, suprema dor
de estar vivo na treva que nos cobre.

Rasgo-te na memória uma ruga,
entro na terra aberta como um pássaro
e canto em cada hora a tua figura
no rumor incendiado pelo vento.

Sempre que o deus nos olha, tudo cai.
As certezas que tínhamos são cinza,
montanhas calcinadas no horizonte,

restos de fogo e areia sobre o mar.
Entrego-me ao destino nessas mãos
e espero em silêncio a fria noite.