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sexta-feira, 19 de fevereiro de 2021

A Sarça Ardente - 68

Paul Klee, Early Morning in Ro, 1925
Descalços, os pés
rasgam a areia.
Semeiam sulcos
para que os sigas
e no frágil fulgor
da aurora
inundes de luz
o sal destas mãos.

Fevereiro de 2021

 

domingo, 14 de fevereiro de 2021

A Sarça Ardente - 67

Manuel Ángeles Ortiz, Albaicín, 1956
Deixo o tempo flutuar e olho
o lento florir da rosa,
a pétala afastando-se
do coração,
à espera que outra a siga

como uma sombra acompanha
o demorado viajante
ao atravessar a vida
sem urgência para chegar ou

partir, sem bagagem
a sombrear-lhe o corpo
sem a perturbação trazida
pelo destilar do movimento
na escarpa do mundo.

Fevereiro de 2021

terça-feira, 9 de fevereiro de 2021

A Sarça Ardente - 66

Jorge Barradas, sem título, 1918
A sílaba que te floresce
na boca ateia-se
no fogo da palavra,
no incêndio da frase,
na sarça ardente,
onde cintila
o orvalho dos teus lábios
para salvação dos meus.

Fevereiro de 2021

quinta-feira, 4 de fevereiro de 2021

A Sarça Ardente - 65

Fernando Lerín, Sin título, 1985
Um prelúdio no clarão do amanhecer.
Os olhos inclinam-se para longe,
esperam a chegada do Outono
com os seus deuses de folhas mortas.

Vagaroso, soletro as letras do alfabeto,
componho palavras para as escrever
em farrapos de papel que deixarei
levedar na transparência do dia.

Dobrado sobre a véspera do que virá,
oiço o fluir dos murmúrios da rua,
o rastejar do desejo na sombra
do fogo vindo da várzea do vento.

Janeiro de 2021

sábado, 30 de janeiro de 2021

A Sarça Ardente - 64

Pier Luigi Lavagnino, Collina, 1954
Fogo sobre as falésias, um cântico
de pedra no rumor
da montanha.

A floresta ergue-se num manto
de verde e sombra
onde poisam os pássaros do Sul.

Uma palavra escapa-me dos lábios
e ecoa no vazio do vale,
na sonâmbula claridade do céu.

Janeiro de 2021

 

segunda-feira, 25 de janeiro de 2021

A Sarça Ardente - 63

Maxfield Parrish, Winter Sunrise, 1949
O frio trazido pelas aves
da madrugada
cai sobre o rumor dos campos.

A luz anuncia-se e solene
cobre os cumes
abertos ao mistério do dia.

Na volúpia do acordar
abro os braços
e ato-os ao êxtase da aurora.

Janeiro de 2021

quarta-feira, 20 de janeiro de 2021

A Sarça Ardente - 62

Claude Monet, Road to Louveciennes, Melting Snow, Sunset, 1870
O silêncio vem no alvoroço
do crepúsculo, nos ramos
das tílias,
na luminosa humidade
da relva a sangrar pela cidade.

Anjos de cetim pisam sombras,
se a tarde se inclina
para a mudez
nacarada das tuas mãos
erguidas na imensidão do poente.

Janeiro de 2021

 

sexta-feira, 15 de janeiro de 2021

A Sarça Ardente - 61

Jorge Barradas, Casario – Barquinha, 1922
Havia palavras como cântaros
e infusas, uma laranjeira
perdida no centro do quintal,
pequenos caminhos de tijolo,
um poço onde se escondiam
tesouros e mouras encantadas,
a água escura na luz da tarde.
Os dias nasciam e declinavam
ao som do bronze dos sinos
e todos os meus desejos
levitavam no lume da inocência.

Dezembro de 2020

 

domingo, 10 de janeiro de 2021

A Sarça Ardente - 60

Max Ernst, El bosque embalsamado, 1933
O bosque de cedros e ciprestes
fecha-se no silvo do silêncio,
uma vidraça de verde
sob a inclemência das chuvas.

Uma mulher atravessa a praça,
leva o enxoval da vida
preso num saco de compras,
entra no limbo da lavandaria.

A vida saltita como uma rã perdida
nas águas paradas do charco,
coaxa no tumulto da tarde
e espera no enigma do calendário.

Dezembro de 2020

terça-feira, 5 de janeiro de 2021

A Sarça Ardente - 59

Lowell Birge Harrison, Christmas Eve
O Natal consumou-se
entre o fogo do desejo
e a esperança
tocada pelo cristal
das esferas celestes.

Os dias voltam a crescer
e a natureza cuida
que uma rosa
de vinho se abra
na água do silêncio.

Dezembro de 2020

quinta-feira, 31 de dezembro de 2020

A Sarça Ardente - 58

Adolf Gustav Schweitzer, Winter Landscape with Brushwood Gather
Dezembro veste-se de vésperas
e deixa os pés pisar
a cal dos caminhos.

Passa entre ruas antigas
e escuta a voz
dos que ali fizeram morada.

O fumo do passado rumoreja
em volutas de seda,
em céu de brancura azul.

Dezembro arrasta o peso dos dias
e traz uma estrela
para cintilar no ano que há-de vir.

Dezembro de 2020

sábado, 26 de dezembro de 2020

A Sarça Ardente - 57

Emil Nolde, Entardecer de Outono, 1924
Aproxima-se o solstício
de Inverno.
Os dias diminuem
para que a noite cresça
sobre as heras
do muro da madrugada.

Um vento suave desliza
das estrelas,
empurra as folhas caídas
para o recato
do pensamento,
para o murmúrio da melancolia.

Dezembro de 2020

segunda-feira, 21 de dezembro de 2020

A Sarça Ardente - 56

Hafidh Al-Droubi, Harmony in Blue, 1966
A vagarosa inocência
do crepúsculo
cobre a cidade
com sílabas de luz
presas ao aroma do poente.

A noite fende a muralha
do dia e lança
os seus exércitos
de erva
sobre a placidez das praças.

De carro, os novos Atridas
voltam a casa,
para a incerteza
da felicidade,
para a segurança da sorte.

Dezembro de 2020

quarta-feira, 16 de dezembro de 2020

A Sarça Ardente - 55

Alexander Rothaug, Curse
A melodia do silêncio
bate à porta
e entra pela casa
do crepúsculo.

Escuto-a na lonjura
do oceano,
no pássaro poisado
no coral da cerejeira.

Danço-a na leveza
da manhã,
se as mãos te tocam
na argila do coração.

Novembro de 2020

 

sexta-feira, 11 de dezembro de 2020

A Sarça Ardente - 54

Júlia Ventura, Geometrical reconstructions and figure with roses #5, 1987
Espero-te na casa da harmonia,
o areal coberto de limos,
o lume a fulgurar
na montanha da memória.

Os dias são aves apressadas,
esquecidas do ninho
onde deixaram os ovos
a incubar o fruto do futuro.

Senta-te no carrossel do tempo.
Ouve a música da terra
e leva aos lábios a taça
de onde escorre o vinho do vento.

Novembro de 2020

domingo, 6 de dezembro de 2020

A Sarça Ardente - 53

James Thomas Watts, A Misty Autumn Morning (near North Wales)
Despedimo-nos da embriaguez
de cores do Outono
e entramos na sonolência
de cinza do Inverno.

Os dias deslizam de solstício
em solstício.
A terra revolve-se para trazer
um rasto de sal e fogo ao coração.

Na língua, descobrimos palavras
com que dizemos
o fulgor do que passa
na cintilação suave do silêncio.

Novembro de 2020

terça-feira, 1 de dezembro de 2020

A Sarça Ardente - 52

Thomas Girtin, Sunrise on the Sea
A noite desfralda as velas
e zarpa para o porto
da manhã.

Navega sobre as vagas
da tentação
no rumorejo das trevas.

A lua ilumina o caminho,
o silvo cintilante
dos primeiros raios de sol.

Novembro de 2020

 

quinta-feira, 26 de novembro de 2020

A Sarça Ardente - 51

Lev Lvovich Kamenev, Fog. Red pond in Moscow in autumn, 1871
Sentam-se na sombra
dos salgueiros.
Pensam no primeiro
amor, na água lustral
e nas promessas
idas no rigor da invernia.

Tocam o instante de luz
em que o coração
vibrou virginal
e ateou um fogo
na paisagem
silvestre do sentimento.

Meditam nas árvores
levadas pelo tempo,
no banco vazio
onde o amor cantava
a finitude
de tudo o que é eterno.

Novembro de 2020

sábado, 21 de novembro de 2020

A Sarça Ardente - 50

Manuel Cargaleiro, sem título, 1961
O lume foi aceso, a mesa posta.
Os dias são longos anos
de mãos abertas
para a vereda azul do Natal.

O hálito do Outono arrefece.
Dos teus lábios saem
palavras colhidas no rosário
da memória lavrada pelo silêncio.

A noite inclina o corpo para o fogo.
O crepitar da madeira,
faúlhas como pássaros ébrios,
a porta fechada para o frio da rua.

Novembro de 2020

segunda-feira, 16 de novembro de 2020

A Sarça Ardente - 49

Jesús María Cormán, 2.3 Richter Scale, 2001

A folha pálida da madrugada 
chega trazida 
pelo uivo virginal do vento. 

Pássaros sem nome desenham 
cornucópias invisíveis 
na névoa presa ao nascente. 

Alguém deixa cair um copo, 
e a praça ilumina-se 
no tilintar trepidante do vidro. 

Novembro de 2020