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sexta-feira, 22 de abril de 2022

Impressões 96. Transfiguração

Edward Hartwig, Untitled, 1970s

De súbito, o revérbero transfigura a paisagem. Árvores e campos deixam de ser simples árvores e campos, mas uma hierofania nascida do casamento entre a luz e a sombra, a manifestação de uma realidade totalmente outra por dentro da mais trivial das realidades.

segunda-feira, 4 de abril de 2022

Impressões 95. A sombra da nudez

Frantisek Drtikol, Nude with shadow, 1930s
A força do hábito traz-nos para dentro da cegueira. Fascinados pela nudez, para a qual os olhos se sentem sempre e de imediato impelidos, não vemos nela a sombra que é, a projecção do que, nela se manifestando, está muito para além do corpo desvelado, como uma velha cicatriz desoculta uma dor há muito esquecida.

segunda-feira, 21 de março de 2022

Impressões 94. Sobreposições e entrelaçamentos

Frederick Sommer, Venus, Jupiter and Mars, 1949
A realidade - ou aquilo a que damos esse nome - estará longe de ser unívoca. Será composta por múltiplas camadas que ora se sobrepõem, ora se entrelaçam, num jogo que provoca nos homens as mais discordantes impressões. Por vezes, pergunta-se o que será real. Talvez a resposta deva ser que tudo é real, incluindo ilusões, fantasias e quimeras. São reais as sereias e os antigos deuses. Vivem nas nossas impressões, as que dão conta das múltiplas camadas sobrepostas e as que manifestam os infinitos entrelaçamentos.

segunda-feira, 7 de março de 2022

Impressões 93. Noite

Joan Fontcuberta, La Nuit, 1972
A noite cobre de escuridão a paisagem fremente da floresta. Traz-lhe o mistério, a inquietação, a comovida surpresa de uma mulher perdida no silêncio, salva pela névoa do luar.

terça-feira, 22 de fevereiro de 2022

Impressões 92. Luz na floresta

Leonard Missone, Sunlight in a forest, 1929

Os raios de sol  penetram no silêncio da floresta, invadem árvores e arbustos, tornam resplandecente o verde das folhas, abrem o coração do observador ao canto dos pássaros, à incerteza de quem já não sabe distinguir entre luz e sombra, entre a matéria viva e a luz fulgurante. 

sábado, 12 de fevereiro de 2022

Impressões 91. Realidade

Harry Callahan, Eleanor, Chicago, 1952

A massa extravagante da realidade só a muito custo parece estar dotado de contornos, essas finas fronteiras que têm o condão de separar os seres uns dos outros, como se entre eles existisse um frio abismo. Depois, tudo se confunde, as coisas perdem as suas margens e contaminam-se, como se se abrissem umas às outras em busca da unidade originária de onde o tempo as retirou.

sexta-feira, 14 de janeiro de 2022

Impressões 90. Neve

Burk Uzzle,  Winter Park, Central Park, NYC 1960

Eis a lívida claridade da neve, a que tudo transforma em mero esboço, como se a realidade perdesse a definição dos contornos e iniciasse a demorada viagem de diluição de si mesma. Perante a exuberância da brancura revestida com a glória do resplendor, a cidade não é mais que uma leve impressão, o vestígio de uma memória à beira de mergulhar no grande lago do esquecimento.

terça-feira, 4 de janeiro de 2022

Impressões 89. Tempo

Alex Teuscher, Time neverending, 2010
A linha do tempo. Ao ouvir a expressão, logo se imagina uma seta disparada do passado, voando em direcção ao futuro, uma linha recta interminável. O tempo humano, porém, pouco tem a ver com essa experiência. Avança, mas também parece voltar a um ponto anterior, num esforço de recapitulação. O eterno retorno do mesmo, porém, não deixa de ser uma ilusão. O melhor símbolo para a impressão que o tempo produz no espírito dos homens será a espiral. Conjuga progresso e retorno e, se olhada com atenção, manifesta o carácter abissal do tempo.

domingo, 12 de dezembro de 2021

Impressões 88. Luz

Thomas Hoepker, Inside the Pantheon. Rome, Italy, 1984

Também na obscuridade se encontra o divino. Basta que a luz irrompa e abra uma clareira na densa floresta das trevas. Nesse choque entre o claro e o escuro, entre a luminosidade e a cerração, de súbito manifesta-se a voz de uma alteridade radical pela qual se pode reconhecer a marca daquilo que é divino.

quarta-feira, 1 de dezembro de 2021

Impressões 87. Néon

Alfred Eisenstaedt, Decorative multiple exposure of neon signs at night, 1937
Nada mais equívoco do que o néon na noite. Anuncia-se com mais pura e luminosa das luzes e não passa de uma emanação exuberante daquilo que nas trevas há de mais obscuro.

segunda-feira, 25 de outubro de 2021

Impressões 86. Outono

Benet Sarsanedas, Otoño

O Outono nasce de dentro da cor, é fruto da explosão cromática que tinge as paisagens e fere de espanto os olhos incautos. É assim que uma estação que abre o caminho aos rigores do Inverno cativa os corações e os faz desejar a vida como um eterno Outono.

sábado, 7 de agosto de 2021

Impressões 85. Rios

Dórdio Gomes, O rio Douro, 1935
Rios são espelhos onde os céus e terra se olham. Neles tudo se reflecte, a alegre exuberância da luz solar, a tristeza da neblina, a utilidade do casario, a sombra das árvores, o mistério da lua, a ameaça da tempestade. Um rio é um sinal onde a vida se mostra para melhor se ocultar.

segunda-feira, 2 de agosto de 2021

Impressões 84. Rasto sombrio

António Areal, Opus n.º 59, 1963

Um torvelinho de ervas secas vistas ao longe. Talvez uma imagem do aparelho neuronal com os seus jogos sinápticos. Uma tempestade no mar captada por uma velha máquina fotográfica. O turbilhão indiferenciado e caótico que liga o nada ao ser. Como tudo na realidade se confunde e, na mais diferenciada diferença, se encontra o idêntico, esse rasto sombrio da unidade primordial.

quarta-feira, 14 de julho de 2021

Impressões 83. Reflexos da eternidade

Edward Weston, Near Neshanic, New Jersey, 1941

Há lugares onde o tempo parece ter suspendido o seu caminho. Neles reflecte-se a eternidade. São paisagens sóbrias que se escondem dos olhares ímpios, incapazes de perceber a sacralidade que ali se manifesta, o que por detrás da natureza e da humanidade espreita através delas. 
 

terça-feira, 29 de junho de 2021

Impressões 82. A paisagem agreste

Albert Gleizes, Paisaje, 1914

De súbito a paisagem fende-se, o olhar geometriza-se e aquilo que o hábito dava a ver como a realidade torna-se agora numa impressão. Não numa mera impressão difusa, de contornos esbatidos como se fosse um esboço, mas uma impressão viva de arestas cortantes, agrestes, prontas para fazer sangrar o incauto que entre sem permissão pela paisagem dentro.

terça-feira, 25 de maio de 2021

Impressões 81. A presença encarnada

André Kertész, Soldier writing, Gorz, Austria (now Italy), 1915
Nesse acto de escrever uma carta, suspende-se a única realidade que assombra um soldado em tempo de guerra. Nesta, a morte não é uma abstracção que por vezes toma corpo em alguém conhecido. Ela é a presença encarnada de cada hora.

terça-feira, 11 de maio de 2021

Impressões 80. Uma estranha realidade

Júlio Pomar, Campinos, 1963

O touro e o cavalo nunca deixam de exercer um estranho fascínio sobre o espírito dos homens. Talvez a leveza de um e força do outro sejam o segredo dessa atracção. Tudo isso se intensifica quando, numa largada, os campinos, presos às selas, conduzem uma manada de touros. Olha-se e não se vê nada mais que uma onda de poeira e de vultos, como se homens, terra e animais não fossem senão uma única realidade tomada pela vertigem do infinito e pelo desejo do absoluto.

sábado, 10 de abril de 2021

Impressões 79. Figuras insones

José Dominguez Alvarez, Casario e figuras de um sonho

Figuras insones e ao mesmo tempo perdidas dentro de um sonho erguem-se no silêncio da praça. Se caminham, fazem-no lentamente, como se o tempo se retraísse na sua marcha. Se param, olham para lado nenhum. Das suas bocas não nascem palavras. Dos seus olhos, não vem qualquer brilho. Reúnem-se e depois separam-se, sem que nenhuma perceba a razão de uma e de outra coisa. Todas pensam estar rodeada de fantasmas. Tremem, se um pássaro poisa no ramo nu das árvores.

segunda-feira, 29 de março de 2021

Impressões 78. Do poente à aurora

Falcão Trigoso, Poente Algarvio, 1913

A espuma do dia dissolve-se na luz do poente. Depois, chegará o pântano do crepúsculo, feito de ardis e equívocos. Por fim, será a hora da noite, onde tudo o que existiu durante o dia se dissolve no nada e espera a vinda da aurora, com as sua promessas de luz eterna, para que ganhe contornos e regresse à ao mar azul da vida.

segunda-feira, 22 de março de 2021

Impressões 77. Dos objectos mecânicos

Martien Coppens, Textile Machine, 1950s

Há perante tudo o que é mecânico um duplo sentimento. Em primeiro lugar, espanto pelo poder da engenharia, pela precisão da técnica, pela perfeição do movimento, pela geometria com que os artefactos se dão a ver. Depois, a decepção da sua frieza e, mais do que tudo, pela obsolescência que logo se manifesta em qualquer mecanismo.