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quarta-feira, 9 de setembro de 2020

Diálogos morais 45. O dever

Bernardo Marques, Despedida de soldado, 1920
- Vais-te embora?
- O dever chama-me.
- O dever?
- Sim. O dever militar.
- Demoras muito?
- Não sei.
- Quando tiver saudades e te chamar, voltas?
- Tu não és o dever.

sábado, 29 de agosto de 2020

Diálogos morais 44. Leitura

Henri Fantin-Latour, A leitura, 1870
- Escuta...
- Sou toda ouvidos, mas...
- A sério, vais gostar, tenho a certeza.
- Não tens falta de certezas, ou não fosses a irmã mais velha.
- Pára com essas coisas, apenas quero proporcionar-te um pouco de prazer.
- Imagino, aliás nunca é outra coisa que queres proporcionar.
- É uma passagem brilhante.
- O problema é esse. De tão brilhante, ainda me ofusca e eu fico cega.

domingo, 16 de agosto de 2020

Diálogos morais 43. Expectativa

Emmerico Nunes, sem título, 1913
- O que estás a fazer deitado no chão?
- Chiu! Não quero acordar-te.
- Não vês que já acordaste.
- Não, não vejo nada.
- Pois não.
- Não passas de uma fingida.
- Como?
- Finges que estás a dormir para me expiar.
- Estás bêbado. Para te expiar? Ora... Ora...
- Sim, para que mais haveria de ser?
- Para ver se restou alguma coisa para mim.

sábado, 25 de julho de 2020

Diálogos morais 42. Falta de sono

Alfred Eisenstaedt, Woman napping among lunchtime
loungers relaxing at base of statue at New York Public Library, 
1944
- Queres um bolo?
- Sim, obrigado.
- O que tem ela para se isolar?
- Está a dormir.
- Estará a fazer dieta?
- Também devíamos, a continuar assim ninguém olha para nós.
- Não podemos fazer.
- Não?
- Não temos sono.

domingo, 12 de julho de 2020

Diálogos morais 41. Mudanças de cor

Emil Nolde, Blue Couple (in Profile) in Sidelight
- Em que estás a pensar?
- Em nada.
- Então porque ficaste vermelha?
- Uma ilusão provocada pela lua.
- Pensava que...
- Não tens que pensar em nada.
- Não posso?
- Não.
- Com tanto não, não admira que tenhamos ficado azuis.

sexta-feira, 12 de junho de 2020

Diálogos morais 39. Perfeição

Garry Winogrand, Austin, Texas, 1974
- O que aprendemos nós com os antigos? 
- A perfeição da imobilidade.
- Então, por que motivo nos movemos constantemente?
- Queremos chegar à perfeição.
- Como, se estamos continuamente mobilizados, em movimento?
- Procuramos o lugar...
- O lugar, qual lugar?
- O lugar onde a perfeição nos imobilizará.

segunda-feira, 11 de maio de 2020

Diálogos morais 38. Abandono

Hans Baumgartner, Limmatquai in Zürich. 1938
- Chega, larga-me!
- Não vás, peço-te.
- Inútil implorar. Cansas-me.
- O que posso fazer?
- Nada.
- Nada? Não, vem comigo.
- ...
- Eu levo-te.
- De bicicleta?

sexta-feira, 1 de maio de 2020

Diálogos morais 37. A recusa

Mac Adams, Mystery #17, 1976
- Vens comigo?
- Por que razão haveria de ir contigo?
- Não estás aqui para isso?
- Há limites para tudo, até eu tenho os meus limites.
- Não terei problemas em tornar a compensação mais interessante.
- Dispenso eufemismos.
- Diz o teu preço.
- Esquece, nunca acompanharia ninguém com umas botas dessas.

terça-feira, 7 de abril de 2020

Diálogos morais 36. O tempo

Constantine Manos, Shepherds with goat. Crete, Greece, 1964
- O que esperas?
- Que o tempo passe.
- Não é isso que ele faz continuamente?
- Nem sempre.
- Nem sempre?
- O tempo existe para nos contrariar. Quanto mais desejamos que passe, mais ele permanece imóvel.
- Não é verdade, olha um  relógio. Não brinca com o nosso desejo, avança indiferente e inexorável.
- Um relógio não é o tempo.

quarta-feira, 18 de março de 2020

Diálogos morais 35. Simbolismo

Ansel Adams, Church and Abandoned Automobile, Tiburon, California, 1957
- Estranho simbolismo este.
- É verdade, a ruína de um carro abandonado.
- E uma Igreja nova neste descampado.
- Terrível é o medo.
- É verdade.
- Mal bate à porta, logo nos esquecemos dos ídolos.

terça-feira, 10 de março de 2020

Diálogos morais 34. O guerreiro

Alfred Eisenstadt, Soldier says goodbye at Penn Station, New York, 1944
- Tenho tanto medo.
- Não te preocupes, não morrerei.
- Como sabes, a guerra...
- Eu fui feito para a guerra.
- E isso protege-te de quê?
- Como uma mãe, também a guerra protege os seus.
- Não brinques.
- Falo a sério. Sem eles o que seria dela?

quarta-feira, 19 de fevereiro de 2020

Diálogos morais 33. Loucos

Imogen Cunningham, Cemetery in France, 1961
- Estou a enlouquecer, ao vir aqui.
- Também eu.
- Não. Tu estás morta e os mortos não enlouquecem.
- Não?
- Os vivos, sim. Começam a falar com os mortos.
- E isso é sinal de loucura?
- Sim, os mortos não existem.
- Então também eu enlouqueci.
- Não é possível, estás morta.
- Estou, mas falo com um vivo e aqui os vivos não existem.

terça-feira, 11 de fevereiro de 2020

Diálogos morais 32. Anjos

Ilse Bing, Chairs with Leaves, Luxembourg Gardens, Paris, 1952
- A cadeira está vazia, podes sentar-te.
- Vazia? Não me parece.
- Ninguém a ocupa.
- Estás enganada.
- Enganada? Só vejo folhas mortas.
- São anjos cansados.
- Não brinques, anjos disfarçados de folhas? 
- Sim, fazem-se de mortos.
- Para quê?
- Para não caírem em tentação.

terça-feira, 7 de janeiro de 2020

Diálogos morais 31. O convite

Helmut Newton, Fashion photography, 1975
- Esperam-me.
- Desculpe, deve estar equivocada.
- Recebi o convite.
- Não enviei qualquer convite.
- Não foi você, foi...
- Essa sou eu e não convidei ninguém.
- Você, nessas roupas?
- Se não lhe agradam, posso vestir outras, mas não a convidei.

terça-feira, 24 de dezembro de 2019

Diálogos morais 30. O lugar

Meister der Palastkapelle in Palermo, Mosaiken der Capella Palatina in Palermo, Szene - Christi Geburt, c. 1150
- Será possível que tenha sido assim?
- Assim, o quê?
- A encarnação de Deus, o Menino ter vindo ao mundo num estábulo.
- Em que outro lugar poderia ser?
- Não sei, mas logo num sítios desses, com um burro e uma vaca a assistir. Não é possível.
- Se não foi, é bom que daqui para o futuro seja sempre assim.

sexta-feira, 6 de dezembro de 2019

Diálogos morais 29. Sentido

Josef Sudek, St. Vitus cathedral, Prague, Czech Republic, ca. 1926-27
- Para que serve tudo isto?
- Para nada.
- A vaidade dos homens ou o medo perante o desconhecido.
- Está enganado. 
- Não me disse que tudo isto não serve para nada?
- Disse, mas aqui fui baptizado, aqui casei. Aqui baptizei os meus filhos e os meus netos.
- E precisava disso para viver a sua vida?
- Não, mas talvez a vida só ganhe sentido pelas coisas que não servem para nada.

segunda-feira, 2 de dezembro de 2019

Diálogos morais 28. Equívocos

Alfred Stieglitz, Shadows in Lake, 1916
- Somos nós?
- Talvez.
- Queria perguntar se era a nossa sombra.
- Queria responder que talvez fôssemos mesmo nós.

segunda-feira, 18 de novembro de 2019

Diálogos morais 27. Complicar

Brassaï, Bal Musette des Quatre-Saisons, Rue de Lappe, c.1932

- Vamos sair?
- Daqui?
- Sim.
- Mas a nossa saída não era precisamente vir aqui?
- Bem, era...
- Ou estás a tentar-me?
- Não compliques.
- E por que razão hei-de facilitar?

segunda-feira, 4 de novembro de 2019

Diálogos morais 26. O bem e o mal

Garry Winogrand, Los Angeles, 1964
- Não dizes nada?
- ...
- Quem julgas que és?
- Cala-te, por favor.
- Por que hei-de calar-me?
- Parto-te o nariz outra vez.
- Achas bem?
- O teu mal é o meu bem.

quarta-feira, 9 de outubro de 2019

Diálogos morais 25. Olhar para trás

Rodney Smith, Elena and Jessie, 1999
- Não olhes para trás.
- Porquê?
- Ela está a espiar-nos.
- Sim, é a maneira de a apanharmos em flagrante.
- Nem pensar, é um perigo.
- ...
- Se olharmos para trás, transforma-nos em estátuas de sal.