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terça-feira, 5 de janeiro de 2021

A Sarça Ardente - 59

Lowell Birge Harrison, Christmas Eve
O Natal consumou-se
entre o fogo do desejo
e a esperança
tocada pelo cristal
das esferas celestes.

Os dias voltam a crescer
e a natureza cuida
que uma rosa
de vinho se abra
na água do silêncio.

Dezembro de 2020

quinta-feira, 31 de dezembro de 2020

A Sarça Ardente - 58

Adolf Gustav Schweitzer, Winter Landscape with Brushwood Gather
Dezembro veste-se de vésperas
e deixa os pés pisar
a cal dos caminhos.

Passa entre ruas antigas
e escuta a voz
dos que ali fizeram morada.

O fumo do passado rumoreja
em volutas de seda,
em céu de brancura azul.

Dezembro arrasta o peso dos dias
e traz uma estrela
para cintilar no ano que há-de vir.

Dezembro de 2020

sábado, 26 de dezembro de 2020

A Sarça Ardente - 57

Emil Nolde, Entardecer de Outono, 1924
Aproxima-se o solstício
de Inverno.
Os dias diminuem
para que a noite cresça
sobre as heras
do muro da madrugada.

Um vento suave desliza
das estrelas,
empurra as folhas caídas
para o recato
do pensamento,
para o murmúrio da melancolia.

Dezembro de 2020

segunda-feira, 21 de dezembro de 2020

A Sarça Ardente - 56

Hafidh Al-Droubi, Harmony in Blue, 1966
A vagarosa inocência
do crepúsculo
cobre a cidade
com sílabas de luz
presas ao aroma do poente.

A noite fende a muralha
do dia e lança
os seus exércitos
de erva
sobre a placidez das praças.

De carro, os novos Atridas
voltam a casa,
para a incerteza
da felicidade,
para a segurança da sorte.

Dezembro de 2020

quarta-feira, 16 de dezembro de 2020

A Sarça Ardente - 55

Alexander Rothaug, Curse
A melodia do silêncio
bate à porta
e entra pela casa
do crepúsculo.

Escuto-a na lonjura
do oceano,
no pássaro poisado
no coral da cerejeira.

Danço-a na leveza
da manhã,
se as mãos te tocam
na argila do coração.

Novembro de 2020

 

sexta-feira, 11 de dezembro de 2020

A Sarça Ardente - 54

Júlia Ventura, Geometrical reconstructions and figure with roses #5, 1987
Espero-te na casa da harmonia,
o areal coberto de limos,
o lume a fulgurar
na montanha da memória.

Os dias são aves apressadas,
esquecidas do ninho
onde deixaram os ovos
a incubar o fruto do futuro.

Senta-te no carrossel do tempo.
Ouve a música da terra
e leva aos lábios a taça
de onde escorre o vinho do vento.

Novembro de 2020

domingo, 6 de dezembro de 2020

A Sarça Ardente - 53

James Thomas Watts, A Misty Autumn Morning (near North Wales)
Despedimo-nos da embriaguez
de cores do Outono
e entramos na sonolência
de cinza do Inverno.

Os dias deslizam de solstício
em solstício.
A terra revolve-se para trazer
um rasto de sal e fogo ao coração.

Na língua, descobrimos palavras
com que dizemos
o fulgor do que passa
na cintilação suave do silêncio.

Novembro de 2020

terça-feira, 1 de dezembro de 2020

A Sarça Ardente - 52

Thomas Girtin, Sunrise on the Sea
A noite desfralda as velas
e zarpa para o porto
da manhã.

Navega sobre as vagas
da tentação
no rumorejo das trevas.

A lua ilumina o caminho,
o silvo cintilante
dos primeiros raios de sol.

Novembro de 2020

 

quinta-feira, 26 de novembro de 2020

A Sarça Ardente - 51

Lev Lvovich Kamenev, Fog. Red pond in Moscow in autumn, 1871
Sentam-se na sombra
dos salgueiros.
Pensam no primeiro
amor, na água lustral
e nas promessas
idas no rigor da invernia.

Tocam o instante de luz
em que o coração
vibrou virginal
e ateou um fogo
na paisagem
silvestre do sentimento.

Meditam nas árvores
levadas pelo tempo,
no banco vazio
onde o amor cantava
a finitude
de tudo o que é eterno.

Novembro de 2020

sábado, 21 de novembro de 2020

A Sarça Ardente - 50

Manuel Cargaleiro, sem título, 1961
O lume foi aceso, a mesa posta.
Os dias são longos anos
de mãos abertas
para a vereda azul do Natal.

O hálito do Outono arrefece.
Dos teus lábios saem
palavras colhidas no rosário
da memória lavrada pelo silêncio.

A noite inclina o corpo para o fogo.
O crepitar da madeira,
faúlhas como pássaros ébrios,
a porta fechada para o frio da rua.

Novembro de 2020

segunda-feira, 16 de novembro de 2020

A Sarça Ardente - 49

Jesús María Cormán, 2.3 Richter Scale, 2001

A folha pálida da madrugada 
chega trazida 
pelo uivo virginal do vento. 

Pássaros sem nome desenham 
cornucópias invisíveis 
na névoa presa ao nascente. 

Alguém deixa cair um copo, 
e a praça ilumina-se 
no tilintar trepidante do vidro. 

Novembro de 2020

quarta-feira, 11 de novembro de 2020

A Sarça Ardente - 48

Adelaide Cad’Oro, sem título, 1983
Os lódãos oscilam
presos na poeira
do silêncio.

Sombras suspensas
dançam no ouro
do lusco-fusco.

Um pássaro poisa
num ramo,
e a terra treme.

Ondula a noite,
se uma folha cai
rente ao regaço.

Outubro de 2020

sexta-feira, 6 de novembro de 2020

A Sarça Ardente - 47

René Bertholo, Pintura, 1959

Um prelúdio de pólen e poeira vibra
na música vacilante
nascida na teia do tempo.

Atmosferas de prata e néon,
o rasto de um cometa,
estrelas à deriva na esfera celeste.

Sobre a relva do jardim, salgueiros
pendem para o leito
onde salobra dorme a água da solidão.

Outubro de 2020

domingo, 1 de novembro de 2020

A Sarça Ardente - 46

Fernando Calhau, S/Título #706, 1967
Aos domingos, as aparências
descem pelos olhos,
vêm vestidas de seda e sombra.

Seres de sisal desfilam em cortejo
diante da comoção
de espectadores sem fé.

No céu, as constelações irradiam
uma luz lenta, demorada,
ondas de sal sobre as rosas.

A cidade sonâmbula espera
pelo cristal de um deus,
vindo no resplendor do meio-dia.

Outubro de 2020

terça-feira, 27 de outubro de 2020

A Sarça Ardente - 45

Caspar David Friedrich, Autumn, 1826
Os domingos de Outono
deslizam na tristeza
das folhas secas
a tilintar nas tílias.

Trazem uma canção
de água
fervida pelo fogo
do vento ao crepúsculo.

Nos jardins, a inocência
dos anjos cintila,
se uma pétala voa
na luz do firmamento.

Outubro de 2020

quinta-feira, 22 de outubro de 2020

A Sarça Ardente - 44

António Carneiro, Paisagem – Leça da Palmeira, 1905
De que fonte nasce
a servidão do segredo?

De que luz sopra
a virgindade do vento?

De que oceano chega
a palidez dos pássaros?

De que lume se ateia
o ouro do Outono?

De que água se veste
a rudeza do relâmpago?

Eis a sílaba onde cintila
o silvo da sombra.

Outubro de 2020

sábado, 17 de outubro de 2020

A Sarça Ardente - 43

Fernando Roscubas y Vicente Roscubas, El Sol del Membrillo, 1994
Um rumor rente à terra
anuncia o Sul.

Paisagens secas,
esquecidas
pelo orvalho do desejo,
abandonadas
ao vento da melancolia,
agrilhoadas
ao incêndio do cansaço.

Terra nua, despida
da erva matinal dos bosques.

Setembro de 2020

segunda-feira, 12 de outubro de 2020

A Sarça Ardente - 42

António Areal, Opus II - n.º 21, 1961
Sou o cavaleiro esquecido
na floresta da noite.

Sou o cão que corre
na fímbria dos teus dedos.

Sou o anjo mudo
a dançar-te na luz do desejo.

Setembro de 2020

 

quarta-feira, 7 de outubro de 2020

A Sarça Ardente - 41

Francesca Woodman, Untitled, 1977
Refaço a memória azul
de onde deslizam
os teus olhos,
labareda nascida
no ocaso de Junho,
fragmento de vidro
a reverberar na rua.

Eram os dias
em que chegavas
vinda da luz do litoral.
Carregavas mares
e sombras de areia.
Na minha boca, sal
e sílabas dos teus sonhos.

Setembro de 2020

sexta-feira, 2 de outubro de 2020

A Sarça Ardente - 40

Alson Skinner Clark, Autumn Blaze
O Outono aproxima-se
trazido nas asas
de um anjo.

Oiço já o rumorejar
das folhas mortas
pelo chão.

Oiço o cântico suave
de quem bebe
o vinho do silêncio.

Oiço o verniz do vento
a estalar na luz
do meio-dia.

Setembro de 2020