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segunda-feira, 16 de novembro de 2015

Construtor de pontes

Pierre Bonnard - A ponte (1896-7)

Ao viandante não é pedido apenas que atravesse a ponte, isto é, que se desloque para a outra margem para de lá ter uma outra perspectiva. É-lhe pedido que seja um pontífice (pontifex), um construtor de pontes, que na sua viagem, a cada momento, teça a ponte ente dois lugares que um abismo separa.

domingo, 18 de outubro de 2015

O cavalo de Tróia

Oscar Dominguez - O cavalo de Tróia (1947)

Gostamos sempre de nos identificar com os vencedores. Na guerra de Tróia, somos, na nossa imaginação, os companheiros de Ulisses, de Agamémnon e de Aquiles. Esta identificação, porém, oculta a nossa verdadeira situação espiritual. Presos a ilusões, perdido na errância, somos como os troianos que trazem para dentro de casa aquilo que os há-de derrotar. No caminho que cabe a cada um, o mais difícil é resistir à tentação de trazer para dentro de si o cavalo de Tróia de onde sairão os inimigos que nos aniquilarão na viagem.

segunda-feira, 31 de agosto de 2015

Chegar à fonte

Giovanni Segantini - Mulher na fonte (1895-96)

No intrincado jogo de metáforas e símbolos que a experiência da humanidade foi produzindo, a fonte tem um lugar de relevo. O lugar de onde brota a água presta-se à construção de uma simbólica que nos remete para a fonte da vida, para a fonte do espírito. Chegar, porém, à fonte não é chegar à origem. A fonte é o lugar onde algo se manifesta, emerge no ser e se deixa ver na sua presença. Chegar à fonte não é o fim da viagem. É um recomeço. A fonte é apenas a porta de entrada.

domingo, 23 de agosto de 2015

Caminhos áridos

Remedios Varo - Caminho árido (1962)

Na vida do espírito, seja qual for a área onde se desenvolva a vida espiritual (religião, arte, ciência, filosofia), os caminhos áridos, marcados pela impotência criativa, são centrais na viagem. A aridez devolve o espírito à sua humildade, mostra-lhe a sua finitude, mostra-o dentro dos limites que são os seus. Estes exercícios forçados de humildade são, porém, momentos preciosos. Preparam uma nova etapa de criação e de atenção ao que é essencial, de capacidade para escutar a voz que chama.

sexta-feira, 21 de agosto de 2015

O filho pródigo

Ivonne Sánchez Barea - A família (1999)

A família não é apenas um lugar de acolhimento. Ela representa um lugar de ligação. Ligação entre os seus membros - os laços de família - e a ligação com o passado, com o fundo obscuro da humanidade. Tanto os laços actuais como a ligação ao passado foram vistos como sagrados, como tendo uma dimensão espiritual. Essa dimensão espiritual precisa de alguma coisa que a realce e que a vivifique. Ora viagem espiritual do homem traz consigo uma estranha exigência: a da ruptura com a família, a de que nos tornemos filhos pródigos. A aventura do filho pródigo não é apenas a da dissipação. É a do estranhamento e o da aquisição de um novo ponto de vista sobre a família. Ao retornar da sua viagem, o filho pródigo eleva a família de uma dimensão biológica, social e afectiva a uma dimensão espiritual.

domingo, 16 de agosto de 2015

Visões outonais

Alson Skinner Clark - Claridade de Outono

Na simbólica das estações do ano, o Outono surge como o tempo do declínio. O grande fulgor, simbolizado pelo Estio, já passou, mas a vida ainda não entrou no frio e negro Inverno, presságio da morte. A vida espiritual, contudo, encontra no Outono uma outra simbolização. A claridade do Outono, de onde desapareceram os efeitos dos ardores primaveris e da efervescência estival, é a mais propícia ao caminho e a que permite ver mais fundo e melhor. Não há visões como as trazidas pelo Outono.

sexta-feira, 14 de agosto de 2015

Integrar o destruído

Salvador Soria - Integración de lo destruido 91-H (1991)

A vida do espírito não é um caminho que se faça sem processos de destruição. Destroem-se visões do mundo, formas de estar, hábitos essenciais. Não é a destruição que é inimiga da vida espiritual, mas o desperdício. Desperdiçar o que se destrói é pôr de lado um aspecto essencial da viagem. O importante não é evitar a destruição mas saber integrar plenamente em si aquilo que foi destruído.

quarta-feira, 5 de agosto de 2015

Pontos de contacto

Frantisek Kupka - Pontos de contacto (1934)

A expressão ponto de contacto traz nela uma carga semântica que se presta a uma simbolização da experiência, a qual transcende, pela sua própria natureza, a fisicalidade do tacto e do contacto. Contactar, literalmente, é uma dupla experiência. Passiva, pois recebe-se algo de um corpo exterior, e activa, já que tem uma dimensão exploratória de outros corpos. A vida espiritual é, ela própria, marcada por pontos de contacto, onde o viandante recebe algo que vem gratuitamente a ele, mas onde também é activo na abertura para aquilo que pode descer sobre ele. A viagem não é outra coisa senão um percurso que liga os múltiplos pontos de contacto.

terça-feira, 28 de julho de 2015

Metamorfose e metanoia

Jackson Pollock - Alchemy (1947)

A viagem do espírito - quero dizer: a vida que somos solicitados a viver - é, na verdade, um processo alquímico, para usar uma metáfora ao gosto revivalista desta época, um processo de transformação do que é vulgar e vil no ser humano em algo que seja nobre e elevado. É uma metamorfose do espírito servil num espírito livre. A questão, porém, é que este caminho só começa se houver uma metanoia, uma conversão. Isto significa que se adopte um outro ponto de vista sobre a vida. A natureza dá-nos um programa em que ela se reproduz e persiste. Conversão significa, porém, que o homem descobre para além da natureza dada, marcada pela estrita necessidade, uma outra natureza, aquela que o solicita a ser mais do que mera necessidade, que lhe dá o imperativo de ser livre.

terça-feira, 16 de junho de 2015

Enfrentar a fantasia

Rafael Durancamps - La del alba sería cuando salió Don Quijote 

Será o viandante como o Quixote? Tomará ele por gigante o que não passa de moinho. D. Quixote parte para encontrar a ilusão, o viandante sabe já que está na ilusão e se se faz ao caminho é para enfrentar as suas próprias fantasias. É para descobrir que um moinho é um moinho e um gigante é um gigante. Descobrir isso não é fácil, pois os seres humanos vivem sempre mais confortáveis se a ilusão desce sobre eles e os protege da realidade.

segunda-feira, 15 de junho de 2015

Além do prazer e da dor

Pierre Bonnard - Le Plaisir (1906)

O prazer foi, durante muito tempo, um campo de conflito feroz. Os prazeres bons e os maus, os prazeres do corpo e os do espírito, a hierarquia de prazeres, a relação do prazer com a dor, tudo isso foi objecto de dissecação e de dissensão. A viagem que cabe a cada homem, o seu confronto com a finitude e a aspiração ao absoluto, não exigirão uma outra posição? A querela sobre o prazer não será ainda uma forma de desatenção ao essencial? A viagem a que os homens são chamados exige que vão para lá do prazer e da dor, isto é, que vão para lá daquilo que os fecha sobre si. Não se trata de negar o prazer ou esquecer a dor, trata-se de os olhar nos seus limites e seguir viagem, seguir para além deles.

quarta-feira, 10 de junho de 2015

O ponto originário

Frantisek Kupka - À volta de um ponto (1911-12)

A trama da vida dos homens é tecida à volta de um ponto. É o ponto originário, secreto, oculto na profundidade do ser. Nesse ponto, falou a voz que nos convocou à vida. E é nesse ponto original e singular que continua a bradar essa mesma voz. Muitas vezes, é como se estivesse no deserto. Outras, porém, ela acorda o viandante que há em cada ser humano e põe-no a caminho.

segunda-feira, 8 de junho de 2015

Algum lugar

Juan José Aquerreta - Algún lugar (1991)

Quando dizemos "algum lugar" não estamos conscientes do papel que, ao nível existencial, a indefinição introduz. O viandante parte sempre deste lugar, de um lugar de fronteiras claras e definidas, de um território geograficamente constituído. A viagem é, ao contrário, um processo de continua indefinição dos lugares, de desterritorialização. A indefinição, todavia, não é o fim último que orienta o viandante. Ela é apenas uma mediação, na qual a fixidez da existência perde os seus contornos e começa a abrir-se. Abrir-se para quê? Para o lado nenhum, para o nenhures, para a ausência de território, de fronteiras e de determinações. A viagem leva o homem do determinado para a mais pura indeterminação.

quinta-feira, 4 de junho de 2015

Uma visão panorâmica

Salvador Dali - Arquitectura surrealista (1932)

Se olharmos de longe o percurso da viagem que fazemos - da vida que vivemos - rapidamente descobrimos, nas linhas que a compõem, uma estranha arquitectura, a resolução existencial de um projecto de que, ao mesmo tempo, somos os autores e os operários. Projecto esse, contudo, que só descobrimos depois de realizado, do qual só tomamos consciência quando nos afastamos dele para obter uma visão panorâmica.

terça-feira, 26 de maio de 2015

Estar na margem

Henri Rousseau - Nas margens do Oise (1908)

Estar na margem não é ser marginal. Estar na margem não é ser excluído. A margem não é um destino terrível para todos os seres humanos, só para aqueles que sonham estar no centro do palco. Viandante é aquele que descobriu que não há diferença entre a margem e o centro. Para ele, todos os centros são periferias e todas as margens, o centro do ser.

quinta-feira, 21 de maio de 2015

Aprender a quietude

JCM - Time on space (2008)

Podemos pensar que a viagem espiritual é como um mergulho nas águas inóspitas do oceano. Isso, porém, é uma ilusão fundada no voluntarismo que tomou conta da nossa cultura. Na verdade, a viagem espiritual é antes um aprender a estar quieto e silencioso, um aprender a deixar que o espírito se derrame sobre si, como as águas do oceano se derramam sobre as velhas rochas, para que, lentamente, uma vida nova cubra a pedra rude com um verde belo e vigoroso.  

terça-feira, 12 de maio de 2015

Convite à passagem

JCM - Muros (Lugo), 2007

Aquilo que detém o corpo é impotente para deter o espírito. O obstáculo não é um limite mas uma provação que solicita a que o espírito, escorado na sua pobreza e na abertura ao que está para além dele, o ultrapasse e se ultrapasse. O muro não é o fim da viagem mas um convite à passagem.

segunda-feira, 11 de maio de 2015

Aprender a tactear

Carmen Dominguez - Con-tacto

Talvez a aprendizagem sensorial mais importante para a viagem espiritual seja a que se liga ao tacto. Na visão e na audição, por exemplo, o homem é passivo, recebe as imagens que o exterior lhe envia. No tacto há uma dimensão activa, na qual o sujeito procura os objectos a tocar. Ora como toda a aventura espiritual é um estabelecer de relação, estabelecer contacto com aquilo que nos transcende, aprender a tactear não será das aprendizagens de menor importância.

quarta-feira, 6 de maio de 2015

Colher o que semeou

Kazimir Malevich - In the field (1911-12)

Também o viandante é um lavrador. A viagem é a sua forma de trabalhar a terra, de a semear e de cuidar das plantas. Tudo é feito em conformidade com as estações e os rigores do tempo. Nos dias de intempérie recolhe-se em casa e medita, para, logo que o tempo amaine, se fazer à estrada e colher aquilo que semeou.

segunda-feira, 4 de maio de 2015

Casas de adobe

Edward Hopper - Adobe Houses (1925)

Casas de adobe. Os homens sonham com palácios e julgam que neles se funda o mundo. Não sabem, porém, que mesmo uma casa de adobe pode ser já um excesso. O viandante deve, se vive num palácio, aprender a viver aí como se vivesse numa casa de adobe. E se vive numa casa de adobe deve aprender a viver como se fosse um sem abrigo, pois na viagem que lhe cabe nada o pode abrigar das intempéries que sobre ele desabam.