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sexta-feira, 1 de maio de 2015

Aprender a anoitecer

Max Klinger - Noite

A noite carrega consigo múltiplas e antagónicas simbolizações. É inútil esboçá-las sequer. Inerente, porém, ao fascínio da noite é também a expectativa da vinda do dia e da luz. João da Cruz tematiza a noite escura como esse sentimento de abandono que o crente sente na viagem espiritual. Mas como pode o homem perdido no mundo, guiado pela luz natural dos sentidos e da razão, entrar sequer nessa escura noite de que fala o místico castelhano? Talvez a resposta esteja ainda na noite. Terá de aprender a anoitecer, aprender a ver a luz dos sentidos e a da razão como pura obscuridade e obstáculo no caminho.

terça-feira, 21 de abril de 2015

Da viagem e da errância

Ferdinand Hodler - Ahasver, el judío errante (1910)

Distinguimos claramente viagem e errância. Na viagem, o viandante desloca-se de um lugar para outro, o ponto de partida e o ponto de chegada estão claramente definidos.Na errância, o vagabundo não tem destino, erra por aqui e por ali ao acaso. A clareza desta distinção, porém, é o sintoma da sua fragilidade. A errância é parte integrante da viagem. Quantas vezes aquele que julga saber de onde vem e para onde vai é um verdadeiro vagabundo? Quantas vezes o vagabundo descobre que partiu de um lugar e que um outro o espera? A isto poderíamos chamar uma meditação sobre o pecado.

segunda-feira, 20 de abril de 2015

Mapas e territórios

Frantisek Kupka - Arquitectura filosófica (1913-1923)

Quando ouvimos falar de arquitectura filosófica pensamos de imediato numa densa rede de conceitos organizada e sistemática. Como é que o viandante lida com tal dispositivo intelectual? Ficará seduzido e pensará que a sua viagem é produzir ideias? Esse é um perigo. Contudo não se devem rejeitar essas redes de conceitos. São mapas para a viagem. Indicam o caminho do espírito mas não são a própria vida do espírito. Quem, na plena posse da sua razão, confundirá mapas com o territórios?

terça-feira, 14 de abril de 2015

Paisagens desconhecidas

Jean Metzinger - Landscape (1904)

O estranho silêncio das paisagens desconhecidas abre-se perante o espanto do viandante. E ele não sabe o que mais admirar, se a novidade com que os seus olhos se deparam ou se o silêncio com que é recebido. E assim penetra no desconhecido à espera de um sinal que lhe indique o caminho ou de uma voz que o chame.

sábado, 11 de abril de 2015

Ofícios e profissões

Joaquín Mir - Carpinteiro

O que distingue um antigo ofício de um profissão moderna? Esta ou é meramente rotineira ou exige conhecimento técnico; por vezes, ambas as coisas. Nela, porém, tudo se reduz à eficácia, nada mais possibilitando ao homem do que um contacto superficial e, muitas vezes, patológico com o mundo material. Os antigos ofícios continham neles uma possibilidade que se nos tornou estranha. Pelo afeiçoamento da matéria, pela excelência e virtuosismo dos actos, o artesão tinha a possibilidade de encontrar no seu quotidiano o caminho onde poderia realizar a viagem espiritual. Um ofício era um caminho possível para o espírito, uma profissão é uma corrida sem destino nem proveito para a alma.

domingo, 22 de março de 2015

Estar à janela

Frances Hodgkins - At the window (1912)

Estar à janela é a condição mais equívoca do homem. Naquele que se senta à janela, cruza-se a nostalgia de estar do lado de lá, jogado no desconforto da viagem e na rudeza do desconhecido, com o temor que o prende ao conforto do que é familiar. Estar à janela é estar na fronteira, nessa linha imaginária que separa dois mundos. Na verdade, estar à janela é não estar em lado nenhum.

sábado, 28 de fevereiro de 2015

Quebrar a pedra

George Seurat - The Stone Breaker (1882)

A viagem é como um quebrar a pedra, um rasgar da matéria da vida. Não para as desfigurar ou aniquilar, mas para libertar o espírito que nelas se escondem e, desse modo, dar uma outra figura à existência.

terça-feira, 17 de fevereiro de 2015

Um e o mesmo

Xaime Quessada - O piano (1957)

Não, não, a música não é um lenitivo ou um analgésico para as agruras da viagem. A música é um sinal que indica ao viandante que o mistério faz parte da sua viagem. Não é, porém, apenas um sinal do mistério, ela é ainda um símbolo. Na música, a voz que chama e aquele que escuta tornam-se um e o mesmo, como se, na viagem, o viandante, o caminho e o sempre adiado destino fossem um e o mesmo.

quinta-feira, 12 de fevereiro de 2015

Planaltos e cumes

Felix Vallotton - Le plateau de Bolante (1917)

Nos planaltos a vida é suave e o horizonte amplo. Um planalto convida o viandante à vida sedentária, aos prazeres do trabalho recompensado pela generosidade da terra. O espírito, porém, é como o vento e sopra onde quer. O cume da montanha chama por ele e, movido pela voz que escuta, deixa o conforto e segue o seu caminho. Na terra, não há lugar que seja a sua casa.

sábado, 31 de janeiro de 2015

O ardor silencioso

Tal-Coat - Do ardor (1972)

Não é a impassibilidade dos estóicos que o viandante busca, tão pouco é o entusiasmo dos exaltados aquilo a que aspira. Na viagem, procura o ardor silencioso que move o coração e que, preso ao segredo que o habita, ilumina o mundo.

sexta-feira, 30 de janeiro de 2015

Criador de formas

Frantisek Kupka - A forma do azul (1931)

Muitas são as formas que se deparam ao viandante no caminho que faz. Num primeiro tempo, fica fascinado com a multiplicidade que o mundo exterior lhe apresenta. Num segundo tempo, cresce nele a dúvida sobre a origem daquelas formas. Seriam mesmo formas exteriores? Por fim, avançado na idade, o viandante descobre que tudo o que vê é a projecção daquele que vê. O bem e o mal, o branco e o azul, o sólido e o líquido, todas as formas têm a forma do seu olhar, da pureza ou da imundície que lhe habita o espírito. O viandante é um criador de formas, que o afastam ou o aproximam do que não tem tem forma.

sábado, 24 de janeiro de 2015

De porto em porto

Paul Signac - Port of La Rochelle (1921)

O porto simboliza um momento especial da viagem. Marca a chegada a um certo patamar de compreensão e de luz. Ao mesmo tempo indica uma nova necessidade de partir, de entrar no não conhecido e no não luminoso. A tranquilidade de chegar a bom termo indica sempre a ânsia de procurar uma nova luz.

domingo, 11 de janeiro de 2015

Cuidar o jardim

Raoul Dufy - O jardim abandonado (1913)

De um ponto de vista racional, pode-se sempre pensar que a ideia do paraíso, do jardim do Éden, foi construída à imagem e semelhança dos jardins que homem teria já inventado para seu deleite na terra. A imaginação, porém, pode, com o poder arquetípico que a constitui, dizer o contrário. Todos os jardins humanos são uma cópia ou uma reminiscência do paraíso, dessa experiência originária que habita o fundo da espécie humana. Ao dizer isto, a imaginação está ainda a dizer outra coisa. Tendo o homem sido expulso, o jardim foi abandonado. E esta ideia traz uma injunção para cada homem sobre a terra. A vida, no seu significado último, não deveria ser outra coisa do que a viagem de retorno. O jardim precisa de ser cuidado.

quinta-feira, 8 de janeiro de 2015

Uma nova inocência

Mère Geneviève Gallois - Adam et Eve chassés du paradis (1926)

Na narrativa de Adão e Eva, a expulsão do paraíso é vista como um castigo, um acontecimento negativo, algo que sucedeu devido à queda, à perda ingénua da inocência. Esta é, contudo, apenas uma parte da história. A expulsão do paraíso é o começo da viagem, a dolorosa procura de uma nova inocência, uma inocência que, abandonada a ingenuidade, se sabe e se quer inocente.

segunda-feira, 5 de janeiro de 2015

A estrela da tarde

William Turner - A estrela vespertina (c. 1830)

No regime existencial que pertence ao homem não há luz que não contenha em si um traço de escuridão, não há trevas que não sejam pontuadas pela luz. Não está dentro das condições de possibilidade do homem suportar o absoluto, seja o da luz ou o das trevas. Quando o sol se põe e as trevas ameaçam tomar conta do mundo, o brilho da estrela da tarde recorda-nos que, para nós, as trevas não são absolutas nem eternas. A luz é ainda um princípio de esperança que, nos momentos mais negros, guia a viagem espiritual do homem.

quinta-feira, 1 de janeiro de 2015

Dentro da cidade

Egon Schiele - Cidade amarela (1914)

O deserto inóspito, a floresta húmida e secreta ou a montanha agreste foram, desde há muito, lugares onde viandantes de todas as épocas procuraram o caminho para a sua viagem espiritual. Entendeu-se isso, muitas vezes, como fuga mundi, como uma forma de fuga aos negócios mundanos e à vida na cidade. Mas para o viandante dos dias de hoje o deserto, a floresta e a montanha encontra-se também dentro da própria cidade e é lá que a aventura espiritual, para a qual foi convocado, terá de realizar-se.

sexta-feira, 19 de dezembro de 2014

Um caminho de vida

Salvador Dali - Cavaleiros do Apocalipse (1970)

Há múltiplas formas de pensar a simbologia dos quatro cavaleiros e respectivos cavalos que surgem no Apocalipse de João. Os símbolos são verdadeiros depósitos de sentido, permitindo encontrar neles significações contraditórias. A lógica que os rege, se de lógica podemos falar, não se coaduna com a interdição da contradição e com o terceiro excluído. No símbolo, identidade e contradição coabitam e o terceiro está incluído. Podemos ver nesses símbolos do texto de João a profecia de terríveis desgraças, mas não será desapropriado de compreender neles uma indicação do caminho espiritual, marcos na viagem do viandante que procura aquilo que por ele chama, aquilo que, numa outra linguagem, se poderá dizer o caminho da vida feliz. 

quarta-feira, 17 de dezembro de 2014

Tarefas ociosas

Filippo de Pisis - O arqueólogo (1928)

Segue-me, e deixa os mortos sepultar os seus mortos (Mateus 8:22)

A viagem não é um assunto de arqueólogos, esse entretenimento do mundo moderno onde os mortos se entregam à tarefa de desenterrar os mortos. Se já era vã e ociosa a tarefa dos mortos a sepultar os seus mortos, o que se poderá dizer desta inclinação mórbida pelo que está morto? Seguir o caminho do espírito é procurar o que está vivo, é seguir a via que conduz à verdade e à vida.

terça-feira, 9 de dezembro de 2014

Estrela polar

Salvador Dali - Visiones de la Eternidad (1936-7)

Ver tudo "sub species aeternitas", mas a vida exige inscrever cada acção no tempo. A viagem é sempre a tensão entre a visão do eterno e a contaminação da temporalidade. O essencial é saber o que faz de estrela polar, se o eterno se o temporal.

domingo, 7 de dezembro de 2014

A relação com a paisagem

Meyer Schapiro - Abstract Landscape (1971)

Há sempre, na viagem existencial, uma dupla relação do viandante com a paisagem, relação marcada pelo afastamento e pela proximidade. Ao longe, a paisagem surge depurada, quase uma ideia, uma linha abstracta no horizonte. Ao tornar-se próxima, a paisagem vai perdendo a sua natureza ideal e ganha a pulsação daquilo que está vivo e se abre para acolher quem assim se aproxima.