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domingo, 13 de janeiro de 2013

A etapa geométrica

Benjamín Palencia - Paisaje (1932)

As paisagens cubistas representam um momento importante na vida do espírito. Ao tornar a sensibilidade geométrica, o cubismo permite que esta encontre um caminho para a razão. Não é, todavia, a racionalidade que é a questão importante, mas o processo de desmaterizalição da representação do mundo físico, a espiritualização das sensações, a abertura para lá daquilo que os sentidos nos trazem. O mundo geométrico é um mundo purificado, um universo que perdeu a ganga da matéria e começa a perder os contornos das sensações, que num primeiro momento se tornam mais agrestes. São, contudo, já pura racionalidade, prontas a dissolverem-se numa experiência de luz e fluidez que a matéria sensível nunca permitirá.

sexta-feira, 4 de janeiro de 2013

Do espírito imaturo

Theo van Doesburg - Counter-Composition VI (1925)

Há um momento na vida que buscamos caminhos claros, marcados por linhas rectas, um exercício de geometria prática. Nessa altura, animados pela razão e pelo seu desprezo pelo sinuoso, julgamo-nos maduros e na via da verdade. Em breve, porém, se descobre que a razão geométrica não passa de um exercício adolescente, o sintoma de uma imaturidade do espírito. As curvas de um rio, os desenhos sinuosos feitos pelo vento nas areias do deserto, o horizonte incerto das montanhas escarpadas simbolizam mais eficazmente a via que espera o viandante. A geometria, a clareza e a distinção, a pura diferenciação do branco e do negro são ainda um armadilha, o exercício de uma sedução a que o espírito, na sua imaturidade, com agrado cede.

domingo, 30 de dezembro de 2012

Paisagens espectrais

Carlo Carra - Depois do pôr do sol (1926)

Há um momento na história do Ocidente em que, libertando-se de Deus, os homens colocaram na razão toda a sua fé e toda a sua esperança. Em muitos aspectos, a razão não desiludiu os homens e pagou-lhes com abundante generosidade o culto que lhe foi prestado. Onde, porém, os homens mais necessitavam dessa razão, ela foi impotente para os satisfazer. Libertos das narrativas teológicas e dos símbolos ambíguos que um dia tinham dado direcção à vida, esperavam que a razão lhes desse uma orientação e um sentido. Ela multiplicou-se em propostas, programas e projectos, mas o esforço redundou sempre em algo risível. Hoje, apesar do intelecto calculador e científico parecer estar instalado em terra firme, a razão é um astro declinante. Na verdade, ela é um sol que se pôs e a luz que emite tem o condão de transformar tudo numa paisagem espectral e habitada por fantasmas. Para além da submissão ao trabalho, aos interesses dos mercados e à vida material, a razão, na sua autonomia, nada mais tem para propor, a quem nela tanto confiou, do que o vazio do espírito.

quinta-feira, 6 de setembro de 2012

Para além da razão, a sabedoria

George Wesley Bellows - Dance in a Madhouse (1917)

Olhar para a vida mundana colocando-nos fora dela é uma experiência que pode desenhar o seu campo de sentido na metáfora do baile num manicómio. Não nos iludamos, porém. O valor metafórico e semântico da expressão não reside no facto de as pessoas que dançam pertencerem a um universo onde a razão está suspensa. O valor da expressão está no facto de haver ainda uma racionalidade apesar daqueles que dançam terem a sua afectada ou suspensa. O baile é um véu de racionalidade depositado sobre  - e nascido de - um universo composto por elementos não racionais.

O manicómio, contudo, é apenas uma figura do mundo da vida quotidiana, um outro exemplo da velha caverna platónica. E nesse mundo quotidiano cada ser humano, por mais racional que se julgue e sinta, não é diferente daquele que, no manicómio, dança. E a razão, esse poder que incensamos como se de um deus se tratasse, não é outra coisa do que o véu tecido pelos movimentos não racionais - nem razoáveis - de todos nós. A razão não é um a priori, mas um a posteriori, uma resultante. E é por isso que ela contém a terrível possibilidade das maiores insanidades.

O caminho da sabedoria começa quando se percebe que há que deixar a razão para trás. Enquanto o homem estiver preso na sedução da razão, ficará fechado na alternativa - falsa alternativa, aliás - entre razão e desrazão. O espírito não é a razão. Esta é discursiva e raciocinadora, implica a temporalidade. Aquele é intuitiva e nasce da suspensão do tempo. A sabedoria é a pura presença em cada momento, a atenção ao enigma do acontecer, o estar para além da alternativa razão-desrazão. Na tradição católica, esta pura atenção ao acontecer tem um nome específico: fé. Ser fiel significa, então, estar presente à realidade, suspender a distracção contida nas considerações da razão, incluindo as que resultam da da razão como suporte da crença em Deus. Esta não passa de uma crença numa ideia projectada pela razão sobre o diverso e irracional da experiência humana. A sabedoria nasce quando se abre mão de tudo isso.

quarta-feira, 1 de fevereiro de 2012

Vertigem

Esta indecisão que de tudo se apodera, esta sombra que cai sobre os dias, esta neblina que se cerra sobre o olhar. Como é sombria a luz natural da razão. Estranho lugar é o do homem, a meio caminho entre terra e céu. Os olhos erguem-se para o alto, mas o corpo submete-o à lei da gravidade. A vertigem que de mim se apodera não é mais que a luta entre duas naturezas que há muito perderam a harmonia. Como pode a razão iluminar aquilo que os deuses obscurecem?

terça-feira, 23 de agosto de 2011

A outra floresta

(imagem retirada de a trama)

A floresta é, também, a metáfora do labirinto. Melhor, floresta e labirinto acabam, de forma metafórica, por se interdesignarem, sendo possível utilizar qualquer um dos termos para denotar a referência do outro. Sendo a floresta, tradicionalmente, o produto espontâneo da natureza (embora, há muito isso não seja assim) e o labirinto uma construção humana, o que permite o transporte de uma designação para a referência habitualmente denotada pelo o outro termo é a ideia de caminho. São os caminhos que não são claros, a que falta uma certa luz racional. Os caminhos que atravessam a floresta ou que compõem o labirinto não se deixam iluminar pelo cálculo ou outro tipo de operações do entendimento. Um outro operar do espírito é necessário para encontrar o caminho e persistir nele, seja na floresta ou no labirinto.

Se tomarmos, por outro lado, o labirinto como termo da mediação, sem dificuldade se pode estabelecer conexão entre a floresta e os seus caminhos que conduzem a lado algum e o mundo social em que os seres humanos, apesar da racionalidade com que cada um traça o caminho dos seus interesses (embora esta visão liberal da existência seja puramente utópica),  acabam por andar à deriva e se tornam uma espécie em contínua errância. De facto, o lebenswelt, tomado na sua globalidade, não deixa de ser uma verdadeira floresta, cujos caminhos só na aparência podem ser percorridos segundo a luz da razão. A dificuldade do viandante é suspender o uso da bússola sem perder a orientação ou, dito de outro modo, suspender o uso da razão sem se tornar irracional.